Abraço simbólico no Palácio Rio Branco pede preservação do espaço

Evento aconteceu na manhã deste sábado (18) com participação de arquitetos contrários à criação de hotel no local; palácio foi residência de governadores até 1908

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  • Fernanda Santana

Publicado em 18 de maio de 2019 às 16:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Roberto Abreu

É como se o Palácio do Rio Branco tivesse sido a cabeça do Brasil. De lá, na primeira praça cívica do país e de frente para a Baía de Todos os Santos, saíam as decisões válidas para toda a colônia. Era a casa dos governadores e o principal ponto político do país. Neste sábado (18), um grupo abraçou simbolicamente o prédio pedindo de que a estrutura não seja transformada em hotel, como é de interesse de um grupo português.

O abraço simbólico reuniu, principalmente, arquitetos. Todos defendiam a preservação do prédio como o patrimônio público que sempre foi. O receio, como a contrução não é tombada, é de que a estrutura interna seja completamente modificada para adequar as necessidades de um hotel de luxo, caso a proposta siga. A presidente do Instituto de Arquitetos da Bahia, Solange Duarte, disse ter enviado, em abril, um ofício para cobrar uma resposta sobre o tombamento.

Desde 2015, o primeiro pedido circula pelos corredores do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC) sem nenhuma definição. Se tombado, os hoteleiros portugueses precisariam solicitar previamente a aprovação de qualquer modificação no interior do palácio. A compra ainda não foi finalizada. "Fizemos um segundo ofício perguntando porque não havia sido respondido. Mandamos também ao Nudepac [do Ministério Público] e ao Conselho de Cultura. Também pedimos ao Iphan e à Fundação Gregório de Matos", diz Solange.No interior do Palácio são mais de dois mil artefatos, escadarias com corrimão metálico, estátuas. Uma carga histórica e simbólica relembrada durante o abraço. A família real portuguesa se hospedou por duas vezes no local: em 1808 e em 1826. Em 1968, o edifício também recebeu a rainha Elizabeth II, da Inglaterra."Havia um consenso de que ninguém ia mexer. A gente achou que o governo nunca ia ceder ele.  A lógica se inverteu, pois a importância histórica não o protegeu", opinou Valdinei Nascimento, professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia.As primeiras especulações da venda do Palácio Rio Branco surgiram no mês de abril. Os representante do grupo Vila Galé confirmaram ao colunista Ronaldo Jacobina o interesse pelo prédio construído. A partir daí, seu destino passou a ser questionado. A poucos metros, dois prédios também foram transformados em hoteis: o Fera Palace, na Rua Chile, e o Fasano, na Praça Castro Alves, no antigo prédio do Jornal A Tarde. 

O caso do Rio Branco, no entanto, é diferente. É o que acredita Nivaldo Andrade, presidente da Direção Nacional do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). Como comparar um símbolo da história nacional com qualquer outro prédio? "Esse é especial, não é qualquer um. Ele é a extensão e adaptação do uie foi a primeira sede do governo. É inacreditável do ponto de vista histórico", contrapõe Nivaldo. O uso comercial seria privar os cidadãos do seu primeiro marco político e histórico.

Coluna Convergências: O Palácio Rio Branco deve virar hotel?

A espera

Desde 1998, o Palácio recebe exposições e sedia um memorial permanente dos governadores baianos. Neste sábado, quando retirava de um dos nove salões 25 telas de uma exposição contra a perseguição religiosa, Miguel Campos revoltou-se com a possibilidade. "A história se perderá toda? Vai mexer com esta casa?", questionou. 

A estrutura feita de taipa em 1549, quando da fundação de Salvador, e reerguida em 1919, após o bombardeio de 1912, sobreviveu às intempéries. Em 1887, por exemplo, ameaçou desabar depois de anos sem reparos. O grupo presente no abraço acredita se tratar de mais um período de resistência."O palácio foi a cabeça da cabeça do Brasil. O que chamamos atenção é impedir que ele perca o caráter público", opinou a arquiteta Lígia Larcher.O secretário estadual de Turismo adimitiu, anteriormente, interesse dos portugues no hotel. O presidente da  Federacão Baiana de Hospedagem e Alimentação (FeBHA), Silvio Pessoa, afirmou que, no trade turístico, o interesse não é propriamente num novo hotel. "Nós temos hoteis de excelência no centro histórico. Acho essa notícia do Rio Branco uma cortina de fumaça. Precisamos é de incentivos", falou, por telefone. 

Quem participou do abraço não vê cortina de fumaça, mas uma ameaça evidente. A história do palácio que começou como uma estrutura de barro cercada por um muro de taipa e foi transformada ao longo dos anos espera um desfecho. "Hoje, há uma cultura muito grande de pegar o patrimônio em algo privado", acredita Banidele Fasoyin, mestranda em Patrimônio Público pela Ufba. Por último, alguns arquitetos também abraçaram simbolicamente a estátua de Thomé de Souza e torceram por mais um ato de resistência na grande praça cívica brasileira. 

Linha do tempo do Palácio Rio Branco 

1549: Estrutura simples é primeira residência oficial que se tornaria o Palácio do Rio Branco;

1663: Reforma completa da estrutura;

1887: Falta de reparos ameaça ruir o Palácio e começam os reparos;

1912: Bombardeio destrói parte do Palácio;

1919: Reforma do prédio é finalizada; 

1979: Sede da governadoria é transferida para o Centro Administrativo da Bahia (CAB).

1998: Começa a receber exposições 

2019: Especulações de compra por um grupo hoteleiro português são confirmadas.

A Secretaria de Turismo do Estado emitiu nota sobre o evento. Leia:

Prédios públicos utilizados pela iniciativa privada manterão características históricas

Os prédios públicos do Centro Antigo de Salvador que serão utilizados por empresas da iniciativa privada, no modelo de Parceria Público-Privada (PPP), terão as características originais preservadas, como previsto no contrato de concessão que será estabelecido para o uso do imóvel. Também serão mantidos como patrimônio do povo baiano e, no caso do Palácio do Rio Branco, será mantida ainda a visitação pública gratuita, especialmente ao Memorial dos Governadores. Uma das cláusulas do contrato de cessão de uso do imóvel é o investimento na preservação.

"O Governo do Estado zela pelo nosso patrimônio. O que vai acontecer é que toda a estética e toda a fachada do Palácio do Rio Branco vai ser mantida, assim como a visitação pública e gratuita ao Memorial dos Governadores. A ideia é que o grupo que vencer a concessão possa conservar o palácio que tem uma história maravilhosa, desde 1549, e com acesso gratuito, coisas que a gente não vai abrir mão”, afirma o secretário estadual do Turismo, Fausto Franco. 

O secretário acrescenta que a preservação do Palácio do Rio Branco vai ser garantida com os recursos da concessão do imóvel a um hotel. “A gente está fazendo uma manifestação de interesse, não apenas para o Palácio do Rio Branco, mas também envolvendo outros imóveis de propriedade do Governo do Estado no Centro Antigo, para que sejam ocupados pela iniciativa privada e seja mantida a sua estética, a sua originalidade e, no caso do Palácio do Rio Branco, também a visitação aberta para a população e para os turistas". 

Franco destaca que esse modelo de gestão de prédios históricos não é novidade, sendo muito comum em países da Europa, como Portugal, Espanha, Itália e França. “Aqui nós temos um patrimônio belíssimo. Esse modelo de Parceria Público-Privado mantém a história, a acessibilidade e as características da fachada. Esses princípios todos serão mantidos nas estruturas que serão utilizadas pela iniciativa privada”.  

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier.