Tesouro escondido: mural de azulejos é encontrado durante obra no Hospital Sagrada Família

Mural representando o nascimento de Jesus estava coberta por um painel de madeira desde 2015

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  • Raquel Brito

Publicado em 4 de junho de 2024 às 06:00

Mural foi encontrado na segunda-feira (27)
Mural foi encontrado na segunda-feira (27) Crédito: Marina Silva/CORREIO

Há cerca de uma semana, enquanto os operários retiravam um painel de madeira infestado de cupins na recepção do Hospital Sagrada Família, que está sendo requalificado para abrigar o Hospital Municipal do Homem,  a partir do mês de julho, foi encontrado um painel de azulejos com uma pintura do nascimento de Jesus.

“Quando começamos a retirar o painel em compensado de madeira(MDF), que estava bem degradado, vimos alguns pedaços do azulejo e pedimos que a equipe tivesse cuidado, para visualizarmos melhor. Foi uma surpresa boa. Ficamos todos emocionados, inclusive a equipe das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid)”, conta Carla Carvalho, engenheira civil da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e fiscal da obra.

De cores vivas, a pintura traz um menino Jesus com seus pais, Maria e José, rodeados por animais em uma manjedoura. A autoria da pintura, feita diretamente nos azulejos, é desconhecida. No canto direito da obra, quase passa despercebida uma data entalhada em um dos quadrados: 25.XII.77. Por isso, estima-se que a obra seja de 1977.

Eliana Ursine Mello, mestra em Artes pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e investigadora colaboradora da Rede de Investigação Az - Azulejos, explica que foi na segunda metade do século XX, período estimado da confecção do painel, que cresceu a indústria azulejar no país. Essa expansão proporcionou melhores condições e materiais aos artistas.

“Importante destacar que o trabalho desenvolvido por eles, de modo autoral e artístico, dependia dos pigmentos, corantes e, principalmente, dos azulejos brancos e lisos produzidos industrialmente. A relação entre arte e indústria foi determinante para o sucesso da narrativa visual adotada, que fazia amplo uso das cores para representar elementos da cultura brasileira ligados à fauna, flora, ofícios do mar e da terra, festas, costumes, crenças e manifestações religiosas”, diz.

É nessa categoria que está o painel encontrado no hospital soteropolitano. Foi a azulejaria com elementos da natureza e repletos de cores que passou a ornamentar residências e levar para esses ambientes composições capazes de trazer conexões diretas com as referências dos moradores ou frequentadores.

“É o caso dos murais que são inspirados no nome do prédio, da cidade ou na função do local. Assim, temos, no edifício Laranjeiras, um painel retratando o município sergipano de mesmo nome; na praça central de Valente, no sertão da Bahia, um painel remetendo ao cultivo do sisal, forte componente da economia da cidade. E, no Hospital Sagrada Família, o painel representativo desses personagens bíblicos do catolicismo”, diz Mello.

O mural, que serviu de decoração para a antiga recepção do hospital por décadas, foi coberto em 2015, por decisão de um interventor da Congregação, que veio de Portugal. O objetivo do revestimento de madeira era mudar a identidade visual da casa.

Na época em que o painel de madeira foi colocado sobre a representação do presépio, o hospital era de administração privada. Em 2020, a gestão passou a ser das Obras Sociais Irmã Dulce, que fez um convênio com a prefeitura de Salvador para planejar e operacionalizar o Hospital do Homem, que está previsto para iniciar as atividades em julho deste ano.Segundo a SMS, a ideia da atual gestão é conservar o painel no Hospital do Homem.

Para a superintendente das Obras Sociais Irmã Dulce, Maria Rita Pontes, a obra nas paredes do hospital, um espaço de cuidado com a vida humana, carrega uma simbologia forte. "É extremamente significativo encontrar, na parede do Hospital Sagrada Família, uma pintura do Nascimento de Cristo, o Filho de Deus, Criador da vida, seu dom mais precioso. São, como chamamos nas Osid, as 'dulcidências' que acontecem para reafirmar a nossa missão de cuidar, amar e servir os nossos pacientes. Até porque Santa Dulce viveu o Natal todos os dias, cuidando das vidas que por ela passaram e hoje continuam a passar por nós", reflete ela, que também é sobrinha de Santa Dulce dos Pobres.

*Com orientação da subeditora Fernanda Varela.