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Da Redação
Publicado em 3 de março de 2012 às 10:10
Leo Barsan e Florence [email protected] >
Diplomacia é uma palavra que não existe no vocabulário de Wallace de Oliveira Santos, o Ace, 22 anos. Em Saramandaia, localidade de Pernambués, o traficante governa a comunidade com mãos de ferro e seu nome mal pode ser pronunciado entre os moradores.>
Com Ace é assim: briga de vizinhos, nada de polícia; se roubar na área, ele mata; e se ele invocar com alguma coisa, mata também. “O negócio dele é matar”, assegura o investigador José Guerreiro, chefe do setor de investigações da 11ª Delegacia de Polícia (Tancredo Neves).>
Em Saramandaia, Ace é conhecido pela frieza com que mata seus desafetos e se impõe pelo medo>
Ao ditador, de acordo com a polícia, são atribuídos mais de 20 homicídios, além de tráfico de drogas e roubos. Esses dois últimos crimes já colocaram o bandido atrás das grades.>
A soberania do criminoso leva tanto medo à comunidade, que ele é definido como presidente de Saramandaia, embora ele mesmo se declare repositor de mercadorias. “A presidenta manda no Brasil, mas em Saramandaia quem manda é Ace”, diz uma moradora, implorando para não ter o nome divulgado.>
O mais recente ato criminoso do governo Ace, acredita a polícia, ocorreu domingo passado. De acordo com testemunhas, eram 19h quando Ace e mais seis comparsas invadiram a mercearia do comerciante Luis Carlos Ribeiro, 33, e o executaram com mais de 30 tiros.>
“A mercearia estava cheia. Eles (os criminosos) mandaram todo mundo se afastar, ficaram de frente para o comerciante e abriram fogo. Ninguém entendeu nada”, relata um morador, que também não quer ser identificado.>
De acordo com a polícia, Luis Carlos pode ter sido morto porque fez recarga no celular de um presidiário inimigo de Ace, a pedido de um cliente. “As informações que temos é que o comerciante era uma pessoa de bem e trabalhador”, comenta Guerreiro.>
Investigações O crime, porém, é investigado pelo delegado Vinícius Moor, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Ele preferiu não comentar o caso para não atrapalhar as investigações.>
Na terça-feira – dia do sepultamento do corpo de Luis Carlos –, conta a polícia, Ace e seus comparsas atacaram novamente a mercearia, além de arrombar a casa do comerciante, levando objetos. A mulher da vítima deixou a comunidade em um carro da polícia, temendo represálias.>
Desde então, Ace não foi mais visto na comunidade. À polícia, o criminoso informou a Rua da Horta como endereço oficial. Encontrá-lo na sede, porém, é improvável. “A gente sabe que ele não saiu de lá (de Saramandaia), mas cada dia dorme em um lugar diferente. A comunidade tem medo de denunciar”, ressalta Guerreiro, lembrando o número do Disque-Denúncia:3235-0000.>
HerançaAce não reina sozinho em Saramandaia. Ele é uma espécie de ministro da gestão do traficante Cosme da Paixão Lisboa, o Coe, 26 , preso em janeiro de 2010. O líder maior, diz a polícia, continua dando ordens aos comparsas, mas embora respeite o chefe, além de comandar a localidade, Ace não abre mão de matar. “Com Coe na comunidade, ele ainda respeita e não mata. Mas agora não tem ninguém que segure ele lá”, expõe um outro morador. E se Coe mandar matar, acrescenta ele, aí Ace cumpre a ordem com gosto.>
Pouco diplomático, Wallace extermina todos que lhe causam problema ou que o desagradam. “Se chamar ele de feio, ele mata. Se fizer algo que ele não gosta, ele mata. Se roubar aqui dentro, ele mata também. Só nos resta pedir a Deus para não cruzar o caminho dele”, diz assustada uma moradora.>
Em setembro, Wallace e um comparsa conhecido como Leno mataram Marcos Paulo de Jesus, na travessa Sergipana, e balearam Robson de Jesus na avenida Hilda, em Pernambués, a mando de Coe.>
TatuagensAs vítimas, segundo a polícia, eram comparsas de Coe, mas estariam roubando na área do tráfico de drogas. As marcas de Wallace não param por aí. Nas costas, braço direito e barriga, as tatuagens de palhaço, caveira, anjo, carpa e flores revelam os crimes e a personalidade do bandido. >
Os significados das tatuagens integram a Cartilha de Orientação Policial da Secretaria da Segurança Pública, elaborada por um tenente da Polícia Militar, autor de um estudo que já entrevistou mais de 15 mil detidos.>
No calo de Ace, há quem ainda queira compartilhar o poder. Grupos rivais da rua Minas Gerais, sob o comando de traficantes conhecidos como Ronaldo e Pita, e da Baixa do Manú, chefiada por Babalú, vivem em conflito por causa da disputa de pontos de tráfico.>
Preso, Coe também dá ordensO maioral de Saramandaia, o traficante Cosme da Paixão Lisboa, o Coe, 26 anos, está preso desde janeiro de 2010. Ele é apontado como o líder do 1º Comando da Saramandaia e continua dando ordens aos comparsas. Coe foi preso durante uma operação da 1ª Companhia Independente da Polícia Militar.>
Coe foi preso em janeiro de 2010 após fazer uma família refém>
Na época, o criminoso foi flagrado com uma sacola cheia de maconha e tentou fugir. O bandido invadiu uma casa e fez uma família refém. Para libertar as vítimas e se entregar à polícia, Coe exigiu a presença da imprensa. As negociações duraram três horas. >
Ele ainda reagiu com tiros e, além da droga, os policiais apreenderam duas pistolas. Na comunidade, há quem torça para que o poder no bairro retorne para as mãos do líder, considerado assistencialista. “Precisamos de Coe aqui na Saramandaia urgentemente. Quando faltava gás lá em casa, a gente pedia a ele”, diz um morador. “Sem Coe, a Saramandaia pega fogo. Wallace oprime os moradores”, lamenta outro.>
Logo após ele ser preso, chegou a circular no bairro um um abaixo-assinado para mostrar a vontade da população de que Coe deixasse a prisão. Tudo por medo da guerra pelo comando do tráfico.Violência já é rotina para comunidadeO medo já faz parte da rotina de quem vive em Saramandaia. A comunidade não tem a quem recorrer e está à mercê das leis do tráfico. “Wallace manda em tudo por aqui. Tráfico, comércio... Comanda a vida de todo mundo. A ordem é não chamar a polícia. Se tiver um problema para resolver, é ele quem toma a frente”, revela um morador. >
O temor que todos sentem fez um pai entregar praticamente de bandeja a filha aos desejos do traficante. Moradores relatam que quando viu que a filha estava se envolvendo com Wallace, um senhor chegou a tirá-la da comunidade. >
O traficante teria então ameaçado de morte o sogro se ele não a trouxesse de volta. Ele não teve escolha e a garota é a atual primeira- dama do bairro. Com o clima de terror instalado, a comunidade acha que o criminoso implacável está acima da lei. Ninguém acredita que alguém possa detê-lo.Bairro tem 80 mil moradores e é bem localizadoUma localidade com nome de novela. Em 1976, foi ar pela TV Globo a novela Saramandaia. Na tela, dois grupos brigavam por causa da mudança do nome do vilarejo baiano. De um lado, os tradicionais defendiam a conservação do nome original, Bole-Bole. De outro, os mudancistas alegavam sentir vergonha de dizer onde moravam. Lá, coisas estranhas aconteciam. >
Violência é um dos grandes problemas do bairro de Saramandaia>
Um dos exemplos emblemáticos disso é o caso de Dona Redonda, personagem interpretada pela atriz Wilza Carla, que comeu tanto a ponto de explodir. Tudo na ficção. A Saramandaia real, em Salvador, fica atrás do Detran e da rodoviária, perto de grandes shoppings. A localização permite aos moradores o acesso à praticamente toda a cidade, por meio do transporte público. >
Cerca de 80 mil pessoas moram na comunidade, considerada carente. O comércio reúne mercadinhos e lanchonetes, armarinhos e butiques, sorveterias. Lá, coisas estranhas também acontecem: moradores vivem sob o domínio de facções criminosas. >
Apesar da violência que aumenta na região, algumas entidades, como a Associação de Pais e Mestres de Saramandaia se mobilizar para ocupar os jovens do bairro.>