A agonia do Odorico: 'Tentaram matar a escola por inanição'

Além de problemas na infraestrutura, colégio passou por perda de turnos, turmas, alunos e funcionários

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 25 de janeiro de 2020 às 05:03

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO
Laboratório de Biologia por Foto: Divulgação/GOVBA

Há quase três anos, um desastre revelava o abandono. Quando o teto da quadra de esportes desabou, o Colégio Estadual Odorico Tavares, localizado no nobre Corredor da Vitória, deu os sinais mais aparentes da agonia que enfrentava porta adentro, em um processo de definhamento que começou há uma década. Primeiro, veio a perda de dois turnos. Depois, a redução de turmas e, consequentemente, do número de estudantes. Ano a ano, a unidade foi minguando, e tanto estudantes quanto funcionários culpam a Secretaria de Educação do Estado (SEC).

Ex-aluno do Odorico, Yan Santana, 20 anos, ocupou o colégio no início da semana junto com membros do movimento estudantil, na tentativa de evitar a morte completa da escola. Algo que, para Yan, ganhou velocidade com a queda da cobertura da quadra, impossibilitando a utilização do anfiteatro situado em volta. “Era o local onde fazíamos nossos projetos culturais, apresentações, reuniões para planos futuros do colégio”, lembra.

O espaço, inclusive, já serviu para ensaios do projeto Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia (Neojibá). De nada adiantaram os seguidos pedidos para reformar o que havia sido danificado e interditado pela SEC, sob alegação de falta de segurança. Mesmo assim, conta Yan, os alunos continuaram usando a quadra, mesmo descoberta.

As infiltrações também atingiram o teto do pavilhão de aulas e, por efeito direto, salas eram alagadas em dias de chuva. Pesar da redução de alunos, o fornecimento de materiais didáticos continuou limitado. Yan recorda que, em sua última aula de biologia no laboratório, haviam apenas três microscópios para 45 estudantes. No rastro do esvaziamento do Odorico, foi desativado o Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE), que capacitava professores da capital e da própria unidade. O colégio chegou a ter consultório dentário que atendia os estudantes, mas o serviço foi suspenso recentemente.

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‘Inanição’

Vice-presidente nacional da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Débora Nepomuceno, 20, diz que acompanha a situação do Odorico há pelo menos dois anos. “A escola está há muito tempo sem reforma. O desgaste aparente seria facilmente resolvido. Tentaram matar a escola por inanição, retirando turmas, funcionários, deixando funcionar no volume morto. Se ele fosse visto com um olhar mais atencioso, estaria vivo”, defende Débora, que liderou a ocupação.

Uma década antes, porém, o Odorico ainda pulsava. Em 2010, a unidade, que possui 30 salas de aula, precisou converter um espaço para reuniões em nova classe, a fim de dar conta do volume de estudantes. No ano passado, no entanto, dos 3,6 mil alunos que a escola comporta, menos de 10% estudavam lá. O movimento em defesa da instituição diz que a secretaria bloqueou as vagas.

Em relatos feitos por professores da unidade, que pediram anonimato com medo de retaliações, a queda na quantidade de alunos é atribuída ao fechamento dos turnos noturno, em 2010, e vespertino, em 2014, promovidos pela SEC. À época, dizem as fontes, a secretaria alegou necessidade de reordenamento da rede estadual de ensino.  

Extinções A extinção das aulas à noite e à tarde agravou ainda mais esvaziamento do colégio. “Quando se fecham turnos, mexe-se com a parte social, os laços estabelecidos, além da  questão econômica de quem precisa trabalhar para ajudar em casa. Essas pessoas foram obrigadas a sair da escola ou transferidas de turno, impedindo a livre escolha sobre onde e quando estudar”, acrescenta um dos professores ouvidos pelo CORREIO.

Com a baixa na quantidade de estudantes, caiu também o número de educadores. Em 2010, 71 docentes lecionavam no Odorico, segundo dados levantados pelas fontes a pedido da reportagem. No ano passado, quando a instituição foi fechada pelo governo, existiam apenas 18 professores na unidade para 308 alunos matriculados.

Entre 2017 e 2018, a implementação do ensino em tempo integral provocou outra baixa. Docentes dizem que a medida não foi discutida com a comunidade escolar e que os professores tiveram que criar seus próprios programas de disciplinas. Em 2019, os estudantes conseguiram o fim do tempo integral. Antes, os que trabalhavam no turno oposto pediram transferência.

Com um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) maior do que o do estado em 2018 - 3,4 ante 3,1 -, funcionários da instituição relatam que, nos tempos áureos, recebiam bilhetinhos de políticos solicitando vagas para pessoas. Em 2010, 55 servidores atuavam no Odorico em funções na secretaria, arquivo, biblioteca, limpeza, portaria, orientação disciplinar, segurança e merenda. Ano passado, caiu para 10.

Ex-estudante da unidade, Ana Beatriz Oliveira, 17, diz que dói ver o estado em que chegou a escola. “Quando eu saí de lá, só tinha um andar funcionando, tudo vazio. É uma coisa triste. O Odorico tem 25 anos de tradição, de luta estudantil, nunca é fácil estudar em escola pública. Ainda me pergunto por que isso aconteceu”, lamenta.   Em formato de L e cercado por prédios de luxo, o colégio tem acesso tanto pelo Vale do Canela quanto pelo Corredor da Vitória (Foto: Marcos Casé/CORREIO) Vende-se uma escola; governo fala em criar sete A ideia, segundo o governo do estado, é vender o imóvel para custear a construção de pelo menos sete escolas na capital. Em sua conta no Twitter, o governador Rui Costa (PT) disse que mais de 20 mil alunos em Salvador estudam em prédios alugados, sem infraestrutura adequada, e que as escolas do centro estão esvaziadas. Se o Odorico for leiloado, o valor vai, disse Rui, custear obras de colégios em Paripe, São Cristóvão, Sussuarana, Pau da Lima, Cabula, Vila Canária, Coutos e Imbuí.

O secretário estadual de Educação, Jerônimo Rodrigues, se pronunciou através de nota na semana passada. “Com os recursos que vamos adquirir com o Odorico teremos condições de oferecer unidades modernas com quadra coberta, campo society, laboratórios, refeitórios e biblioteca. Serão mais de 30 mil estudantes beneficiados, só em Salvador, não é justo fecharmos os olhos para a necessidade de qualificação das escolas”, justificou.

Ainda de acordo com o secretário, a decisão de interromper as atividades do Odorico Tavares deve permitir que os alunos possam estudar em seus próprios bairros, reduzindo despesas com transporte.

Quem foi o personagem que dá nome ao colégio Pernambucano, o jornalista Odorico Montenegro Tavares da Silva chegou a Salvador em 1942, a convite do lendário Assis Chateaubriand, o Chatô, para dirigir os veículos dos Diários Associados na Bahia, rede composta pelo jornal O Estado da Bahia, Rádio Sociedade e Diário de Notícias. Aqui, Odorico Tavares viveu durante quase 40 anos.

Ao longo desse período, o jornalista fundou, na década de 60, a primeira emissora de televisão do estado, a TV Itapoan. Em 1971, quando havia se tornado personalidade destacada, foi eleito para a Academia Baiana de Letras.

Também escritor, Odorico publicou diversos livros de poesia. Grande colecionador de arte, o jornalista montou, ao lado de Jorge Amado, a primeira exposição de arte moderna na Bahia. A trajetória de Odorico também é marcada por parcerias com artistas como Carybé e Pierre Verger. O jornalista viveu em Salvador até sua morte, em 1980.

Cronologia do colégio

11 de abril de 1994  Inaugurado pelo governador Antônio Carlos Magalhães para ser um colégio modelo, o Odorico Tavares nasceu para ser referência no ensino público, ao oferecer uma estrutura com laboratórios, anfiteatro e quadra de esportes

Melhores anos Era comum ver pais de alunos dormirem na fila para conseguir uma vaga. No auge, há 10 anos, o Odorico era um dos colégios mais cobiçados nos sorteios eletrônico de vagas feitos pela Secretaria Estadual de Educação

Fevereiro de 2015  Em uma reportagem publicada pelo CORREIO, o Odorico Tavares aparece na 7ª posição entre as 10 escolas mais bem avaliadas pelo Ministério da Educação na nota do Exame Nacional do Ensino Médio

22 de março de 2017  Após fortes chuvas que ocorreram em Salvador, a cobertura da quadra de esportes da unidade desabou. Nesta época, o Odorico já apresentava problemas com a falta de manutenção do prédio  Dezembro de 2019  O colégio, de capacidade para 3,6 mil alunos, é desativado, só com 308 matriculados