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Baiano foi campeão quatro anos após Thelma, a última participante negra a vencer o reality
Gilberto Barbosa
Publicado em 18 de abril de 2024 às 05:00
Primeiro homem preto vencedor de uma edição do Big Brother Brasil, Davi teve a sua trajetória marcada por tretas e perseguição dos outros participantes do reality. Pelo tratamento ao baiano durante os 100 dias em que ficou confinado, além de associações racistas feitas pelos seus colegas de programa, ele foi abraçado por pessoas negras de diversas partes do Brasil. A sua conquista foi bastante celebrada por quem o acompanhou durante os últimos meses.
“Essa não é apenas uma vitória pessoal do Davi, mas também do movimento negro nas redes sociais, que mostrou os motivos pelos quais ele pode e deve ser reconhecido. A sua inteligência emocional em lidar com o racismo e ainda se manter com a cabeça erguida, se impondo aos discursos praticados no programa, fazendo com que a gente denunciasse e produzisse audiência, engajamento e visibilidade para ele”, afirmou a pesquisadora Carla Akotirene.
“Estamos falando de um homem negro, de 21 anos, da periferia de Salvador e que enfrentou todas as adversidades de um histórico de vida onde as pessoas são impulsionadas para outros caminhos. Ele tinha tudo para não ser o homem que ele é. Um rapaz íntegro, trabalhador, inteligente, que jogou ao longo de toda a vida, construindo estratégias de sobrevivência diversas”, disse a professora Bárbara Carine.
Desde a edição de 2019, as tensões raciais dentro da casa mais vigiada do Brasil assumiram o protagonismo enquanto um dos temas centrais do reality. A vencedora daquele ano, a advogada Paula Von Sperling teve sua trajetória marcada por diversas falas racistas contra os participantes negros da casa, em especial o diretor de teatro Rodrigo França e a cantora Gabriela Hebling.
Nos anos seguintes, outros 36 participantes negros passaram pela casa. Entre diferentes passagens e dinâmicas no reality, alguns deles, como o ator Babu Santana, o professor João Luiz Pedrosa e a modelo Domitila Barros se envolveram em conflitos marcados pela tensão racial. Entre 2020 e 2023, a única pessoa negra a conseguir o prêmio máximo do programa foi a anestesista Thelma Assis.
“Não há uma boa receptividade de discursos ativistas no programa. A preferência é que as pessoas sofram as violências e há uma dinâmica para ver como elas reagem aos conflitos raciais. Thelma não fez nenhum discurso antirracista e ganhou, enquanto outros participantes mais engajados, como a Lumena, foram colocados em um lugar de palestrinha pelo público”, continuou Carla.
Para ela, a diferença dele para os outros participantes, está na maneira como ele se posicionava perante o preconceito que sofria no BBB.
“Embora fosse evidente, ele não falava que era alvo de racismo. Através da sua postura, ele sofisticou o nosso discurso aqui fora e fez com que a gente desse nome as coisas que estavam acontecendo na casa. Ele foi apenas um homem íntegro que não abaixou a cabeça, não se deslumbrou e nem foi atrás de gente famosa, se mantendo forte e demonstrando orgulho da sua trajetória. Isso criou simpatia nas pessoas”, continuou.
Entre os rivais de Davi na casa, estavam a cantora Wanessa Camargo e a modelo Yasmin Brunet, que foram acusadas em diversos momentos de reproduzir estereótipos racistas com o soteropolitano, enfatizando que ele seria um rapaz agressivo e que não merecia estar dentro da casa. Nas redes sociais, não era incomum ver comentários racistas feitos por quem não gostava do participante. Para a professora Bárbara Carine, essa perseguição é originada pelo fato de as pessoas não conseguirem enquadrar ele em uma caixa social.
“Ver uma pessoa com esse histórico de vida dentro de um programa de recorde de audiência nacional e que se coloca numa condição de paridade, de não abaixar a cabeça para ninguém gera uma pane no sistema interno da casa e no sistema social fora dela que não consegue colocar ele em um lugar que elas acreditam que ele pertence, de não olhar no seu olho e ter que se moldar para pertencer a esse mundo”, disse.
Uma das características que fizeram Davi conquistar o público era a maneira que ele falava sobre suas dores e seus sonhos, como o desejo de ser médico e de proporcionar uma vida melhor para a sua família. Seja “vendendo água na Lapa” ou “picolé no ônibus”, sua trajetória serve de espelho para aqueles que compartilham sua trajetória.
“Davi sai de uma quebrada de Salvador e ganha um mundo de um jeito gigantesco, muito destemido e isso é muito forte. Ele é uma figura histórica que passou as questões vinculadas ao programa, e foi para um lugar desse homem da favela de uma representatividade gigantesca para um exército de meninos que olham para ele como uma referência”, disse Bárbara.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro