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Millena Marques
Publicado em 14 de outubro de 2023 às 05:00
O economista baiano Sérgio Brachmans, 57 anos, estava a caminho de uma praia em Naharyia, no norte de Israel, onde costuma jogar vôlei com amigos brasileiros todos os sábados, quando recebeu mensagens sobre o ataque do Hamas à região sul do país. A partida do esporte foi cancelada e, desde então, o sentimento de medo toma conta do baiano e da filha, Sophia Brachmans, 18. O maior motivo do temor, sobretudo após o exército israelense ordenar a evacuação dos civis do norte da Faixa de Gaza na sexta-feira (13), atende pelo nome de Hezbollah. >
Nascido e criado em Salvador, Sérgio deixou a capital baiana há três anos e meio, com o objetivo de viver a religião longe de olhares discriminatórios e garantir a segurança das duas filhas – além de Sofhia, ele é pai de uma menina de 10 anos. “Para nós, judeus, Israel é o melhor lugar de viver sem discriminação”, afirmou, ao dizer ainda que, apesar dos intensos conflitos, a cidade onde vive não sofre com a criminalidade diária de grandes capitais do Brasil. >
A 10 quilômetros do Líbano, a cidade de Naharyia ainda é um ambiente seguro para os moradores, segundo Sérgio, que mantém a rotina normal de trabalho em uma fábrica de metais, em Shlomi, cidade vizinha. Devido à localização, os moradores de Naharyia não presenciam as movimentações do Hamas, mas sim do grupo libanês Hezbollah, que declarou estar pronto para entrar na guerra. >
Essa é a maior preocupação do economista. “Se isso acontecer, vamos ficar no meio do fogo cruzado. Quando minha filha fez 18 anos, fomos comemorar em um restaurante e vimos mísseis lançados pelo Hezbollah que foram destruídos pelo Domo de Ferro (sistema de defesa de Israel). É assustador”, relatou. >
Apesar da tensão diária por causa dos ataques, voltar para Salvador não é uma opção. Isso porque Sophia se apresentará ao Exército de Israel em poucos dias e deixá-la não é uma opção. "Não posso deixá-la nesse momento. Não faria isso. Em tempos normais, minha filha de 10 anos vai à escola sozinha e Sophia sai com os amigos e só volta de madrugada, mas a gente tem certeza que nada acontece, porque a cidade é segura", afirmou.>
Sophia afirmou que tem dias que não consegue dormir à noite, pensando em tudo que está acontecendo. No entanto, a ideia de servir ao exército israelense não assusta a jovem, que deve se apresentar no final do mês. “Meu maior medo é em relação à guerra em si, mas mantenho a esperança de que tudo vai melhorar até lá. [...] Eu fico pensando como as vítimas do ataque sofreram. A minha maior preocupação é acontecer aqui (no norte) o que aconteceu no sul do país”, afirmou, ao admitir um temor que vai se tornando real.>
De longe, o coração do irmão de Sérgio, Mauro Brachmans, 63, diretor da Sociedade Israelita da Bahia (SIB), também está apreensivo, principalmente pela possibilidade de entrada do Hezbollah no conflito. Na última quarta-feira, os familiares precisaram ir a um bunker, abrigo blindado utilizado para segurança durante ataques e bombardeios. Isso aconteceu por causa de uma suspeita de invasão de um drone no norte do país. >
Mauro Brachmans, presidente da SIB e irmão do economista baiano que vive em Israel, com quem fala todos os dias por telefone
Presidente da SIBUltimato do exército israelense na Faixa de Gaza eleva temperatura do conflito >
As cenas de correria e fuga em massa de moradores da Palestina ao longo da sexta-feira (13) simbolizaram o dia mais tenso no Oriente Médio desde o ataque aéreo e terrestre deflagrado pelos extremistas islâmicos do grupo Hamas contra Israel. Tratava-se do efeito provocado pela ordem do exército israelense para que todos os civis que residem ao norte da Faixa de Gaza se deslocassem para o sul em 24 horas.>
O ultimato reforçou os sinais de que Israel estaria preparado para invadir a Faixa de Gaza por terra, ofensiva que ficou mais clara na tarde de quinta-feira, quando as Forças de Defesa israelenses afirmaram ter cerca de 300 mil soldados posicionados na fronteira com o território palestino e prontos para invadi-lo a qualquer momento.>
“Estaremos prontos caso o governo democrático de Israel decida por essa ação”, disse o major Roni Kaplan, porta-voz dos reservistas das Forças de Defesa de Israel, durante entrevista coletiva ainda na tarde de quinta. De acordo com Kaplan, desde sábado haviam sido realizados ao menos 2.700 ataques à Faixa de Gaza, em pontos que concentram membros do Hamas. Contudo, lideranças palestinas e de organizações de direitos humanos garantiram que áreas civis também foram atingidas.>
Como era esperado, a ordem de evacuação gerou uma onda de pânico na área sob ameaça de invasão. Em entrevista à agência de notícias Associated Press, a porta-voz do movimento humanitário Crescente Vermelho na Cidade de Gaza, Nebal Farsakh, alertou sobre a impossibilidade de deslocar em segurança mais de um milhão de pessoas que vivem no norte do território de forma tão rápida, como exigiu o exército israelense. >
“O que acontecerá com nossos pacientes? Temos feridos, idosos e crianças que estão em hospitais”, afirmou a representante do movimento, ao informar que muitos médicos se recusaram a abandonar os hospitais e começaram a ligar para colegas de trabalho em tom de despedida. Porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, destacou que a organização considera impossível deslocar tamanho contingente, quase metade dos habitantes da Faixa de Gaza, sem provocar “consequências humanitárias devastadoras”.>
Reação e revolta em países árabes>
Logo após o ultimato de Israel, o Hamas, grupo que controla a Faixa de Gaza, conclamou os moradores civis do norte do território a desobedecerem a ordem e permanecerem em suas casas. A justifica para o pedido dos extremistas islâmicos é a de que se trata de uma tentativa dos israelenses de difundir e transmitir propaganda falsa, cujo objetivo seria disseminar pânico entre os palestinos e quebrar a coesão interna. “Pedimos aos nossos cidadãos que não se envolvam nessas tentativas”, informou o Hamas, em mensagem dirigida aos moradores da região.>
Em contrapartida, Israel disse que o grupo palestino está “se aproveitando dos moradores da Faixa de Gaza e levando o desastre a eles”. “A responsabilidade pelo que possa acontecer com aqueles que não evacuarem está nas mãos do Hamas”, disse o contra-almirante Daniel Hagarim, porta-voz militar de Tel Aviv.>
A ofensiva elevou o clima de revolta entre árabes e muçulmanos. No Iraque, dezenas de milhares de pessoas se reuniram no centro de Bagdá, onde queimaram bandeiras de Israel e dos Estados Unidos, tradicional aliado de Tel Aviv. No Irã, maior apoiador do Hamas, o próprio governo organizou protestos de caráter anti-israelense. Já no Líbano, o vice-chefe do grupo terrorista Hezbollah, Naim Qassem, discursou em um comício e garantiu estar pronto para se aliar aos palestinos na guerra.>
Na noite de sexta, o exército de Israel reconheceu que a evacuação pode demorar, em sinal de flexibilização do prazo. Entretanto, avisou que os bombardeios à Gaza e o bloqueio que impede entrada e saída do território, bem como as incursões na região, serão mantidos e intensificados. >
Com informações do Estadão Conteúdo e dos jornais Folha de São Paulo e O Globo>