A estilista das deusas: conheça Dete Lima, a responsável por vestir as Rainhas do Ilê

Nova Deusa do Ébano será escolhida neste sábado (8), na 41ª Noite da Beleza Negra

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  • Thais Borges

Publicado em 8 de fevereiro de 2020 às 05:50

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Quando criança, Dete Lima via a mãe, a ialorixá Hilda Jitolu, cuidar de vestimentas especiais. Mãe Hilda vestia os orixás no Terreiro Ilê Axé Jitolu, no Curuzu. Mesmo com a pouca idade, já tinha um objetivo. “Passava sempre pela minha cabeça o que eu podia fazer com o tecido no corpo e na cabeça de uma mulher negra”, conta ela.

Alguns anos mais tarde, o desejo se concretizou. Uma das fundadoras do Ilê Aiyê, Dete se tornou a responsável por vestir a Deusa do Ébano, a Rainha do Ilê. Desde a primeira, em 1976, até aquela que será escolhida neste sábado (8), quando ocorre a 41ª Noite da Beleza Negra, na Senzala do Barro Preto, também no Curuzu, na Liberdade, todas as deusas passaram por ela. 

Hoje, aos 67 anos, Dete é estilista do mais tradicional bloco afro do Brasil. Desde a fundação, também assina os figurinos dos associados. A assinatura, porém, é um tanto diferente de outros estilistas. Dete não trabalha com croquis ou desenhos. A criação vem da mente direto para o corpo das deusas – ou, ainda, para bonequinhas que servirão de molde para as rainhas em tamanho real.  

O caminho foi natural. Tinha feito curso de corte e costura na adolescência, “como as jovens daquela época”. Era ela quem fazia as mortalhas para o grupo da família sair no Carnaval. Era ela a responsável pelas fantasias de festa junina, no período de São João.  Estilista do Ilê, Dete cria o figurino da Deusa do Ébano no corpo dela (Foto: Marina Silva/CORREIO) “O Ilê surgiu dentro de minha casa. Foi natural eu assumir essa parte (figurino). Eu digo que todos os orixás e minha mãe Oxum que me deram essa oportunidade de exaltar a autoestima minha e de todas as mulheres negras”, afirma. Mais marcante Uma vez que o tema do Carnaval do bloco é escolhido, uma apostila vai para cantores e compositores que vão desenvolver a música, geralmente em setembro. O artista plástico Raimundo dos Santos, o Mundão, cria a estampa do tecido. E, por sua vez, Dete já começa a pensar nos figurinos. 

A inspiração, de acordo com ela, é espiritual, além da energia de cada uma das rainhas. “O primeiro ano de todos foi um tecido amarrado no corpo (da deusa). No começo, foi tudo muito acanhado. Hoje, especialmente no sábado de Carnaval, que é um dia mais pomposo, levo umas duas horas montando. É só o tecido aberto e vou criando ali”. 

É difícil escolher qual foi o momento mais especial. A cada ano, explica, tem uma experiência diferente. Mas, ao mesmo tempo, ela não tem dúvidas ao apontar o momento mais marcante: o Carnaval de 2010, o primeiro após a morte de Mãe Hilda, em setembro de 2009. “Se você estava arrumando a rainha, Mãe Hilda estava por perto. Ela era a primeira pessoa que via e que me dizia se tinha algo faltando. Dizia o que tinha de bom, de ruim. Ela está invisível hoje, mas sei que continua ali do lado”.Desde que começou, acostumou-se a escutar pedidos das candidatas ao posto de Deusa do Ébano: todas querem que ela faça o torso da cabeça. Ainda que não possa ajudar na arrumação de todas, querem, pelo menos, que a cabeça seja arrumada por Dete. 

“Muitas dizem que é como se estivessem realizando um sonho, porque esse torso é como uma coroa na nossa cabeça. Acho que fui a pessoa escolhida para desenvolver esse trabalho pela valorização, pela autoestima, pela beleza da mulher negra. Nós negras somos belas, mas, com essa transformação do torso, ficamos ainda mais deusas”, diz. 

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Sempre deusas Ao longo do ano, a Deusa do Ébano vencedora usa o figurino do Carnaval nos eventos em que representa o Ilê. As amarrações, porém, são sempre diferentes. No sábado, dia da saída do bloco, há muito mais tecido e detalhes. Nas outras ocasiões, é um pouco mais simples. 

Mesmo assim, Dete garante: o figurino continua lindo. Às vezes, usa só o tecido estampado; em outras, acrescenta um tecido liso com brilhos. Sempre há algo novo. Neste sábado (8), a Deusa do Ébano de 2019, Daniele Nobre, estará usando justamente o traje carnavalesco no momento em que passar o manto para a sucessora. 

Mas engana-se quem acha que, após o “mandato” oficial, a relação com entre as deusas e a estilista acaba. Pelo contrário: elas continuam participando das atividades ao lado de Dete – a quem muitas chamam de mãe. “A roupa fica aqui, mas elas continuam usando, porque continuam sendo as deusas do Ilê. É muito gratificante estar, a cada ano, criando o figurino para elas. É uma vida de pura emoção”.