Justiça

Processos por direito a remédios crescem 25% em 1 ano na Bahia

Ações são movidas por baianos que precisam de medicamentos não oferecidos pelo SUS ou planos de saúde

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  • Wendel de Novais

Publicado em 28 de junho de 2023 às 05:00

A dona de casa Lucimeire dos Santos, 42 anos, descreve como desesperadora a atual situação do filho Gabriel dos Santos, 5, que tem microcefalia e precisa de um remédio com cannabidiol. Como a substância não é regulada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a mãe entrou na Justiça para garantir o direito ao tratamento. "Sem o remédio, é um desespero. Ele chega a ter 30 convulsões por dia e vive internado à base de Diazepam na veia", fala. Casos assim têm sido cada vez mais comuns na Bahia. 

Lucimeire com o filho Gabriel, que tem microcefalia. Ela entrou novamente na Justiça para garantir remédio à base de cannabidiol
Lucimeire com o filho Gabriel, que tem microcefalia. Ela entrou novamente na Justiça para garantir remédio à base de cannabidiol Crédito: Paula Fróes

De acordo com dados do Tribunal de Justiça do estado (TJ), até o mês de maio, 1.237 pessoas entraram com ações para ter acesso a medicamentos que não são oferecidos pelo SUS ou não têm a cobertura dos planos de saúde. São 247,4 por mês. Em relação ao mesmo período do ano passado, quando houve 985 processos, o número representa um crescimento de 25,85%. O aumento chega a 85% se compararmos com o mesmo período de 2020, quando houve 666 ações judiciais do tipo na Bahia. 

Advogado, Lucas Macedo é secretário geral da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB-BA) e explica as razões do aumento, que não é uma tendência nova no mundo jurídico. "Esse cenário, que a gente chama de judicialização da saúde, não é um fenômeno recente e há um conjunto de fatores que justificam isso”, adverte o especialista. 

“Os principais, porém, são o conhecimento do direito à saúde, com informações que são mais disseminadas atualmente sobre o tema, e a discrepância que existe entre o avanço nos tratamentos/ medicamentos e a inclusão no SUS, que é um processo ainda muito demorado", completa Macedo, detalhando que os procedimentos de alta complexidade e os medicamentos de alto custo são os principais alvos dos processos na área de direito à saúde. 

O remédio de alto custo é a razão da ação de Lucimeire, já que um frasco custa cerca de R$ 1 mil e, em um mês, Gabriel consome 30 frascos em via oral. O pequeno conseguiu acesso ao medicamento de forma gratuita por seis meses, mas teve o fornecimento interrompido. “Eu entrei na Justiça para fazer com que eles voltem a mandar. Meu filho tem outra qualidade de vida com o remédio, sai de 30 para 8 convulsões no dia e são bem mais leves. Não parou no hospital nesse tempo”, diz. Lucimeire diz que se alguém quiser doar qualquer valor para ajudá-la, pode fazer por meio do Pix: (71) 98280-9589.

Antes do cannabidiol, Gabriel passou por diversos remédios que não têm mais efeito. Mesmo caso de Febrian Luis Lima, 7, que é filho de Amanda Lima, 29, e tem autismo verbal (sem comprometimento na fala). Ela conta que os maiores problemas do pequeno são a ansiedade, que não o deixa dormir, e problemas de agressividade. O risperidona, remédio que ele toma desde os 3 anos, não tem mais impacto no organismo. 

“Ele tem muito problema de agressividade, acaba se exaltando, batendo na gente e até quebrando as coisas em casa. Porta de vidro, duas televisões e outros eletrodomésticos já foram quebrados por ele aqui. Além do sono, que é um grande problema, já ficou dias seguidos sem dormir. O cannabidiol é uma esperança que a gente tem e entramos com processo pra ele ter qualidade de vida”, explica ela.

Amanda tem acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), auxílio para compra de medicamentos de uso contínuo. Ainda assim, o custo do óleo de cannabidiol é incompatível com os valores que ela recebe. “Entrei com processo, porque não dá para pagar, é muito caro. Eles não me retornaram quando perguntei e precisei correr atrás. Vejo muita gente com epilepsia, microcefalia e outras doenças que relatam uma experiência de sucesso, sem efeito colateral. Quero isso pra ele”, fala.

A pedagoga Vanessa Batista Rodrigues, 34, tem fibromialgia e lesões ortopédicas na coluna cervical e há um ano luta para substituir remédios como Escitalopram, Amytril, Desventag e Probians pelo Extrato de Canabis Sativa. Ela entrou na Justiça através da Defensoria Pública da Bahia (DPE), mas esbarra nos protocolos que envolvem um relatório médico para a judicialização de acesso à saúde. 

“Os médicos erram nos itens que precisam ser preenchidos de próprio punho e sempre preciso voltar para uma consulta, sendo que é muito difícil conseguir no SUS aqui na Bahia. Nesse processo, já passei por cinco reumatologistas diferentes e ainda não consegui com que os relatórios fossem aprovados. Então, continuo sofrendo sem acesso ao tratamento necessário há um ano”, relata.

A Defensoria Pública da Bahia (DPE) foi procurada para explicar como se dá o processo e quais são os detalhes que precisam estar descritos no relatório, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.

Motivo mais comum

Todas as pessoas que conversaram com a reportagem estão lutando pela liberação de remédios com base em cannabidiol. Fundador e presidente da Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal no Brasil (Cannab), Leandro Stelitano, destaca que, na Bahia, o cannabidiol é item comum de muitos processos por fornecimento de medicamentos.

"A gente tem mais de 100 autorizações judiciais em processo para uso de medicamentos com cannabidiol. Na nossa associação, por exemplo, temos mais de 1.200 pacientes que fazem uso da Cannabis medicinal. E, na Bahia como um todo, a gente estima, pelos atendimentos que já fizemos desde 2017, que existam 5 mil famílias fazendo uso destes remédios", afirma Stelitano, que também é vice-presidente do Conselho Estadual de Políticas Sobre Drogas na Bahia.

Ele justifica ainda que o cannabidiol é mais comum nesses casos porque serve como tratamento não apenas para uma doença específica, mas para uma diversidade de problemas crônicos que afetam pessoas em todo o estado.

"Há autorização da Anvisa para o uso de óleo de Cannabis em mais de 30 patologias. A diferença entre elas são as concentrações dos óleos que o médico receita. Por exemplo, no caso de fibromialgia, que é dor crônica, você vai ter mais THC do que CBD [substâncias do cannabidiol]", completa, sem citar todas as doenças que têm essa autorização.

Procurado para informar se essa é a substância com mais processos no estado, o TJ-BA não respondeu. A Secretaria de Saúde do Estado da Bahia e o Ministério da Saúde (MS) também foram procurados para comentar o cenário e responder como trabalham para reduzir esse número, mas também não retornaram.