Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Da Redação
Publicado em 2 de agosto de 2012 às 10:22
- Atualizado há 2 anos
Salvatore Carrozzosalvatore.carrozzo@redebahia.com.brO escritor, ensaísta e roteirista americano Gore Vidal sempre viveu de forma que muitos, no fundo, invejam. Rodeado de famosos, frequentou o jet set mundial com desenvoltura e classe. Tinha uma elegante casa na Itália, debruçada sobre o mar Mediterrâneo. Mas esse é só o simplista e mundano prólogo de uma existência fascinante com mais de seis décadas na mira dos holofotes.Nascido em 1925 no estado de Nova York, sempre achou a escola chata. Autodidata, preferia o fascínio do que acontecia do lado de fora, na vida que corria. Foi um crítico ferrenho dos rumos tomados pelos EUA no século XX, período do qual foi um dos maiores pensadores. Os petardos ficaram mais fortes nas duas gestões de George W. Bush (2001 a 2009). É autor de romances, ensaios, roteiros de cinema e teatro.Kennedy Por mais brilhante, espetacular e intensa que seja, a vida um dia se apaga. E o capítulo final, a cortina fechada, o último ponto de Gore Vidal foi dado terça-feira. O escritor morreu em casa, em Los Angeles, por volta das 18h45 (22h45 em Salvador). Vidal faleceu em decorrência de complicações de uma pneumonia. Ele vivia sozinho e estava doente “há algum tempo”, afirmou o sobrinho Burr Steers. Até o fechamento desta edição, não havia informações sobre o funeral.Primo de Al Gore, vice-presidente do país entre 1993 e 2001, e meio-irmão da ex-primeira-dama Jacqueline Kennedy Onassis (1929– 1994), Vidal nasceu em família poderosa. Tentou várias vezes se eleger para uma das cadeiras do Congresso americano – em 1982, quase conseguiu ao obter mais de 500 mil votos na Califórnia. Devido a seu olhar ferino, foi criticado por poderosos. Gay assumido, defendeu amplamente os direitos humanos.PolêmicaA morte de pessoas icônicas sempre deixa o mundo saudosista. Sua obra permanece, mas, de alguma forma, toda uma era vai embora. E se vivemos numa época politicamente correta, Gore Vidal representava justamente o contrário.O americano era mestre em criar controvérsias, por meio de declarações bombásticas ou pela escrita. Isso desde o primeiro romance, Williwaw, publicado em 1946. Ficou marcado por suas contundentes frases e influenciou comentaristas ao redor do mundo, como os brasileiros Paulo Francis (1930–1997) e Diogo Mainardi, 49 anos.Ao lado de nomes como Truman Capote (1924–1984), Vidal fez parte de geração de escritores literários considerados celebridades. Seus trabalhos incluem romances como Lincoln e Myra Breckenridge. Destaque ainda para A Cidade e o Pilar, romance que mostrava abertamente personagens gays. Em Messias, ironizou a religiosidade cega.Para os palcos, fez peças como The Best Man, que estreou na Brodway em 1960, alcançando grande sucesso. O trabalho recebeu duas indicações ao Tony, premiação máxima do teatro americano.Vidal gostava de beber e disse ter experimentado todo tipo de droga. Durante décadas, compartilhou uma vila em Ravello, na Itália, com seu companheiro Howard Austen (1929–2003). Bon vivant, o americano tinha em seu círculo de amizades o também escritor Tennessee Williams (1911–1983), o cineasta Orson Welles (1915–1985) e o cantor Frank Sinatra (1915–1998).Lado atorCrítico do militarismo americano, Vidal – ou melhor, Eugene Louis Vidal – nasceu, ironicamente, na academia militar de West Point, em Nova York, e cresceu numa família envolvida em política. Seu avô, Thomas Pryor, foi senador por Oklahoma. Seu pai, Gene Vidal, trabalhou por um curto período no governo de Franklin Roosevelt e era especialista em aviação.Durante a Segunda Guerra Mundial, Gore Vidal serviu na Marinha americana. Foi a bordo de um navio que escreveu o romance Williwaw. Logo depois do sucesso de estreia, se isolou. Entre 1947 e 1949, morou em Antigua, na Guatemala, onde escreveu Em um Bosque Amarelo, título que narra, justamente, as dificuldades de um ex-combatente de guerra de volta à vida civil.Quando tinha 25 anos, ele declarou já ter tido mais de mil encontros sexuais. Tal tempero certamente foi usado em seus roteiros de cinema. Um deles é o épico pornográfico Calígula, de 1979, dirigido pelo italiano Tinto Brass. Puro sexo e poesia.Fez ainda pequenas participações como ator em diversos filmes, como Roma, de 1972, do também italiano Federico Fellini (1920–1993). O cinema, para Vidal, era apenas uma forma de ganhar dinheiro rápido e fácil, como ele mesmo definia. Equilibrava o ‘bico’ com a literatura, sua grande paixão. Assim como Myron, ficção ambientada em Hollywood que conta a história de uma transexual que tenta equilibrar a própria dualidade entre homem e mulher.O últimoTransitando entre a ficção e o comentário social, entre os bastidores da política e do showbiz, entre a cultura pop americana e a clássica europeia, firmou-se como erudito e irreverente. Um pouco das memórias foi contado na autobiografia Palimpsesto, lançada em 1996. Disparava até contra amigos. Tennessee Williams detestava ler, afirmou, por exemplo.Provocador, Gore Vidal não tinha papas na língua. Após os ataques do 11 de setembro, quando a América de Bush se uniu contra a ‘grande ameaça externa’, disparou. “Manter as pessoas à sombra do medo é uma grande manipulação totalitária aprendida nas ditaduras europeias na década de 1930”, acusou. “No final de sua vida, Vidal se considerava o último representante de uma espécie e, sem dúvida, tinha razão”, enfatizou o jornal The New York Times no obituário sobre o autor. Eis o fim do crítico do império americano.>