POLÊMICA

'Racismo deve ser tratado pela família', diz mulher que criticou livro usado em aula de religião

A autora Djamila Ribeiro rebateu os comentários da comunicadora

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Publicado em 2 de maio de 2024 às 21:28

Postagem causou polêmica nas redes sociais
Postagem causou polêmica nas redes sociais Crédito: Reprodução

A comunicadora Vanessa Moreira, que criticou o uso do livro 'Pequeno Manual Antirracista', da filósofa Djamila Ribeiro, nas aulas de religião do Colégio Antônio Vieira, disse em entrevista ao CORREIO que não tem filhos na instituição e recebeu a indicação do livro em um grupo de pais do colégio.

“Sou comunicadora, católica e recebi isto em um grupo de pais a título de denúncia. Como o documento de indicação do livro é público e, teoricamente, vivemos em um país onde existe liberdade de expressão, emiti livremente o meu posicionamento diante de um fato público”.

Na publicação feita nas redes sociais, Vanessa questionou se o uso do livro seria um “culto à servidão de ideologias”. Em seguida, publicou a imagem da capa do Pequeno Manual Antirracista e a relação de livros trabalhados nas aulas de religião do 8º ano, onde a obra aparece abaixo de uma bíblia. Na mesma postagem, a mulher compartilha um print da biografia de Djamila, destacando que a mãe da filósofa trabalhava como empregada doméstica e que iniciou a filha no candomblé quando a filósofa tinha 8 anos.

Perguntada sobre a publicação que fez, a comunicadora respondeu que o questionamento sobre o livro usado pelo colégio aconteceu por pensar ser inadequado a utilização de um livro que não tem relação com religião em uma aula sobre o tema.

“O que esperar de uma aula de religião em um colégio católico? Não seria apenas a palavra de Deus, o código canônico, as histórias de virtudes dos mártires, mandamentos? Qual é o sentido e o objetivo de utilizar uma autora que vem de família de outra religião, no caso específico candomblé? Existe qualquer conexão com a fé católica?”, perguntou na publicação nas redes sociais.

 A mulher também disse ter questionado o motivo pelo qual um colégio católico utiliza um livro de uma autora que não é católica. “Na minha avaliação, em um colégio católico, sobretudo nas aulas de religião, esperam-se livros e obras católicas”, enfatizou.

Um estudante do 8º ano, que pediu para não ser identificado, contou que o livro é usado na sala de aula para reforçar os princípios da fé cristã. O menino disse que a turma fez um podcast sobre racismo, sobre as diversas manifestações dessa discriminação e como enfrentar o problema para ter uma sociedade mais igualitária e fraterna.

“No cristianismo, os tópicos principais são fé, amor, aceitação, compaixão, e ser contra a violência, o ódio e a discriminação. O racismo é justamente uma forma de violência e representa tudo o que a religião cristã é contra. O livro é usado no ensino religioso para a gente entender o que é o racismo, para a gente aprender a combatê-lo e nos tornar mais cristãos”, explicou o aluno.

A mulher ainda disse que sofreu ataques pela postagem publicada nas redes sociais e que vai tomar providências. “Diante da ampla repercussão e distorção dos fatos, tenho sofrido ataques coordenados de grupos radicais, que invadiram o meu perfil com objetivo de me intimidar. Estou me recuperando dos ataques, xingamentos, ofensas e acusações em geral. Assim que me recuperar, irei analisar as providências que poderão ser tomadas”, explicou.

Para Vanessa, racismo e discriminação racial são assuntos que devem ser tratados no núcleo familiar. “É um assunto que deve ser tratado pela família e combatido. Sou contra o racismo. Todos nós somos iguais e devemos ser respeitados mutuamente. Isso é o que sempre transmiti e continuarei transmitindo para os meus filhos”, completou.

Resposta da autora

Djamila está de férias nas Bahamas, mas respondeu ao CORREIO. Confira na íntegra o posicionamento da autora:

"Ao longo dos últimos cinco anos, desde que foi lançado, o livro tem contribuído para a pedagogia de conscientização sobre desigualdades históricas no Brasil. Tem sido base da bibliografia de escolas públicas e particulares, de diversas orientações. Um livro que vem contribuindo para uma prática pedagógica antirracista.

Fiquei muito feliz por saber que o Colégio em questão adotou o livro com o argumento de que o combate ao racismo é um valor cristão. E é de fato, Jesus pregou o amor ao próximo. Não sou cristã, porém me encanta a perspectiva da escola. Aliás, sobre isso, a mãe me ataca por eu ser de candomblé, iniciada aos 8 anos de idade. Gostaria de reforçar que o direito à liberdade religiosa é garantido pela Constituição de 1988 e por vivermos em um país laico, independente da escola ser católica, ataques como esse fere a nossa Constituição e limita a humanidade de quem ataca.

Essa mãe precisa estudar sobre o contexto social e racial do país em que vive, sobretudo porque reside em Salvador, um estado com o maior número de população negra, e também estudar sobre as leis que regem a Nação.

No mais, minha solidariedade à comunidade escolar e o endosso ao seu posicionamento cristão em adotar o livro".

Resposta do Colégio

O Colégio Antônio Vieira, embasado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, reconhece a importância de garantir o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil. Nesse sentido, adotamos uma abordagem inclusiva que visa tranversalizar toda a nossa prática educativa.

Destacamos a existência do Comitê para Educação Étnico-Racial e de Gênero no Colégio Antônio Vieira, que desempenha um papel fundamental na orientação de ações voltadas para essa temática. As questões antirracistas são trabalhadas em consonância com nosso Projeto Político-Pedagógico, seguindo os fundamentos da Companhia de Jesus e as diretrizes da Igreja Católica, inclusive o Pacto Educativo Global.

Para nós, a educação para as relações étnico-raciais é um imperativo de reconciliação e justiça. Por isso, incluímos livros e materiais didáticos que abordam essa temática de forma ampla e contextualizada em nossas aulas de Ensino Religioso. Essa abordagem não se limita apenas às disciplinas religiosas, mas permeia todo o contexto escolar, refletindo nosso compromisso com a conscientização sobre a importância de respeitar a diversidade.

Reconhecemos a importância da legislação vigente, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei nº 10.639/2003, bem como a Lei 7.716/89 e a Lei 14.532, que fundamentam o racismo como crime e a necessidade de assegurar a efetivação das diretrizes estabelecidas. Nos empenhamos também a cumprir a nota recomendatória da Defensoria Pública da Bahia que ressalta a importante e necessária tomada de medidas para reconhecer e valorizar a história e cultura afro, afro-brasileira e indígena como pilares da formação cultural-identitária do povo brasileiro. Nosso empenho em implementar essas leis é amplo e eficaz, pois nossa missão vai além do ensino acadêmico; buscamos formar cidadãos comprometidos com a construção de um mundo mais inclusivo e solidário.