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Larissa Almeida
Publicado em 30 de março de 2024 às 06:13
Um dos dozes apóstolos de Jesus Cristo, Judas foi o traidor que entregou o Redentor aos seus captores por trinta moedas de prata e, posteriormente, se enforcou ao entrar em desespero pela traição cometida. Na tradição cristã europeia, durante a Idade Média, convencionou-se a prática da queima do Judas no Sábado de Aleluia. Séculos depois, essa tradição chegou na Bahia pelos portugueses e espanhóis, e se mantém viva até hoje com a queima de bonecos que imitam o traidor. Essas representações podem ser adquiridas a partir de R$370 na Avenida Barros Reis, em Salvador, onde são vendidas por dois fabricadores que atuam juntos nesse ofício há 25 anos. >
Inicialmente criada pelo falecido Florentino Moreira, a única fábrica de boneco de Judas da capital baiana é tocada há 57 anos por Fernando Encarnação, de 67 anos. Ele, que deu continuidade ao legado do seu mentor, há 25 anos trabalha com Jean Neiva, 44 anos, na confecção dos Judas. Eles contam que durante todo o ano ficam sem demanda, portanto o negócio só tem vendas em abril, embora os trabalhos de fabricação tenham início dois meses antes da Semana Santa. >
Sem lugar fixo para o local de fabricação, a dupla costuma alugar espaços em cidades vizinhas ou locais afastados. Na época das encomendas, quando costumam aceitar pedidos até duas semanas antes da Páscoa, os clientes vêm de diferentes munícipios do estado. “Tem cliente que pega e leva para Mata de São João, Camaçari, Praia do Forte, Simões Filho e Alagoinhas”, cita Jean. >
Neste ano, 500 bonecos de Judas foram confeccionados em cerca de três meses. No processo de criação, a parte mais complicada e que demanda mais tempo é a cabeça do traidor. “A cabeça demora. Tem que colocar na forma, no papel e goma, dar um tempo para secar, tirar da forma novamente. É um processo”, resume Fernando. >
No passo a passo, Jean explica que, justamente por demorar tanto, a cabeça é feita primeiro. Para fabricá-la, é colocado um antimofo e goma para um acabamento na forma de concreto. Essa massa fica secando durante um dia e, após esse período, ela é aberta, cortada, preenchida por papelão e pintada. Depois, o próximo passo é a criação do esqueleto, quando os fogos são montados no corpo do boneco e enrolados em um jornal. >
Ainda, é criada a tábua de centro, que é fundamental para o funcionamento do boneco. “Fizemos 25 tábuas por dia, que é feita de madeirite, com espadas e os estopins. É ela que faz o Judas girar. Por último, colocamos a calça e a camisa, que compramos em bazar. Na montagem, vem primeiro a tábua de centro e por último a cabeça”, completa. >
Além do boneco, Jean e Fernand o confeccionam o testamento de Judas, que também é queimado. Normalmente, as representações do traidor são compradas por partidos políticas, que pedem aos fabricadores que insiram uma foto com o rosto de políticos adversários. Contudo, neste ano, o boneco mais vendido foi do mosquito da dengue. “Esse ano, o pessoal pediu muito o mosquito da dengue. Como é difícil fazer o mosquito como o Judas, nós simplesmente colocamos o adesivo na camisa do boneco. Vendemos 50 desses”, comemora Jean.>
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro>