A tradição do caruru: conheça a história do prato oferecido aos orixás

Em Salvador, restaurantes já oferecer o prato com receita vegana

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  • Da Redação

Publicado em 22 de setembro de 2018 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO
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O caruru, prato tradicional das festas de Cosme e Damião, celebradas no próximo dia 27 de setembro, tem muita história para contar. Aliás, sequer se resume somente a um prato, mas acumula ancestralidade e um contexto de celebrações. Especialista em alimentação e cultura, o professor da Escola de Nutrição da Ufba e pós-doutor pela Unesp, Vilson Caetano, afirma que o caruru veio mesmo da África e sofreu uma série de sincretismos com o passar tempo.

Ele aponta que os indígenas que viviam no Brasil já cozinhavam uma receita similar ao caruru africano, chamado “caruru de folhas”, que pode ser feito com taioba ou bredo-de-santo-antônio - esta última planta, aliás, também é conhecida como caruru.

Já as celebrações a Cosme e Damião começaram durante o período colonial e o sincretismo fez com que os santos católicos fossem venerados também entre o povo de santo, em referência aos orixás Ibejis, também conhecidos como erês ou orixás crianças.

Apesar do mesmo nome, há uma diferença entre o caruru aos Ibejis, no candomblé, e a comida baiana. “O caruru aos Ibejis reúne as comidas de todos os orixás, por isso, além do caruru, precisa ter vatapá, arroz branco, feijão preto, inhame, milho branco, acarajé, abará, cana, xinxim de galinha, banana frita e farofa de dendê. Como são erês, ou seja, crianças, tem que ter pipoca, rapadura e balas, de preferência de mel”, explica Angélica Moreira,  59 anos, ekedi do Ilê Axé Opó Afonjá.

Ela diz que as inovações na receita não representam uma ameaça, mas reconhece que a tradição está perdendo força. “Não vejo problema no caruru vegano ou em outras formas de preparo do alimento, mas é preciso lembrar que essas novidades não têm tradição, quem tem tradição é o candomblé e a forma tradicional de se fazer o caruru”, contou Angélica, que também é cozinheira. No mês passado ela foi responsável por preparar um caruru para 1,5 mil pessoas. 

Cada terreiro tem autonomia para elaborar a própria programação da festa aos Ibejis, que envolve comida e música e, na maioria das vezes, próximo ao dia 27 der setembro. A tradição manda também que sejam colocadas setes porções da comida dentro de uma bacia para que sete crianças se alimentem ao mesmo tempo. Daí o nome de ‘Caruru de Sete Meninos’ muito usada entre o povo de santo.

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Catolicismo Os católicos também celebram Cosme e Damião no próximo dia 27 e, para o padre Damião Pereira, da paróquia de São Cosme e Damião, na Liberdade, em Salvador, não há problema em comer o caruru, desde que se mantenha a pureza na fé nos santos.

“Eles foram condenados por pregarem a palavra de Cristo e falarem do amor de Nossa Senhor. Agora, diferente do que diz o candomblé, para o cristianismo eles não eram meninos, mas homens que viveram seguindo Jesus e fazendo o bem. Eles são mártires porque deram a vida pela fé, foram mortos por se recusarem a negar Cristo”, conta o padre.

segundo ele, no dia 27 a paróquia terá programação especial com missas às 6h, 7h, 8h30, 10h, 12h, 15h30 e procissão às 17h, com missa solene ao final. Católicos e fiéis do candomblé lotam o templo neste dia.

Mudança na tradição Por falar em fé, foi também por causa dela que o caruru de aniversário da feira das Sete Portas diminuiu. Com quase 80 anos, a Feira foi inaugurada justamente em um dia 27 de setembro e, é claro, teve muito caruru para comemorar. O pai de Amerina de Aguiar Rocha, a Dona Meri, de 87 anos, foi quem fundou o espaço. “Antigamente, todos os proprietários de lojas na feira se reuniam para fazer um caruru grande, que era distribuído para quem quisesse”, conta Dona Meri, que hoje administra o espaço.

Agora, Dona Meri explica que a tradição do caruru das Sete Portas anda bastante reduzida. “O que acontece hoje é que as coisas mudaram. Muitos donos de boxes aqui são evangélicos e não admitem que a festa de Cosme e Damião aconteça nas áreas comuns da feira. Então, o que antes reunia centenas de pessoas, hoje concentra algumas dezenas”, explica.

Atualmente, o caruru do lugar é feito para os funcionários de Dona Meri, no andar de cima da feira. “Mas, isso não significa que seja um evento fechado. Todos estão convidados a subir e, também, a comparecer na missa que fazemos todos os anos na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos”, diz.

Quando questionada sobre as mudanças na tradição do caruru, a exemplo da variação vegana, Dona Meri, com senso de humor, rebate: “Próximo ano, vou fazer feijoada, porque dá menos confusão”.

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier