À deriva, amigos revezaram único colete salva-vidas enquanto esperavam resgate

Três pessoas foram levadas pela correnteza enquanto praticavam stand up na Barra

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  • Vanessa Brunt

Publicado em 11 de novembro de 2018 às 15:41

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Vanessa Brunt/CORREIO

Final de semana e pôr do sol no Porto da Barra parecem quase sinônimos para muitos soteropolitanos. Não foi diferente para Geraldo da Conceição, 42 anos, que, acompanhado dos amigos Rita Maria de Sales e André Vinícius - ambos na faixa dos 30 anos - chegou à praia às 16h30 deste sábado (10). O combinado era curtir o pôr do sol de uma maneira diferente: dentro do mar. O grupo alugou três pranchas de stand up, prática comum no local, e foi diretamente para a água. Mas, o que parecia um momento simples de diversão, acabou virando pesadelo. Mesmo sem aviso de mau tempo, ondas e ventos formaram uma mistura perigosa para os amigos, que foram levados pela correnteza. O trio desapareceu no Porto da Barra por volta das 17h do sábado. Rita e André só foram encontrados na manhã deste domingo (11), 18 horas após o acontecido. A Marinha informou que, às 10h48, duas pessoas foram localizadas por um catamarã que fazia a travessia Salvador-Morro de São Paulo. Já Geraldo da Conceição, 42, que era o mais experiente no esporte (praticante há anos), foi resgatado ainda ontem, a 14 quilômetros do local em que desapareceu, já próximo de Itaparica.  A experiência de Geraldo da Conceição salvou o trio de amigos (Foto: Vanessa Brunt/CORREIO) A EXPERIÊNCIA EM ALTO MAR À deriva, o trio de amigos cansou de tentar nadar contra a vazante. "Remar não adiantava mais e eu sabia que o ideal, nesses casos, é ir para o lado oposto à correnteza: nem mais para o fundo e nem contra ela", alertou Geraldo, um dos regastados, para o CORREIO. Rita Maria, que não tem costume de nadar, tentou manter a calma, mas estava cansando e com muito frio."Começamos a revezar o único colete que tínhamos em mãos. Se não tivéssemos um para nos esquentar e para ajudar a descansar um pouco as pernas, não sei como teria sido", contou a moça. "Falei para todos mantermos a calma, e isso foi o principal para que fícássemos vivos. Eles são iniciantes, então tentei acalmá-los ao máximo", disse Geraldo. "Falei para sentarmos em cima dos remos, para não os perdemos e ficarmos mais estáveis", pontuou.

Enquanto o grupo tentava transformar a agonia em calma, a Capitania dos Portos recebeu um chamado por volta das 18h deste sábado (10): um popular percebeu que o trio tinha sumido no mar. Logo após o alerta, um navio que estava de plantão foi enviado para as buscas. A Marinha entrou em contato com colônias de pescas, Corpo de Bombeiros e outras embarcações. "É um processo de coordenação de esforços", explicou o tenente Fernando Araújo.Navio Cinco horas após revezamentos de colete e formas diferentes de segurar as pranchas, o navio da capitania foi avistado pelo trio, que já estava distante da Barra. Foi então que eles resolveram nadar até a embarcação. A distância, porém, daria em torno de 1h de nado. André e Rita perceberam, antes mesmo de começar, que não teriam preparo físico para isso. Foi então que houve um combinado entre os amigos: Geraldo iria pedir o socorro, e eles ficariam aguardando."Os anos de ciclismo, remo e outras atividades físicas que fiz salvaram as nossas vidas", disse o mais experiente. Geraldo nadou incansavelmente até o navio, onde conseguiu chegar gritando por ajuda. Por volta das 22h59, ele foi resgatado, acudido e levado para o Hospital Naval, de onde foi liberado algumas horas depois. "Queria voltar pro mar pra buscar eles, mas não deixaram. Quando voltamos como navio, não os achamos mais. Foram levados pra longe com muita rapidez", conta o remador.Geraldo passou a ajudar nas buscas junto com a capitania. E, do outro lado da história, o casal de amigos enfrentava a incerteza, a fome, o frio e o cansaço pelas próximas 13 horas. "Tentamos manter a sanidade mental e pensar positivamente para isso. Sabíamos que ele (Geraldo) estava com pedido de ajuda feito e nos seguramos nisso", contou André. 

Na manhã deste domingo  (11), o casal que ainda estava desaparecido foi encontrado entre Cacha-Pregos e Araruna por um catamarã. "Pelos nossos cálculos, eles realmente estariam perto de Morro de São Paulo", disse Araújo.

O casal, achado com vida, chegou em Salvador recebendo suporte médico dentro do próprio navio de resgate, e passou mais de uma hora no soro antes de saírem para terra.

Famílias Dona Zelita Farias, 60, mãe de André, não sabia de nada do que estava acontecendo na noite deste sábado (10), mas não conseguia dormir. "Ele não foi dormir em casa e pensei: 'ah, coisa de jovem'. Acontece de vez em quando. Dei uma ligada para o celular, e nada. Senti algo estranho, mesmo tentando ficar tranquila, mas tentei dormir", disse a senhora."Quando amanheceu, às 7h, ele ainda não estava em casa. A minha família inteira começou a aparecer por lá e eu entrei em desespero. Eles não queriam contar nada por causa da minha pressão alta", relatou a mãe.  Foi às 7h30 que a mãe de André acabou descobrindo que o filho, que tem costume de ir ao Porto da Barra nos finais de semana, estava desaparecido em alto mar desde a tarde em que saiu. "Imaginava o meu filho bem, sentado na prancha. Mas, logo vinha também a imagem dele morto. Foi a pior sensação da minha vida", contou, em lágrimas, ao CORREIO, enquanto a irmã, tia do rapaz, ratificava: "Quase morremos todos de tanta apreensão".  Foi às 12h deste domingo (11) que a mãe reencontrou o filho no 2º Comando do Distrito Naval, para onde foi encaminhado com Rita, após serem medicados. "Que alívio, meu Deus!", gritava Zelita ao abraçar o filho. 

Quem deu todo o suporte para as famílias enquanto aguardavam foi o tenente Fernando Araújo, que disse para o CORREIO que não tem costume de receber casos semelhantes conectados ao stand up paddle. "Podem acontecer acidentes... mas nada que tenha vindo pra gente nesse nível", relatou. A canoa havaiana, porém, já teve mais de dois casos de desaparecimento registrados nos últimos quatro anos."Nunca sabemos o que vai acontecer, por isso é fundamental que, antes de sair de casa, quem vai fazer qualquer coisa assim no mar, avise a alguém que vai estar em terra. Avise a hora que pretende voltar e relembre que o número para solicitar buscas e resoluções de outros casos marítimos é 185", alertou o tenente.O aluguel de stand up ainda não tem uma regulamentação formal, já que o projeto de lei para definir instruções e afins está parado desde 2014. O tenente, portanto, pontua, ainda, que quem não tem o costume de praticar o esporte, fique mais perto do raso do que do fundo, principalmente caso esteja praticando à noite. "Fica mais fácil para receber ajuda, caso necessário", conclui.*Com orientação do chefe de reportagem Jorge Gauthier