'A iniciativa privada precisa fazer os investimentos em infraestrutura', diz especialista

Para Maurício Portugal, apesar de o volume de negócios na área ter aumentado de maneira significativa, ainda há bastante espaço para crescimento

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 23 de outubro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Ou o Brasil cria as condições para que a iniciativa privada faça os investimentos em infraestrutura, ou o país vai ficar sem as melhorias necessárias. “Não há muitas alternativas”, avisa o advogado baiano Maurício Portugal, considerado um dos grandes especialistas nesta área no país. Para ele, apesar de o volume de negócios na área ter aumentado de maneira significativa, ainda há bastante espaço para crescimento. “A gente tem uma demanda absurdamente maior do que o volume de projetos que estão sendo apresentados. Estamos investindo muito pouco tanto em aumento do estoque quanto em melhor qualidade da infraestrutura”, avalia nesta entrevista. 

Maurício Portugal é sócio do escritório Portugal Ribeiro Advogados, especializado na estruturação, nos aspectos regulatórios e no equilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessões comuns e PPPs. É professor da FGV e foi chefe do Departamento de Consultoria em Infraestrutura para o Brasil, no IFC – International Finance Corporation, instituição ligada ao Banco Mundial.

O Brasil aproveita bem o potencial que tem para concessões de infraestrutura?  Eu diria que está começando a aproveitar. Nos últimos anos, a partir de 2014, por conta da enorme crise fiscal e de não haver dinheiro para investimentos públicos em infraestrutura, os governadores e o Governo Federal, mais recentemente e de uma maneira mais intensa, o ministro Tarcísio (Gomes Freitas), da Infraestrutura, e Bento Albuquerque, de Minas e Energia, perceberam que não há muitas alternativas. Ou fazem os projetos por meio de concessões, ou não vão fazer. Por isso as coisas estão acontecendo. 

Por convicção ou pela necessidade?  Exatamente pela necessidade, não porque exista um enorme entusiasmo com o tema. Eu diria que estamos caminhando para o desenvolvimento de uma grande carteira de concessões porque esta é a única alternativa neste momento. O país não tem dinheiro para fazer investimentos públicos com recursos próprios.

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E como o país está neste processo?  O que Ministério da Infraestrutura contratou apenas neste governo em concessões representa 40 vezes o seu orçamento anual. A explicação para isso é bem simples. O ministro Tarcísio colocou na praça muitos projetos, principalmente se o comparamos com os seus antecessores, mas este número se explica também porque o orçamento público anual para fazer obras é pequeninho, em comparação com o que já tivemos no passado. 

Como o senhor avalia a infraestrutura do Brasil?  A gente tem uma demanda absurdamente maior do que o volume de projetos que estão sendo apresentados. Estamos investindo muito pouco tanto em aumento do estoque quanto em melhor qualidade da infraestrutura. Se você compara o Brasil com países que têm condições socioeconômicas similares às nossas, vemos que estamos muito atrás. Isso acontece porque estamos há muitos anos investindo pouco. Do ponto de vista de demanda, precisamos de uma quantidade maior e de mais qualidade. Nessa perspectiva, o mercado tem sede de infraestrutura. Eu citaria ainda a questão da regulação, que é uma área em que eu avalio nossa situação como muito ruim. E cito, por fim, o funding (financiamento). A gente não enfrenta um gargalo ainda nessa área financeira porque o país faz tão pouco que termina tendo recursos para isso. Mas o Brasil se tornou um párea internacional em vários aspectos, o que dificulta a atração de novos players. Os que já conhecem o país, entendem que este é um bom momento, em que o dólar elevado torna os projetos baratos para quem está lá fora. Quem não conhece tem muito medo, principalmente de nossa capacidade regulatória. 

Como o senhor avalia as condições que temos em termos de regulação?  Na grande maioria dos setores, nós temos legislações disponíveis que permitem fazer concessões e PPPs com eficiência. Sempre terá algo que possa ser melhorado. Em termos de regulação, aí está um ponto em que nós precisamos evoluir muito ainda. Várias agências são muito frágeis, não são independentes, não tem o preparo técnico adequado e muitas vezes estão submetidas aos tribunais de contas. Quando você fica dependente dos pareceres desses tribunais, cria-se um desafio maior. Os tribunais de contas hoje mandam nas agências, eles desfazem, refazem decisões.

Na realidade, as pressões vêm de todos os lados...  As pressões começam na indicação, que passa por um processo político. Mas eu acredito que há também um problema relacionado ao nível da remuneração. Quem tem expertise na área regulatória no setor privado vai ganhar muito melhor fora do governo. Então, não tem um incentivo. Esse cenário torna as agências interessantes apenas para quem já está no governo porque mantém a remuneração e ganham mais algum adicional para estar na agência. Dificilmente você verá pessoas com larga experiência de atuação no setor em que vão atuar como reguladores. 

Quando o Estado faz uma concessão, é fundamental que tenha a capacidade de fiscalizar, não é?  Veja o problema grave que pode se criar, o país está aumentando bastante a quantidade de projetos, mas não está cuidado de quem vai regular e fiscalizar esses projetos. Em algum momento, vai dar um problema. 

Como o senhor vê a intervenção de governantes em questões de valor das tarifas, previstos em contrato? Pra mim, populismo tarifário é quebra de contrato. E aí, geralmente temos dois culpados. Tem o poder concedente, na figura de prefeitos, governadores, etc, que prometem segurar reajuste. Mas é preciso lembrar do papel das agências reguladoras que, ao invés de se posicionar pelo cumprimento do contrato e exercer sua função, o que estão fazendo é empurrar questões com a barriga, com reequilíbrios. Não existe populismo tarifário sem essa conivência. Isso traz insegurança jurídica.

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