'A mãe lutando para viver e eu liberando o corpo do bebê', diz marido de baleada por PM

Família vai pedir ajuda à Defensoria Pública para fazer denúncia à Corregedoria da Polícia Militar

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  • Da Redação

Publicado em 20 de maio de 2021 às 12:22

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Baleada quando estava sentada na porta de casa no bairro de São Tomé de Paripe na última segunda-feira (17),  Jucilene de Santana Juriti, de 23 anos, permanece internada em coma induzido no Hospital do Subúrbio. Ela estava grávida de sete meses e acabou perdendo o bebê, após ter sido  atingida três vezes na barriga durante uma ação da Polícia Militar.  O corpo da criança será enterrado por volta das 14h desta quinta no Cemitério Municipal de Plataforma.  “Ela chegou aqui desmaiada e desde então está em coma induzido. Ela já passou por cirurgia, mas o estado de saúde dela continua grave. Fizeram uma bagaceira nela. Os tiros afetaram vários órgãos, como baço e o estômago. Ela perdeu um rim. Um dos tiros atingiu o cérebro da criança”, disse a mãe de Jucilene, Eliene Assis Santana, na manhã desta quinta-feira (20) no Hospital do Subúrbio.   Eliene disse que um boletim médico atualizando o estado de saúde da filha deve ser divulgado ainda no início desta tarde. “Os médicos disseram que daqui a pouco vão me chamar para falar como ela está. Mas a situação dela é muito preocupante”, lamentou a mãe, que preferiu não mais falar sobre o assunto.   Enquanto Eliene está acompanhando de perto o estado de saúde da filha, genro dela, o servente Ângelo Esquivel Oliveira, 24, cuidava da liberação do corpo do filho no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR). “É uma situação muito difícil para toda a família. Minha mulher lutando para sobreviver e eu tendo que liberar o corpo do nosso bebê. São duas dores fortes demais. A família está toda arrasada”, disse ele.  Ângelo disse que até hoje não entendeu o que de fato aconteceu naquela segunda. “Todos nós estamos chocados. Não conseguimos entender. Até agora ninguém da polícia veio nos procurar para dar uma satisfação. A família não se conforma. Nosso sentimento é de muita dor. Meu filho era muito esperado”, lamentou.  Jucilene estava grávida de 7 meses (Foto: Acervo Pessoal) O servente disse que pretende procurar a Defensoria Pública para então formalizar uma denúncia contra os policiais envolvidos no episódio na Corregedoria da Polícia Militar. “Nós não temos condições de arcar com um advogado. Apesar disso, queremos justiça”, declarou. 

Tiros Na segunda, Jucilene nem teve tempo de correr. Por volta das 16h30, ela foi atingida por três tiros, um deles na barriga, que atingiu o útero e matou seu bebê. A jovem sofreu lesões no rim, estômago e no baço, além de ter quebrado um braço.   Jucilene estava na porta de casa ao lado da sogra e de seus outros dois filhos, de 3 e 5 anos. O mais novo estava sentado no colo da mãe quando ocorreram os disparos. Ele não foi atingido por muito pouco, mas ficou sujo com o sangue da mãe. Mesmo baleada, Jucilene ainda encontrou forças para pegar os dois filhos no colo e levá-los para dentro de casa. Só depois ela caiu e pediu ajuda. O policial militar, que segundo testemunhas foi o autor de todos os disparos que atingiram a gestante, prestou os primeiros socorros e levou a vítima até o Hospital do Subúrbio. Ângelo disse que os policiais perseguiam um homem que se escondeu no beco onde estavam a mulher, a mãe e os filhos dele. Ele contou que os policiais viram que a rua estava cheia e mesmo assim efetuaram os disparos. Caseira O casal Ângelo e Jucilene é evangélico e tinha se casado há oito meses, apesar de já terem outros dois filhos. Essa terceira gravidez era planejada e muito aguardada por todos os familiares. Jucilene é conhecida por ser uma mulher tranquila, caseira e muito ligada à família. Durante a pandemia, ela evitava até sair para a casa da mãe por medo do coronavírus. "Estou desacreditada de tudo. Isso está se tornando banalidade. Eu entendo que a bandidagem está grande e que eles não recebem a polícia com flores. Mas os policiais precisam ter treinamento. Eles não podem sair atirando à esmo num bairro em plena luz do dia", desabafa a mãe da jovem, Eliene Assis de Santana, de 42 anos. Eliene tem problemas de hipertensão e ao chegar no hospital para visitar a filha, precisou ser atendida também pois passou mal. Ela chegou a conversar com o policial autor dos disparos e ele contou que também é pai e que está colocando a cara à tapa para tentar salvar a vida de Jucilene. Eliene cobrou alguma atitude do governador Rui Costa e o secretário de Segurança Ricardo Mandarino. "Quantas filhas, mães e crianças inocentes vão precisar morrer antes que alguém resolva esse problema? A gente vê acontecendo isso diariamente. Famílias sendo esfaceladas por conta de ações policiais", cobra.Protesto Por conta da ação, familiares, amigos e moradores da região realizaram um protesto na manhã desta terça-feira (18) cobrando justiça. O grupo fechou o trânsito da BA-528. Foto: Marina Silva / CORREIO Posicionamento da Polícia Militar Em nota, a Polícia Militar da Bahia informou que uma equipe da 19ª CIPM estava na Rua Adilson Ferreira, em Paripe, na tarde de segunda-feira (17), quando, de acordo com os policiais, se depararam com suspeitos que atiraram contra a guarnição. As testemunhas ouvidas pelo CORREIO, no entanto, negam que houve um confronto entre policiais e bandidos e que apenas as autoridades efetuaram disparos. A PM ainda informa que uma mulher grávida foi encontrada ferida e, em seguida, levada pelos policias para o Hospital do Subúrbio. A nota encerra dizendo que o caso será apurado pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), onde a ocorrência foi registrada. "A partir do resultado da perícia técnica, a PM adotará as medidas legais cabíveis", diz a corporação.