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Tailane Muniz
Publicado em 29 de outubro de 2019 às 13:12
- Atualizado há 2 anos
A busca por uma vida melhor trouxe a jovem Beatriz Santos Pereira, 21 anos, à capital baiana. Natural de Quijingue, no Norte do estado, Bia, como atendia à família, morava há sete anos em um prédio no Conjunto Parque Bosque das Bromélias, na Cia-Aeroporto, em Salvador.>
Faltou água em todo o condomínio na manhã desta segunda-feira (28). A jovem dona de casa foi até um tanque externo com um balde, assim como alguns outros vizinhos. Andou cerca de 15 metros para retornar e, já no térreo, foi surpreendida por disparos, segundo a família, feitos por policiais militares. >
Ela correu, fechou a porta, mas não conseguiu fugir. Baleada no peito, caiu quase morta aos pés do marido e da filha, uma bebê de dez meses. Um primo da vítima, que pediu para não ser identificado, conta que Bia já chegou morta ao Hospital Menandro de Farias, em Lauro de Freitas, para onde ajudou a dar socorro. Tiro atravessou porta (Foto: Betto Jr./CORREIO) Ao menos duas versões são conhecidas para as circunstâncias do assassinato de Beatriz. A PM diz que foi recebida a tiros por homens armados. Mas o primo garante que “a única história verdadeira” é a de que os policiais mataram Bia com um tiro “à queima-roupa”, e não em uma troca de tiros. Acreditavam que havia um suspeito no apartamento da família, relata.>
“O PM tentou abrir a porta, mas ela já tinha trancado. Aí ele atirou de frente”, afirma o primo. O autônomo não sabe se havia, de fato, um grupo suspeito no prédio, mas garante: "Bia só se preparava para tomar banho". "Como e por que eles podem agir assim? Entram, matam, e nem prestam socorro?", indaga, ao reiterar os militares não ajudaram a jovem, mesmo depois que a tia, também ferida, abriu a porta.>
'Justiça' A bala a que se refere atravessou a porta, atingiu a mãe da jovem, a dona de casa Maria Eledilva dos Santos, 47, até chegar ao peito de Beatriz e desesperar a todos dentro do imóvel. Maria, que foi socorrida também por familiares até o Hospital Geral do Estado (HGE), recebeu alta horas depois. >
Bia será sepultada nesta quarta-feira (30), às 10h, no Cemitério Municipal de Pirajá. Após a despedida, afirma os familiares, restará "continuar a luta em busca de justiça". Os primeiros passos foram dados. De acordo com o primo da vítima, a Corregedoria da PM foi procurada horas depois do crime. "Disseram que vão apurar. Nós vamos em busca disso". >
Abalada, uma outra tia da jovem, irmã da mãe de Beatriz, repreende a ação da polícia no bairro. Diz que é "comum que cheguem atirando". A ela, causam a impressão, afirma, de que "onde tem pobre, só tem bandido". E conclui: "São muito despreparados, nós temos mais medo deles do que de bandidos ". Beatriz deixou filha de dez meses (Foto: Reprodução/Acervo Familiar) Ônibus Após o crime, os ônibus deixaram de circular no bairro. Nesta terça-feira (29), moradores precisaram caminhar cerca de 2km até a parada de ônibus mais próxima, no Jardim das Margaridas. “Mais de 20 minutos até lá”, reclama uma moradora, sem se identificar. >
O presidente em exercício do Sindicato dos Rodoviários, Fábio Primo, informou ao CORREIO que, "por precaução", a categoria decidiu barrar a entrada dos coletivos. "O policiamento estava reforçado desde ontem, mas mesmo assim não nos sentimos seguros. A população estava muito revoltada pela morte da jovem", explica.>
As aulas foram suspensas na Escola Municipal Parque das Bromélias, relatam outros moradores. Ao circular na localidade, a reportagem notou a presença de apenas uma viatura, na entrada do bairro. Procurada, a corporação ainda não se manifestou sobre o policiamento neste dia seguinte ao ocorrido. Vítima recebeu tiro no peito (Foto: Betto Jr./CORREIO) A ação Em nota enviada ao CORREIO, ainda na tarde desta segunda, a Polícia Militar lamentou a morte de Beatriz. Disse que, para apurar o crime, vai instaurar um procedimento interno, o Feito Investigatório. "O Comando de Policiamento da Região Metropolitana de Salvador (RMS) já tomou as devidas providências”, diz o documento. A declaração comenta poucos detalhes da ação no Bosque das Bromélias.>
“Aconteceu depois que equipes de policiais que transitavam pela rodovia BA-526, no sentido Lauro de Freitas, e visualizaram um veículo branco, com quatro indivíduos em atitude suspeita".>
A reportagem teve acesso à ocorrência do caso. O documento registrado na Delegacia de Homicídios Atlântico (DH) indica que quatro PMs participaram da ação. Três soldados e um tenente. São eles Alexandro Ferreira Cerqueira, Alex da Conceição Santana, Carlos Antônio de Santana Santos e Evandro Antônio Mendes da Silva, respectivamente. Todos lotados nas Rondas Especiais (Rondesp) da RMS. Família estava em casa no momento do crime (Foto: Betto Jr./CORREIO) Na delegacia, os quatro relataram que estavam armados com um fuzil calibre 762, um carregador e três munições; duas submetralhadoras, dois carregadores e seis munições; além de uma CT Carabina, um tipo de arma longa.>
Na fuga, ainda segundo relatam os PMs, os suspeitos "dispensaram" duas armas: um revólver calibre 38, numeração 20.81188, com capacidade para seis munições - sendo seis cápsulas deflagradas; e uma pistola 9 mm, carregador com capacidade para 15 munições - sendo seis intactas. Ao todo, 27 porções de maconha e 41 pinos de cocaína também foram apresentadas pelos policiais. >
A ação que culminou com a morte de Beatriz se soma a outras abordagens da PM, que resultaram em mortos ou feridos. O CORREIO mostrou, em reportagem de junho de 2018, dados da Corregedoria Geral da Secretaria da Segurança Pública (SSP), referentes aos anos de 2016 e 2017.>
Os números dão conta de que nas polícias Civil e Militar da Bahia, acontecia ao menos uma exoneração de policial por semana. No mesmo período, 33 PMs foram expulsos da corporação após cometer crimes ou por desvios de conduta. >