'A sensação é mágica. Serei a deusa eterna do Ilê', diz vencedora de 2019

Reinado de Daniele Nobre termina neste sábado (8), quando a Deusa do Ébano de 2020 será escolhida

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  • Thais Borges

Publicado em 4 de fevereiro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Tiago Caldas/CORREIO

A noite do sábado de Carnaval de 2019 ainda está viva na memória da secretária Daniele Nobre, 33 anos. Era o dia da saída do Ilê Ayê. Mas mais do que isso: talvez tenha sido o primeiro dia em que sentiu, de forma mais intensa, o que significava ser a Deusa do Ébano daquele ano. “Não me esqueço da subida da Liberdade. Cada olhar, cada morador na janela dando tchau, soltando beijo. A sensação é mágica”, descreve. Quando viu a família, a emoção tomou conta. Não segurou as lágrimas – assim como quando foi escolhida. “Sou uma chorona. Chorei no título e sei que no dia 8 não será diferente. É um choro de felicidade, de realização”. 

É justamente no sábado (8), quando acontece a 41ª Noite da Beleza Negra, que o reinado de Daniele termina. Por 357 dias, ela foi a embaixadora do Ilê Ayê, desde que foi coroada, na noite de 16 de fevereiro do ano passado. O "mandato" da Deusa do Ébano varia anualmente, dependendo sempre de quando será o Carnaval.

No sábado, 15 candidatas concorrem ao título durante a festa na Senzala do Barro Preto, no Curuzu. As finalistas, escolhidas em janeiro dentre 126 inscritas, provavelmente vão ter que domar a ansiedade. 

Daniele sabe bem o que é isso. Mesmo antes de vencer o concurso, ela já o conhecia. No ano passado, sua história chamou atenção justamente pela força e pela persistência: antes de ser a Deusa do Ébano, havia tentado o título em outras oito oportunidades. Em 2018, chegou a desistir. Mas o apoio de uma amiga – que vencera o concurso em outra edição e se tornou sua preparadora – foi essencial para que decidisse tentar novamente. 

“Sou um tipo de pessoa muito calada. Minha oração foi interna, tentando me acalmar. Acho que minha experiência e maturidade no palco não me deixou muito nervosa. Isso prevaleceu bastante, porque você já entra com ousadia. É isso que eles estão esperando”, conta.

Ao longo do último ano, foram incontáveis eventos. No início, eram pelo menos dois ou três por mês. Desde agosto do ano passado, porém, a agenda se intensificou. Agora, tem eventos praticamente toda semana. 

Os trabalhos geralmente envolvem música e dança. Encarou viagens a São Paulo, eventos em escolas, palestras no mês da Consciência Negra. Em cada ocasião, falava sobre o Ilê e de como é a própria vida. 

Foi a rotina pessoal, inclusive, que talvez mais tenha mudado. De fato, talvez, no dia 16 de fevereiro de 2019, não imaginasse que era só o começo.  Formada em secretariado executivo, Daniele tem um brechó e organiza feiras de rua. Além disso, trabalha em uma empresa terceirizada que presta serviços à Secretaria Municipal de Saúde. A cada semana, ela está em uma unidade de saúde treinando os profissionais para usar softwares que alimentam os bancos de dados do Sistema Único de Saúde (SUS). “A visibilidade do meu brechó aumentou muito. As pessoas começaram a reconhecer a mudança interna na gente, porque o concurso é uma ação política e isso mexe com a nossa consciência”, diz. “Quando você entra em um concurso como a Deusa do Ébano, é importante ter consciência do seu povo, da história do seu povo. Não é só um concurso de beleza”. Essa semana, está trabalhando em postos de saúde do Cabula. Mas, a cada passagem, encontra alguém que a reconhece. O tratamento é outro. “Você é a Deusa do Ébano. Tem pessoas que conhecem, mas não sabem o que é. Elas perguntam e é bom porque você divulga a história do seu bloco, do Ilê”, completa. 

Enquanto a preparação para o concurso do ano passado aconteceu de maio a fevereiro, com intensos ensaios de dança, a desse ano é mais psicológica. É o momento de compreender que, de certa forma, o ano da deusa chegou ao fim. 

A roupa será a mesma que usou ao longo de todos os eventos em que representou o bloco afro. “Mas (ser deusa) é algo que a gente tem, é pessoal da gente. Não serei mais a deusa do ano, mas serei uma deusa eterna do Ilê. O que desejo para a próxima rainha é que ela seja tão resistente e persistente quanto a história do ilê,”, diz. 

A 41ª Noite da Beleza Negra será inspirada pelo tema do Carnaval de 2020 do Ilê Ayê - Botswana: Uma História de êxito no mundo. A Band’Aiyê será a anfitriã da festa.