gil vicente tavares

A arte escondida da Bahia

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  • Da Redação

Publicado em 22 de maio de 2023 às 05:11

 - Atualizado há um ano

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Há poucos dias, compartilhei nas histórias de minha rede social um touro pintado por Zivé Giudice. Havia gostado bastante, e quis ampliar a visibilidade da obra de arte entre os meus. Horas depois, recebi uma mensagem de uma amiga, dizendo-se envergonhada por não conhecer a obra de Zivé. Eu prontamente lhe respondi que relaxasse, pois eu havia visto a capa do álbum de Marcelo Galter, tinha adorado a pintura, e perguntei a ele de quem se tratava. Senti-me o pior dos seres ao receber a resposta de que era um Genaro de Carvalho. Eu não tinha sido capaz de identificar a obra dele.

Prontamente, fui ao Google. E era só para onde eu poderia ter ido. Salvador padece de um mísero espaço público, que seja museu ou pinacoteca, onde possamos ter um acervo com grandes obras de nossos grandes artistas.

Como conhecermos, nos impressionarmos, termos orgulho e mostrar ao mundo a qualidade de nossos artistas se sequer temos acesso às obras? Onde levar seu filho, um turista, um apreciador de arte para conhecer a grandiosidade da obra de um Genaro de Carvalho, de um Sante Scaldaferri, um Calazans Neto, Mario Cravo, Eckenberger (que era argentino mas adotou Salvador)?

É preciso investir pesado na cultura. Na Arte. Pois é, investir em nossa identidade, em nossa sensibilidade, mas também numa economia criativa que potencializa turismo, comércio, e introduz um país de tantas riquezas culturais num mais digno mapa mundial. Basta vermos em que lugar estamos em rankings de países e cidades visitados. É desproporcional à qualidade do que produzimos há séculos.

O que boa parte das pessoas não entende é que investir em cultura é incentivar a economia, a educação, a formação. É atacar a violência. Tem sido tarefa árdua tirar da cabeça das pessoas, influenciadas por fake news e por um extremismo de direita, que incentivar a cultura é jogar dinheiro público fora para estimular perversão, drogas, e mamadores do erário. Seguirei repetitivo nesses temas porque não é possível que num Brasil de bilhões de incentivos fiscais para o agronegócio, em que farras com presentes milionários ao Estado sejam "incorporados ao acervo pessoal", rachadinhas, funcionários fantasmas, cartões corporativos pagando lanches e gasolinas, e tantos outros absurdos vilipendiando o erário, sejam os artistas os considerados mamadores, “gastadores inúteis de um dinheiro que poderia estar sendo investido em áreas estratégicas como educação”. E o mais engraçado é que todo mundo que chega com esse discurso, apoia políticos que sucateiam a educação, e aplaude cortes de verbas para pesquisa, para desenvolvimento de universidades e escolas técnicas e por aí vai.

A arte e a cultura promovem desenvolvimento econômico, como venho pontuando. Emprego e renda. Combate à desigualdade e redução da violência. Tudo isso não sou eu quem diz, são estudos e mais estudos. E o círculo se completa voltando à vaca fria.

Salvador tem bons museus. O Governo do Estado até teve uma boa iniciativa de criar uma rede deles para divulgação. Mas o que na maioria é algo louvável, por se tratarem de espaços que investem em exposições temporárias, dando um panorama bem diverso e rico, acaba sendo também um problema. Salas, espaços, museus, pinacotecas onde haja acervo fixo com artistas locais são uma ausência significativa para Salvador.

Falta espaço, deve faltar acervo, mas é papel das instâncias públicas correrem atrás de ações que sejam estruturantes para a cultura de uma cidade, de um estado. Investir em acervo, em espaços, como se faz em boa parte do mundo. Não citei Carybé porque ele foi cobaia dessas experiências recentes de museus com vídeos, projeções, interatividade, coisas que a mim se tornam desinteressantes porque boa parte delas eu poderia ver em casa, ou querer a experiência indo num museu tecnológico, e não para apreciar o traço, as cores, as formas, as texturas, as fases e suas nuances da obra pictórica e/ou escultural de um artista; o que penso ser a experiência realmente válida da ida a um museu (recentemente, inclusive, escrevi um artigo falando sobre minha experiência com uma obra de Schiele).

Como perguntei acima, onde podemos, a qualquer tempo, ter acesso aos grandes mestres das artes da Bahia? Nem falo da importante geração de Zivé, que, imagino toda viva ainda, tem material de primeira qualidade para um belo museu. Falo das gerações anteriores, os modernistas, os desbravadores e primeiros a criar uma obra sólida, referencial, e que poderia estar exposta de maneira continuada, fixa, na devida dimensão merecida. Entraria, assim, oficialmente em nosso circuito turístico e cultural, trazendo mais interesse dos locais, e de quem visita a cidade. 

Um dos primeiros lugares em todas as listas dos dez mais é sempre um museu, quando não dois, três das dez melhores coisas a se fazer numa cidade. E, geralmente, arrisco a dizer que na maioria das vezes são museus com boa parte de seu acervo fixo, e com ênfase nos mestres locais.

Salvador não tem isso.

E quem teve paciência de ler este artigo até o final, provavelmente vai pesquisar no Google imagens dos artistas que citei. Mas não terá a oportunidade única e especial de ver, ao vivo, seja um joelho de Schiele, ou touro de Zivé, ou uma natureza de Genaro; que, até hoje, quando vejo no Google me encanta, mas nunca pude ver pessoalmente.