A Fábrica de Talentos: como o Vitória virou uma potência da base?

Formação coincide com alavancada do Leão nos anos 90; veja 1º capítulo da série especial

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  • Vitor Villar

Publicado em 14 de maio de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arquivo CORREIO

Olhando os jogadores que compõem esta página dá para entender por que o Vitória deslanchou a partir dos anos 1990. A Fábrica de Talentos, como ficou conhecida a base rubro-negra, rendeu receitas e títulos inéditos a um clube que já era quase centenário.

Essa produção a partir da referida década não é à toa. O trabalho de base como hoje é conhecido – com profissionais voltados para captação, formação, fisiologia – só chegou ao Brasil nos anos 1990. O Vitória foi, portanto, um dos pioneiros no país.

“Antes dos anos 90, o trabalho de base no Brasil era pequeno. Tinham uns seis clubes que faziam algo organizado. Cruzeiro, Ponte Preta, Flamengo, Vasco, Matsubara-PR. Dos grandes paulistas, só o São Paulo”, cita o presidente daquela época, Paulo Carneiro, hoje de volta ao rubro-negro.

>> Hoje técnico, Rodrigo foi o primeiro garoto da Toca na Seleção>> Revelado num Ba-Vi, Nadson foi o último convocado pelo rubro-negro

O jornalista e pesquisador Paulo Leandro concorda: “A expressão ‘formado na base’ é dos anos 90, mesmo. Nos anos 70 e 80 havia o torneio de juniores, que faziam as preliminares dos jogos. Antes disso havia os aspirantes, jogadores que não iam para o time principal, mas que podiam aspirar por uma vaga”.

“Não havia a ideia de formação. Era muito na base do improviso a descoberta de jogadores, sem a necessidade de preparadores físicos, técnicos, fisioterapeutas”, completa o jornalista.“Sempre houve revelação no Vitória. Mas tudo acontecia de forma solta, quase espontânea”, diz Paulo Carneiro.

É dessa fase “espontânea” que surgiu a maior revelação até hoje, em 120 anos de Vitória: Bebeto, tetracampeão do mundo em 1994.A história de Bebeto reflete bem aquela época. Formado no futsal da Associação Atlética da Bahia (AAB) e nos “babas” do Colégio Central, chegou ao Vitória em 1981, aos 17 anos. Estreou no profissional no ano seguinte. Em 1983 foi campeão mundial júnior com a seleção brasileira e partiu para o Flamengo.

“O Vitória tinha àquela época um trabalho incipiente, tocado pelo professor Belisco (apelido do técnico Antonivaldo Campos), que era um herói, pois não recebia apoio nenhum do clube. Era no máximo uma ou duas categorias”, lembra Paulo Carneiro.

Efeito Newton Motta A formação só mudaria de patamar em 1991, ano em que o Vitória, assim como agora, caiu para a segunda divisão do Brasileiro e passava por dificuldades financeiras. O Leão tirou Newton Motta do Bahia. À frente da base tricolor, o diretor havia revelado jogadores como Zé Carlos e Charles, campeões brasileiros em 1988.

“Quando ele me convidou, eu vinha tendo alguns desentendimentos com Maracajá (então presidente do Bahia), que queria diminuir o número de atletas da base e reduzir o investimento. Paulo (Carneiro) pensava o contrário. Então decidi aceitar o convite. Cheguei no final de 1991 e ficamos lá até o final de 2002”, conta Motta.

Ainda sem dinheiro para investir em estrutura, as primeiras medidas de Motta foram melhorar o trabalho em campo e aumentar o nível de exigência dos garotos que lá estavam. “Nos tornamos um dos clubes que mais viajavam dentro do Brasil para disputar competições. A garotada fazia as preliminares diante da torcida"."Chamamos observadores da seleção brasileira e alguns jogadores começaram a ser convocados, como Dida (que foi para o Mundial sub-20 em 1993). Isso fez com que nossos jovens criassem personalidade”, completa Motta.Os primeiros sintomas puderam ser vistos em 1993, quando o Leão foi vice-campeão brasileiro diante do Palmeiras com um time repleto de garotos. Daquela equipe, o goleiro Dida, o volante Vampeta, o meia Paulo Isidoro e o atacante Alex Alves já estavam na Toca quando Motta chegou.

“Eram jogadores talentosos, mas que não tinham lastro de competições. Um ano depois da nossa chegada, eles já estavam mais exigidos pelo nível de treinamento e pelos torneios que fizeram. Então eu diria que demos uma força final para que eles brilhassem”, opina.

Entre os garotos, aquele time de 1993 tinha Rodrigo. O lateral-direito, que começou na base no Bahia, foi levado ao Vitória por Motta. Em 1995, ele se tornaria o primeiro jogador revelado pelo Leão a ser convocado para a seleção brasileira principal vestindo a camisa rubro-negra.Mas como era a Toca do Leão naqueles tempos? Só existiam dois campos: o do Barradão, onde o profissional era prioridade, e o “Perônio”, como é conhecido o campo de barro que fica no morro atrás do gol da concentração.Os três campos que hoje são vistos atrás do prédio administrativo, no lado oposto às arquibancadas do Barradão, só começaram a ser construídos em 1995, após a venda de Rodrigo e Ramon para o Bayer Leverkusen, da Alemanha.

“A gente tinha que viajar até Mata de São João ou Simões Filho para treinar em campos emprestados. Eram muitas dificuldades. Só depois de três anos é que foi lançado o centro de treinamentos. E não foram os três campos de vez, não. Foi um a um”, lembra Motta.Depois da geração de 1993, o crescimento da base foi exponencial. No ano seguinte, o Vitória venderia Paulo Isidoro e Alex Alves para o Palmeiras da Parmalat. No mesmo ano, Dida foi negociado com o Cruzeiro e Vampeta com o PSV.Aquela renda seria revestida para a própria base, que em 1994 lançaria o lateral-esquerdo Júnior, vendido em 1996 ao Palmeiras. Junto a Dida e Vampeta, ele formaria o trio de rubro-negros campeões do mundo pelo Brasil em 2002.

Mais revelações A base rubro-negra continuou forte mesmo após a saída de Motta, em 2002, e de Carneiro, em 2005. Em 2003, o Leão lançou o volante Dudu Cearense e o atacante Nadson, que chegariam naquele mesmo ano à seleção brasileira. O primeiro, convocado para a Copa das Confederações, e o segundo, à Copa Ouro. Assim, Nadson tornou-se o último jogador revelado na Toca a ser convocado com a camisa rubro-negra.

O atacante Hulk, lançado ao profissional em 2005, o zagueiro David Luiz, jogado “na fogueira” na Série C de 2006, e o zagueiro Gabriel Paulista, entre 2010 e 2013, fecham o trio de revelações rubro-negras que acabaram na Seleção – não com a camisa do Leão, mas de outros clubes. Os dois primeiros, inclusive, disputaram a Copa do Mundo de 2014, no Brasil.

Os campeões mundiais Bebeto estreou no time profissional do Vitória em 1982 (Arquivo Correio) BEBETO Descoberto nos babas do Colégio Central e no futsal da AAB, Bebeto chegou ao Leão em 1981, aos 17 anos. Craque desde cedo, mas muito magro, preocupava os treinadores da Toca do Leão, que buscaram um tratamento muscular. Estreou no profissional em 1982. Foi campeão do mundo de juniores em 1983, quando foi assediado por todo o país. Acabou no Flamengo, onde enfim ganhou corpo e brilhou. Retornou duas vezes ao Barradão, a mais badalada em 1997, campeão baiano e da Copa do Nordeste, e em 2000, já em baixa. Foi tetracampeão do mundo em 1994 fazendo dupla de ataque com Romário. Dida desbancou Ronaldo Passos e assumiu a titularidade do Vitória (Antenor Pereira/ Arquivo Correio) DIDA Talvez o maior nome da base rubro-negra depois de Bebeto. “Estava em Maceió quando um amigo me chamou pra ver Dida jogar pelo Cruzeiro de Arapiraca, um time amador de lá, que ia enfrentar o Comercial de Viçosa. Liguei para Hélio dos Anjos, nosso treinador, e mandei ele ir para Maceió observar também. Era um fenômeno. Contratei na hora. Quando chegou em Salvador, um observador da CBF o levou para a seleção sub-20 sem nem ter jogado pelo Vitória. Foi campeão mundial sub-20. Na volta do Mundial, colocou Ronaldo Passos no banco e foi vice-campeão brasileiro”, lembra Paulo Carneiro. Júnior foi vendido para o Palmeiras, da Parmalat, em 1996 (Antenor Pereira/ Arquivo Correio) JÚNIOR Outro que foi descoberto no futebol amador. “Trouxe ele de Santo Antônio de Jesus, indicado por um árbitro, William Cavalcante, que apitou seu jogo no Intermunicipal por Valença. Tinha 18 anos, em 1991. Trouxemos ele para cá, mudamos de posição porque lá ele era atacante, canhoto. Brilhou”, lembra Newton Motta. Júnior foi vendido para o Palmeiras, da Parmalat, em 1996. De lá, foi para o Parma em 2000. Ao lado de Dida e Vampeta formou o trio revelado no rubor-negro campeão da Copa do Mundo em 2002. Naquele Mundial, disputou uma partida e marcou gol, diante da Costa Rica. Vampeta foi promovido ao time principal do Leão em 1992 (Antenor Pereira/ Arquivo Correio) VAMPETA Natural de Nazaré das Farinhas, chegou em 1990, aos 16 anos. Foi promovido ao time principal em 1992, na campanha da segunda divisão, mas brilhou na Copa São Paulo, no início de 1993, chegando às semifinais, e foi alçado ao time vice brasileiro. No começo de 1994 foi vendido ao PSV depois de poucos jogos como titular. Brilhou com a camisa do Corinthians, bicampeão brasileiro em 1998 e 1999 e mundial em 2000, quando passou a ser convocado para a seleção brasileira. Retornou ao clube em 2004 com status de ídolo, mas sua passagem durou apenas seis meses.

OUTRAS REVELAÇÕES DE DESTAQUE:

FÁBIO COSTA Natural de Camaçari, chegou ao Vitória aos 15 anos, em 1992, quando deixou o Bahia junto a Newton Motta. Ganhou de vez a vaga como titular em 1999, quando foi semifinalista do Brasileirão. Passou por Santos, Corinthians e seleção brasileira.

RODRIGO Primeiro jogador a ser convocado para a Seleção enquanto jogava no Vitória, o ex-lateral direito foi vendido ao Bayer Leverkusen em 1995, e o dinheiro da venda viabilizou a construção de campos de treinamento na Toca do Leão. Titular no vice de 1993 e na campanha semifinalista de 1999, foi também campeão brasileiro pelo Corinthians em 1998. Hoje é técnico do time sub-17 do Vitória.

DAVID LUIZ Natural de Diadema (SP), chegou à Toca em 2001, aos 14 anos. Foi promovido em 2006, ano em que o time disputava a Série C. Foi comprado pelo Benfica e logo tornou-se um dos melhores zagueiros do mundo. Jogou a Copa do Mundo de 2014.

ALEX SILVA Outro que veio do interior paulista, em 2003, aos 18 anos. Foi promovido em 2004 e logo vendido ao Rennes-FRA em 2005. Foi bicampeão brasileiro em 2006 e 2007 com a camisa do São Paulo e da Copa América pela Seleção em 2007.

GABRIEL PAULISTA Mais um paulista que chegou à Toca em 2009, aos 18 anos. Foi promovido no ano seguinte, mas só se firmou na equipe em 2011, na Série B. Viveu sua melhor fase entre 2012 e 2013, quando foi vendido ao Villareal por R$ 10 milhões.

DUDU CEARENSE Descoberto por Motta em 1998, quando disputava a Copa Fagner de futebol amador no Ceará. Virou profissional em 2001 e em 2003 foi convocado pela seleção brasileira principal. Acabou vendido em 2004 para o Kashiwa Reysol-JAP.

PAULO ISIDORO Chegou ao Vitória em 1990, após ser aprovado num teste no campo do Perônio. Subiu ao profissional em 1993, ano da campanha do vice-campeonato. Foi vendido ao Palmeiras no ano seguinte, quando acabou campeão brasileiro.

ALEX ALVES Levado de Feira de Santana para o Vitória em 1992 pelo irmão, era considerado uma das maiores promessas da base e foi o destaque do time em 1993. Foi vendido em 1994 ao Palmeiras e tornou-se ídolo no Cruzeiro. Faleceu em 2012.

NADSON Último jogador a ser convocado para a seleção brasileira enquanto defendia um clube baiano. Foi em 2003, ano em que despontou com três gols em um Ba-Vi e quatro na goleada de 7x2 sobre o Palmeiras. Jogou a Copa Ouro, competição em que o Brasil utilizou time sub-23.

MARCELO MORENO Natural de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, chegou ao Vitória em 2004, aos 18 anos. Virou profissional em 2006, na Série C, e brilhou, sendo convocado para as seleções de base do Brasil. Adulto, decidiu defender a Bolívia, onde é ídolo.

HULK Natural de Campina Grande (PB), chegou ao Vitória em 2003, aos 17 anos. Como lateral esquerdo, pouco teve chances no time principal em 2004 e 2005. Brilhou no Japão, como atacante, para onde foi em definitivo. Jogou a Copa de 2014. Desde 2016, defende o Shanghai SIPG, da China.

ALECSANDRO Natural de Bauru (SP), chegou ao Leão aos 16 anos, em 1997. Subiu em 2001, mas só brilhou em 2005, na Série B. Venceu duas Libertadores por Internacional e Atlético-MG, uma Copa do Brasil pelo Vasco e um Brasileirão pelo Palmeiras.

PROGRAMAÇÃO DO ESPECIAL 120 ANOS:

Quarta-feira (15) - Quando bateu na trave – histórias das campanhas de 1993 e 2010Quinta-feira (16) - O artilheiro rubro-negro – a criação do estádio do barradãoSexta-feira (17) - O rei do Nordeste – os títulos regionais de 1997, 1999, 2003 e 2010Sábado (18) - Os ídolos - a seleção de todos os tempos em 120 anos de Vitória