Falta de tempo e habilidade na cozinha são tração para quem vende marmitas congeladas

Empreendedoras mudaram de profissão e investiram na venda de marmitas congeladas

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  • Nilson Marinho

Publicado em 20 de maio de 2024 às 09:08

De um lado, pessoas com rotinas desgastantes, sem tempo para pensar e produzir as refeições da semana ou sem nenhum jeito para a cozinha. De outro, mulheres com a habilidade para a culinária que carregavam o sonho de empreender. Desejo que repousava, enquanto a vida as conduzia para outros destinos.

Em um determinado e distintos momentos da vida dessas profissionais, no entanto, foi preciso parar, recalcular a rota e tomar outra direção. Seguir a placa que indicava o caminho da realização pessoal.

Paula Campos, administradora de formação, que já foi funcionária de uma instituição financeira, e Ana Karinne, nutricionista, e ex-colaboradora de um hospital, mudaram de carreira, cada qual com seus motivos. As duas, no entanto, tornarem-se donas de empresas que fornecem refeições congeladas.

O setor inclusive é tido como animador e apresentou bons números nos últimos anos, sobretudo durante o período da pandemia da Covid-19. Uma pesquisa realizada pela Kantar Worldpanel, empresa global em análise de consumo, mostrou que 61% das pessoas no Brasil consumiam todos os dias alimentos e refeições congeladas em 2023, um aumento de 21% em relação ao ano anterior.

“Temos, cada vez mais, pessoas com rotinas caóticas, mas que presam pela boa alimentação. Como elas não têm tempo para cozinhar porque sabemos que é um processo longo, que inclui ida ao mercado e a produção, acabam apostando em congelados. É um bom mercado que só tende a crescer ainda mais nos próximos anos”, opina Paulo Henrique Sousa, administrador e consultor de Mercado.

Sonho

Paula “brincava de cozinhar na infância”, tinha o aval avó, boa cozinheira, pessoa que diz ter sido sua inspiração. A garota cresceu, tornou-se adulta, casou e teve filhos. Levava uma rotina desgastante, de relógio de ponto em instituições financeiras e empresas privadas. Não tinha qualidade de vida, mas, sempre que podia, não perdia a oportunidade de cozinhar para sua família.

“Eu pensava: por que não desempenhar essa minha função que cumpro tão bem na empresa dos outros, no meu próprio negócio?”, relembrou.

Paula Campos, administradora de formação, que já foi funcionária de uma instituição financeira
Paula Campos, administradora de formação, que já foi funcionária de uma instituição financeira Crédito: Divulgação

Há seis anos, decidiu mudar. Veio então a ideia da produção de marmitas. No processo de pesquisa e de criação de marca, ela bateu o martelo: a marmitaria Paula Campos passaria longe de uma empresa de alimentos sofisticados.

O cardápio, pensou, seria de refeições simples, aquelas servidas no dia a dia, que tem como base a infalível combinação de ingredientes: cebola, alho e pimenta cominho. Os pratos deveriam causar nos clientes uma memória afetiva de casa de avó.

Para fechar a sua assinatura, toda marmita serviria duas pessoas “para que o momento especial da refeição não fosse vivido sozinho”. “A refeição é para compartilhar, conversar, nesse mundo tão corrido”, disse a empreendedora.

O negócio nasceu pequeno na cidade de Feira de Santana. A ajuda da sua família foi primordial. Da mãe, ganhou um freezer vertical; do sogro, quatro panelas grandes. “De mim veio a garra e a coragem para ir adiante”, disse.

No início, contratou algumas mulheres que divulgaram o pequeno negócio distribuindo panfletos sinaleiras de Feira. Também fechou parcerias com blogueiras da cidade, o que ajudou no engajamento.

Decidiu, portanto, que era hora de expandir seus negócios para a capital baiana. Assim, passou a impulsionar publicações do perfil da empresa no Instagram para público-alvo de Salvador. Aos poucos, os pedidos foram chegando e aumentando cada vez mais. Clientes de Lauro de Freitas também surgiram.

Hoje, em média, ela atende por semana até 40 pessoas, que pedem, cada uma delas, de cinco a dez porções. Nas quartas ou nas quintas pela manhã, Paula anuncia para sua clientela que seus pedidos estão encerrados. As porções, que chegam a 400 gramas, são vendidas por preços que variam entre R$ 33 a R$ 50.

Mesmo com muitos clientes para atender durante a semana, Paula diz que ganhou qualidade de vida o principal: mais tempo para ficar ao lado do filho, diagnosticado com Transtorno do Espectro do Autismo.

Mudança

A nutricionista Ana Karinne trabalhou durante 18 anos no Hospital das Clínicas, em Salvador. Ela sempre pensou em empreender, mas tirou isso do papel em 2016, quando algumas mudanças na unidade hospitalar serviram de tração para que ela pensasse em outras alternativas profissionais.

A empresa foi construída com a ajuda de outras quatro colegas, mas todas, após cerca de um ano de parceira, seguiram caminhos diferentes. No final das contas, Ana Karinne ficou responsável por tocar os negócios.

Quando o empreendimento foi criado, o mercado de refeição congeladas ainda era embrionário. Havia, portanto, pouca concorrência. Nenhuma na linha em que as amigas atuavam, como se arrisca a dizer a empreendedora.

“A ideia inicial da gente era oferecer aos clientes uma alimentação mais natural, sem usar muitos conservantes e produtos processados. Uma comida caseira e com esse cuidado, de não ter nada muito frito e que tivesse troca de ingredientes por outros mais naturais”, explicou a Ana Karinne.

Os primeiros clientes foram pessoas conhecidas e, com o passar do tempo, a divulgação boca a boca foi responsável por atrair mais pessoas para o negócio. Também chegaram os convites para que a empresa fosse responsáveis pelos coffee breaks de eventos, o serviu muito de vitrine.

A nutricionista Ana Karinne começou o négocio na companhia de amigas
A nutricionista Ana Karinne começou o négocio na companhia de amigas Crédito: Divulgação

Hoje, além de refeições, também são servidos doces, salgados e sopas. O pequeno negócio cresceu tanto que a nutricionista alugou uma casa especialmente para a produção das refeições, onde duas pessoas a ajudam.

O cardápio é pensado a cada dez dias. Durante esse período são produzidos, em média, 250 refeições. Sopas são 120, salgados 250 e 120 doces. O perfil dos seus clientes, diz Ana Karinne, são pessoas que buscam ter uma alimentação balanceada, mas que não têm tempo de planejar a rotina alimentar.

“Eu também tenho, por exemplo, muitas mães que compram para trocar os lanches da escola dos filhos, por uma alternativa mais saudável, que não é pronto e comprado no mercado. Tenho também clientes indicados por nutricionistas, que têm um plano alimentar”, conta a empreendedora.

“Esse é um mercado interessante, onde os empreendedores têm uma ótima margem de lucros, já que podem receber descontos se compram ingredientes em maior quantidade. Além disso, podem agregar lucro, se a produção for de excelência. O capital necessário para começar é baixo, se comparado a outros negócios”, comenta Carol Reis, administradora e consultora de inovação em negócios.