'A polícia matou meu pai', diz filho de idoso atingido por tiro no peito

Manoel Marcelino, 69, foi atingido durante confronto entre PMs e bandidos no Engenho Velho da Federação

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  • Eduardo Dias

Publicado em 2 de outubro de 2019 às 15:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Eduardo Dias/CORREIO

O plano do filho caçula de Seu Manoel era passar o final de ano em uma casa de praia no Litoral Norte, junto com toda a família. Os planos foram por água abaixo nesta terça-feira (1º), quando ele descobriu que o pai foi morto por uma bala perdida no peito.

O aposentado Manoel Marcelino dos Santos, 69 anos, saía de um mercadinho no Engenho Velho da Federação quando foi atingido durante uma troca de tiros entre policiais e criminosos. Segundo o filho dele, que preferiu não se identificar, o idoso foi atingido pela polícia.“Meu pai foi morto pelos policiais e isso não pode passar em branco. A minha mãe estava do lado dele e não deu tempo deles correrem, saírem do local. Quando os bandidos passaram por eles, os policiais já chegaram atirando. A polícia não respeita ninguém no bairro, trata todo mundo como cachorro", desabafou o homem, que tem 38 anos e é personal trainer.Emocionado, o filho de Seu Manoel, que preferiu não se identificar por questão de segurança, conta que seu grande sonho era instalar uma piscina em casa para curtir os finais de semana do lado do pai. Com quatro cápsulas das balas que foram disparadas durante a operação nas mãos, que serão levadas para perícia no Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), o filho caçula do aposentado desabafou ao CORREIO, com a voz ainda embargada:

“Ele tinha orgulho de mim e fazia questão de me falar isso sempre que nos víamos. Hoje eu estou aqui tendo que vê-lo numa sala, com um tiro no peito. É de doer o coração. Ele deixou um legado que vou levar para sempre. Era um homem guerreiro, digno e forte, que nos passou muitos ensinamentos. Infelizmente, eu perdi meu pai, que não vai voltar mais”, lamentou. Filho mostra cápsulas das balas do tiroteio que matou o pai que foram recolhidas. (Foto: Eduardo Dias/CORREIO) Dor O dia começou doloroso para o personal. Logo pela manhã, ele foi ao Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR) para aguardar o processo de liberação do corpo do pai. Acompanhado de sete pessoas da família, todos vestindo preto, ele voltou a criticar a ação dos policiais.

“Sem palavras para a incompetência e a falta de preparo desses policiais. A polícia precisa analisar isso, pois as consequências são muito grandes, principalmente nos bairros periféricos”, contou.

Segundo o filho caçula, essa forma de atuação dos policiais é comum no bairro. Nos últimos dias, relata, as operações têm sido frequentes e sempre com bastante violência com os moradores.“Ultimamente tem sido assim, a polícia acha que todos que moram lá no bairro são bandidos e têm índole de malandro. Eles acham que podem chegar atirando num bairro popular e termina acontecendo isso. Eles têm que pagar por isso, meu pai não merecia morrer dessa forma”, bradou.

Em nota, a PM informou que a Corregedoria da Polícia Militar investiga, através de um Inquérito Policial Militar (IPM) instaurado, as circunstâncias da morte do idoso.

“Segundo o comando da 41ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/ Federação), o fato aconteceu quando policiais militares da unidade foram acionados pelo Cicom com a informação de disparos de arma de fogo na região. O relato da guarnição registrado na ocorrência aponta que, ao chegar à localidade de Lajinha, os PMs foram recebidos a tiros por um grupo armado. Houve revide e os indivíduos conseguiram fugir”, diz um trecho da nota. 

Ainda no documento, a PM diz que, após o ocorrido, quando os policiais faziam rondas na região, visualizaram um senhor ferido próximo a um mercado. "Imediatamente a guarnição socorreu a vítima para o Hospital Geral do Estado (HGE), onde o homem não resistiu aos ferimentos. Os policiais militares deram continuidade às rondas no bairro, mas ninguém foi preso".

Não houve comentários sobre a possível truculência nas ações realizadas no Engenho Velho da Federação.

A 1ª Delegacia de Homicídios (DH / Atlântico) investiga o caso. Em nota, a Polícia Civil informou que os policiais militares que estavam no local foram ouvidos no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e tiveram as armas apreendidas para serem submetidas a exames balísticos. Também no Departamento, os PMs apresentaram uma arma de fogo e um aparelho celular, que teriam sido deixados pelos criminosos.

Vida simples Seu Manoel morava em Salvador há cerca de 40 anos. Veio de Amargosa com a esposa, a dona de casa Antônia Santos, com quem era casado há 46. Juntos, tiveram um casal de filhos e têm dois netos, de 9 e 4 anos.

Durante muito tempo, ele trabalhou em frigoríficos da cidade, até se aposentar e viver apenas do benefício que recebia. Um dos principais passatempos do aposentado era curtir o final de semana com seus filhos no quintal de casa, onde planejava, ao lado do filho caçula, instalar a piscina. (Foto: Eduardo Dias/CORREIO) O idoso gostava de beber aos finais de semana com o caçula e dançar durante os encontros com os filhos e netos. “Ele cuidava de mim e de minha irmã até hoje. Nossos filhos eram os xodós dele. Sempre íamos na casa dele, todo final de semana. Fazíamos churrasco, tomávamos umas cervejas juntos”, lembrou o personal.

O velório e sepultamento do idoso foram realizados nesta quarta-feira (2), às 16h30, no Cemitério do Campo Santo, na Federação.

* Com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro