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Da Redação
Publicado em 31 de outubro de 2022 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
No segundo turno desta eleição, a cabeleireira Roxana Pereira, 61 anos, chega ao seu oitavo pleito presidencial. Isso significa ter vivido todas as disputas ocorridas após a ditadura militar brasileira - de 1964 a 1985 - e a promulgação da Constituição Federal de 1988. No entanto, em nenhuma delas - desde 1989 - a eleitora compareceu à urna para votar. Não por integrar a lista facultativa, mas por opção.>
“Tenho vergonha de ter chegado na idade que tenho e nunca ter votado. Isso é frustrante, pois eu gostaria de um dia votar e dizer: ‘esse será o cara, vai fazer pelo menos 50% do que está prometendo’, mas só o que vemos é a esculhambação do país”, rejeita a eleitora. Ainda assim, o fato de Roxana nunca ter votado não significa que ela jamais demonstrou sua opinião eleitoral. >
Apta ao voto desde que o método era em cédulas de papel, ao invés de usar o documento para sinalizar o candidato que mais lhe agradava, optou - ao menos duas vezes - por registrar sua revolta contra os postulantes. "Eu escrevia palavrões no papel e inseria na urna. Pronto, meu voto estava dado. A raiva que eu tenho dos políticos sempre foi mais forte do que eu", conta a cabeleireira que não votou ontem, nem no dia 2 de outubro. Roxana não se orgulha de nunca ter ido votar, mas ainda não achou razão para participar de um pleito (Foto: arquivo pessoal) Na Bahia, outros três milhões de baianos aptos a votar não compareceram às urnas eletrônicas no primeiro turno desta eleição, segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA). O número corresponde a 27% dos 11 milhões de eleitores em situação regular no estado. Já o total de ausências no segundo turno ainda não havia sido divulgado pelo órgão até o fechamento desta matéria, às 14h de ontem (30). >
Apesar disso, a projeção do cientista político André Carvalho, é de que a ausência cresça em 1%. Isto porque o índice variou da mesma maneira em eleições anteriores. Ele ainda explica que o primeiro turno da eleição costuma ter mais adesão devido ao número de candidatos estimulando o eleitor a exercer o voto. >
Razão que para o fotógrafo Gabriel Nascimento, 32 anos, já não é suficiente para fazê-lo ir votar há três eleições, incluindo os dois turnos de 2022 - que ele também não compareceu. Sua decisão foi motivada pelos escândalos de corrupção revelados pelas investigações da operação Lava Jato que, a partir daí, nunca mais o fez deixar de ver condutas irregulares dos postulantes seguintes. >
"Parei de acreditar na política desde que votei três vezes no PT [Partido dos Trabalhadores], e vi que eles roubaram. Então eu desisti e parei de votar, porque eu vi que todo mundo que estava [no regime político] fazia a mesma coisa. Sem uma mudança no sistema, não chegaremos a lugar nenhum", afirma o fotógrafo. >
Descrença política Menor nível de escolaridade, pobreza, deslocamento até os locais de votação e proximidade de feriados são os principais fatores relacionados à ausência no pleito, de acordo com o sociólogo, pesquisador do Laboratório de Estudos do Poder e da Política da Universidade Federal de Sergipe (Lepp-ufs), Saulo Barbosa. >
Mas quando nenhuma destas questões estão em jogo, é a descrença na política e, em menor medida, a polarização, que aparecem como os propulsores da decisão de não votar. "Na medida em que a pessoa rejeita as duas opções [de candidatos], a polarização pode impedi-la de votar, mas também pode mobilizar ainda mais as bases que optaram por exercer o ato, a repeti-lo no turno seguinte", explica Saulo. >
Foi essa rejeição que manteve a relações públicas e executiva internacional de suporte ao cliente, Thaise Campos, 39 anos, em casa, ontem, enquanto a maioria dos baianos saía para votar. Por causa da falta de opção, essa é a segunda eleição presidencial em que a eleitora não registra uma predileção na urna eletrônica. Por não querer votar em nenhum dos candidatos a presidente, Thaise também desistiu de ir votar em um governador (Foto: arquivo pessoal) Além da escolha do novo presidente, a Bahia também teve disputa de segundo turno para governador. Em tese, como Saulo Barbosa também explica, a corrida ao governo do estado junto com a presidencial tende a estimular a ida do eleitor às urnas nessa fase. Por ter a escolha do candidato ao cargo regional bem definida, Thaise até cogitou ir votar nele, mas o desgosto pelos postulantes federais falou mais alto. >
"Eu não ajudei a eleger o senhor mau caráter que está como presidente [Jair Bolsonaro], e também não vou ajudar a tirá-lo, nem a colocar outro mais mau caráter [no lugar]. Como não vou sair para anular um voto, que já não conta de qualquer jeito, em casa fico”, afirma Thaise. >
Ausência O presidente da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB-Ba, Thiago Bianchi, alerta que, independentemente das predileções políticas dos eleitores, o exercício do voto é obrigatório e está limitado à escolha de um candidato ou à rejeição dos mesmos, através dos votos nulo ou branco. Caso a presença não seja registrada, o eleitorado é imposto a justificar a ausência.>
O descumprimento pode impedir desde a nomeação em concursos públicos a não emissão de documentos como o passaporte. Cientes disso, todos os eleitores ouvidos pelo CORREIO afirmam cumprir a determinação. E é o que também pretende o entregador por aplicativo Vitor Teixeira, 19 anos, já na sua primeira eleição presidencial obrigatória, por não se sentir representado por nenhum dos candidatos.>
“São todos iguais, pois, no final, nenhum deles se importa de verdade com a gente, e se engana quem pensa que nos cargos abaixo da presidência é diferente. Como não quero carregar o fardo de ajudar a eleger nenhum deles, não irei votar, e pretendo seguir assim até ver alguma mudança. E torço para que já seja possível ano que vem”, ansia Vitor. >
Só voto de novo se… Após 61 anos de torcida, para Roxana Pereira, quase não sobrou esperança de ver um cenário político "em que os candidatos tenham planos reais de governo e não sumam após a eleição", pois, até o momento, o desejo tem "parecido apenas uma utopia" para ela. Em consonância, Gabriel Nascimento tem suas condições para votar de novo, bem definidas.>
“Queria que acontecesse apenas duas coisas para melhorar tudo: que filhos de políticos estudassem em colégios públicos, e que os políticos e suas famílias tivessem que usar os hospitais públicos. Aí eu voltaria a acreditar na política”, sugere o eleitor. Já Thaise Campos, afirma depender de postulantes tecnicamente preparados para governar.>
“Não é partido, cor, bandeira ou marketing, são propostas, carreira política - mesmo que não necessariamente, pois temos alguns com carreira que são zeros a esquerda. Para presidente vai ter que fabricar um negócio bom, porque os que estão, não vão”, afirma.>
*Com a orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo>