A moagem pela maré

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  • Nelson Cadena

Publicado em 13 de julho de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Tudo de inovador que foi tentado no primeiro vintênio do século XIX, em relação ao sistema de produção de açúcar, teve como cenários a Ilha de Itaparica e São Sebastião do Passé, embora o cultivo da cana-de-açúcar não estivesse tão disseminado nessas localidades quanto em Santo Amaro e Cachoeira, no Recôncavo. Uma dessas inovações foi apresentada há 200 anos, amadurecida ao longo do ano de 1818, por um cidadão português chamado José da Rocha Vasconcellos Montenegro, residente no Engenho Jacaranga.

Antes disso, em 14 de março de 1815, o coronel Pedro Antônio Cardoso inaugurara na Ilha a primeira máquina de moagem de cana a vapor, com o auxílio de um técnico inglês, Mr. Falkner; na ocasião, o engenho Ingá-Açú produziu cinco paes de açúcar (medida que correspondia a um cone semelhante ao formato do morro do Pão de Açúcar no Rio de Janeiro), na presença das autoridades convidadas para testemunhar o grande feito. A moagem por máquinas a vapor não correspondeu às expectativas em termos de redução de custos e foi com base nesse argumento, dentre outros, que o projeto de Montenegro se fundamentou.

Fazendo as contas, Montenegro explicava as vantagens de seu projeto sobre a moagem através de máquinas a vapor. Os dois sistemas prescindiam teoricamente da mão de obra escrava. O de Cardoso substituía a força motriz humana por uma máquina a vapor, e o de Montenegro por um sistema de bombas acionado pelo fluxo e refluxo da maré. Este, argumentava, porém, que a máquina a vapor na prática não poupara a mão de obra cativa, muito pelo contrário. Dizia ele que se não precisava dos escravos tangedores (os que lidavam com o gado e os cavalos), precisava de escravos lenhadores para cortar a lenha e de outro contingente para transportar a madeira cortada. As máquinas a vapor devoravam vários feixes de lenha por dia.

O sistema proposto por Montenegro consistia no aproveitamento do fluxo e refluxo da maré para acionar as rodas de moagem, portanto, utilitário apenas para os engenhos à beira-mar ou à beira-rio em pontos de encontro do rio com o mar. O sistema consistia basicamente numa traquitana composta por um tanque de madeira de “26 palmos de altura por 16 de quadrado”, semelhante no formato aos tanques de depósito de mel e junto com ele 12 bombas de bronze assentadas “na cabeça do eixo da roda da água” e um poço para receber a água salgada e “cujo recinto deve ser ladrilhado para a água não ficar grossa”. A água do poço era puxada para o reservatório e de lá acionadas as bombas para fazer girar a roda.

Montenegro publicou no jornal Idade D’Ouro um longo descritivo de seu sistema com um desenho ilustrativo provavelmente feito em xilogravura para melhor compreensão dos leitores. Ao longo dos 12 anos em que circulou o jornal (1811-1823), raras vezes a publicação fez uso de imagens. Foi uma excepcionalidade. Nessa matéria, o inventor salientava as vantagens financeiras de seu sistema para os proprietários de engenhos. Economizaria 8 escravos tangedores e mais os cavalos correspondentes e com isso 100 tarefas de terra que destinadas ao capim dos equinos poderiam ser utilizadas com outra cultura, melhorando a produção da fazenda. Fora isso, explicava, o investimento era pequeno e o custo de operação mínimo, dependendo mais das forças da natureza, o fluxo e refluxo da maré.

Pelo pouco que conhecemos da literatura histórica relativa ao tema, nenhum dos dois sistemas, o da máquina a vapor e o de bombas acionadas pelo fluxo e refluxo da maré, chegou a ser utilizado em uma escala mínima. A força motriz escrava continuou a prevalecer. Em todo caso, valeu a inventiva dos empreendedores que imaginaram que introduzir alta tecnologia em terra de “índios” daria certo.