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Tailane Muniz
Publicado em 29 de janeiro de 2019 às 05:30
- Atualizado há 2 anos
Uma decisão judicial assinada pela desembargadora Carmem Lúcia Santos Pinheiro, na última sexta-feira (25), garantia a permanência de dezenas de famílias em cerca de 400 barracos localizados no final de linha de Massaranduba, na Cidade Baixa, em Salvador. >
A ordem não impediu, no entanto, a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) de realizar a demolição dos imóveis, que reivindica em uma ação de reintegração de posse, na manhã desta segunda-feira (28). A ação contou com apoio da Polícia Militar, que usou bombas de gás lacrimogênio.>
O texto da decisão da Justiça, enviado ao CORREIO pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA), afirma que os barracos só poderiam ser demolidos caso houvesse, futuramente, uma nova decisão da desembargadora Camem Lúcia - que anteriormente havia acatado a reintegração de posse. >
"A decisão monocrática de 25 de janeiro de 2019 diz respeito a um recurso ingressado pela Defensoria Pública do Estado da Bahia, solicitando a nulidade de uma decisão também monocrática e anterior, da mesma desembargadora, quanto a reintegração de posse de um terreno pela Conder", diz o documento.>
E acrescenta: "A Defensoria alegou, entre outras coisas, que não houve intimação das decisões anteriores. Desta forma, a decisão determina que os representados pela Defensoria [moradores] não sejam despejados do terreno até uma futura deliberação pela relatora".>
O texto diz, ainda, que a decisão é parte de um dos desdobramentos acerca de um recurso relativo a uma decisão de primeiro grau, ingressado pela Conder no dia 4 de julho de 2018. A princípio, a desembargadora decidiu, monocraticamente, por indeferir o pedido da Companhia, segundo o TJ-BA.>
A pasta acrescentou que, "como a decisão foi liminar, ou seja, sem entrar no mérito, o agravo foi colocado na pauta da sessão de julgamento da 5ª Câmara Cível em 9 de outubro de 2018". Na ocasião, os demais desembargadores confirmaram a decisão pela não-reintegração por unanimidade.>
A partir daí, a Conder ingressou com novo recurso, alegando "omissão na decisão anterior" e solicitando a reforma do entendimento anterior. Em decisão monocrática proferida em 10 de dezembro de 2018, a relatora Carmem Lúcia acatou o recurso, determinado a reintegração de posse. >
O CORREIO enviou à Conder parte da decisão judicial que garantia a demolição e questionou, também, sobre a legalidade da reintegração.>
Por meio de nota, a companhia reafirmou o direito sobre as terras e disse que os moradores foram avisados, e tiveram um prazo de 15 dias para desocuparem os imóveis. A Conder não comentou, no entanto, a decisão da desembargadora Camem Lúcia.>
Instância superior Responsável da Defensoria Pública por acompanhar o processo, e representante legal dos moradores do local, o defensor público da Instância Superior Jânio Nery afirmou à reportagem que a Conder desobedeceu a decisão da desembargadora."A Defensoria interpôs um recurso e Carmem Lúcia voltou atrás na sexta-feira (25), quando caçou a decisão da reintegração. Ela atendeu aos nossos argumentos. Hoje [segunda, 28], às 6h, eles estavam lá com todo aparato policial. Essa reintegração não procede, foi feita a despeito da Justiça que a sustou", salientou.Jânio explicou ao CORREIO que o processo principal corre em 1º grau, sob o acompanhamento de um defensor de primeiro grau, mas reiterou que houve a necessidade, após impetração de recursos por parte da pasta, de ação da Instância Superior. >
"Eles [Conder] não vão ter resposta para isso, porque não há. Essa reintegração não tem como prosperar. Nós estamos aqui pela defesa de pessoas carentes, que não têm condições de pagar advogados, e que, principalmente, não estão ali porque querem, mas porque precisam".>
E completou: "Nós, da Defensoria Pública, não temos a informação de que houve uma invasão ou como se originou aquele assentamento. O fato é que se há algo ilegal, uma invasão de área pública, há meios de resolver e nós estamos aqui para isso, para promover a paz. Não é com spray de pimenta e bala de borracha".>
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'Não se faz nem com bicho' Uma das moradoras feridas pelos disparos da Polícia Militar foi a dona de casa Cláudia Oliveira Ferreira. Em contato com o CORREIO, já à noite, a mulher relatou os momentos de "desespero" que viveu, junto aos vizinhos, ao acompanhar os barracos caírem.>
Segundo ela, que encontrou abrigo na casa de uma prima, no bairro do Uruguai, também na Cidade Baixa, os moradores chegaram a mostrar a decisão impressa aos representantes da Conder, que, garante Cláudia, ignoraram o documento."Nem olharam pra gente. Simplesmente colocaram tudo no chão. Eu não vou esquecer desse dia, lembro que até o rapaz do trator chorou, disse que sentia muito, pois também é pobre e tem família. Mas ele nada pôde fazer, recebeu ordem dos PMs. O ferimento foi o de menos, foi de raspão, não doeu em mim quanto ver meu barraco no chão", lamentou.Cláudia relembra que, com o apelo da população, o motorista da retroescavadeira começou a chorar. Em seguida, desligou a máquina e desceu, caminhando no sentido de sair da comunidade. "Mas aí um homem todo de preto disse.pra.ele: 'volte, volte, você é louco de desacatar uma ordem judicial? Você está aqui pra isso'. E o motorista retornou e começou a derrubar os barracos", contou ao CORREIO outra moradora. >
Cláudia morava há um ano no local. Ao lado, morava também sua filha de 32 anos, e os netos, dois adolescentesnte de 13 e 16. "Ela é desempregada, assim como eu. Minha filha é vúva, foi pra casa da cunhada dela. A gente não morava ali porque queria, mas porque a gente precisava. Chegaram cedo, batendo, agredindo. O que fizeram com a gente, não se faz com bicho.", disse, com a voz embargada. >
Respostas Em documento enviado à reportagem, a Conder afirma a construção de novas unidades habitacionais no local sem informar, contudo, os prazos para que fiquem prontos.>
"Serão 29 edifícios multifamiliares, com 3 pavimentos (térreo mais dois andares), compostos por dois apartamentos por andar. Cada unidade terá sala, cozinha, 2 quartos e sanitário (43 metros quadrados de área construída)".>
Sobre o apoio aos despejados, disse que "disponibiliza caminhões para as famílias tirarem seus pertences do local irregularmente ocupado. Este apoio continua sendo oferecido agora, durante a retirada coercitiva, que é de responsabilidade da justiça".>
A dona de casa Cláudia Oliveira alegou que a Conder ofereceu um galpão, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana, para abrigar os móveis que dos moradores.>
"Disseram que a gente poderia dormir lá, mas que durante o dia a gente tinha que procurar alguma coisa pra fazer. Tá bom, a gente coloca as nossas coisas lá, e fica vagando? A gente faz como?", indagou a mulher.>