Afinal, quando teremos vacina para covid-19 na rede privada? Quais são as perspectivas?

Entenda quais são os requisitos que precisam ser cumpridos para haver venda do imunizante em clínicas

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 30 de janeiro de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: AFP

Alguém se arrisca a dizer quando teremos vacina para covid-19 disponível nas clínicas particulares do país?  Em janeiro desse ano, o debate ganhou força após se tornar público a negociação de associações para que houvesse a compra de doses para rede privada. Até o presidente Jair Bolsonaro se meteu na polêmica ao defender na última terça (26) a compra do imunizante por empresas para ajudar a economia.  

Mas afinal, quais são requisitos legais para que uma possível compra aconteça? E quando isso será possível? O CORREIO conversou com especialistas e instituições sobre o assunto para entender a corrida pela vacina para a covid-19 na rede privada do país. De todos os procurados, apenas uma pessoa arriscou fazer um exercício de previsão de quando a vacinação na rede privada poderia começar.     

“A princípio, eu diria que provavelmente não acontecerá em 2021, mas a gente já começa a ver um debate de que a partir de abril ou maio seja possível”, apontou o advogado Bruno Cerqueira, especialista em Direito Processual Civil e em Gestão Tributária, professor do curso de Direito da Rede UniFTC. Bruno aponta essa data baseado em quando, provavelmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deve liberar o registro regular de algum imunizante.  

Sim, até o momento, o Brasil tem apenas duas vacinas disponíveis, a Coronavac e a da AstraZeneca/Oxford, ambas aprovadas para uso emergencial. Nessas condições, elas não podem ser vendidas para a rede privada, segundo o advogado. É preciso, portanto, que uma empresa consiga primeiro o registro regular para só depois vender o imunizante. Esse processo é mais demorado, pois o registro definitivo precisa de mais dados e da finalização de todas as etapas de teste da vacina. “Por isso, conseguir o registro definitivo ainda em 2021 é diferente de tudo. Seria uma vitória, pois a gente de fato teria um registro de uma vacina e não apenas um registro emergencial, que tem caráter experimental. O registro definitivo dá mais segurança”, explicou Bruno Cerqueira.  Prioridade  Por enquanto, os fabricantes correm para conseguir esse registro definitivo, enquanto empresas e associações já iniciam as negociações para saírem à frente na vacinação pela rede privada do país. No entanto, a médica infectologista Ceuci Nunes, diretora-geral do Hospital Instituto Couto Maia (Icom), alerta que o cenário atual de escassez de vacinas requer precedência dos grupos prioritários.  

“Num cenário como esse, não faz sentido o governo deixar de comprar para o serviço privado comprar. A verdade é que o Brasil não está comprando vacina. A gente precisa garantir para os grupos essenciais. Caso contrário, não teremos para os outros”, explica Ceuci, que defende o início da vacinação na rede privada só após os grupos prioritários serem vacinados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Afinal, as clínicas privadas também fazem parte do Programa Nacional de Imunização”, completou.  

Por outro lado, se for levado em consideração a quantidade de pessoas que fazem parte do grupo prioritário - 77 milhões, segundo o cálculo do Ministério da Saúde -, é possível que haja uma demora para vacinar todas essas pessoas pelo SUS. Esse é um dos argumentos usados por aqueles que querem acelerar o início da vacinação na rede privada.  

“O problema é que quando começar na rede privada, problemas éticos, morais e econômicos vão emergir. Por exemplo, tem a questão da concorrência: setor público vai conseguir concorrer com o setor privado para ter acesso à vacina e oferecer à população?”, questiona o advogado, que prevê uma eminente judicialização do caso.   “Pode haver judicialização da questão em diversos aspectos. Se for estipulado que as clínicas têm que seguir a ordem prioritária, elas mesmo podem tentar na justiça conseguir uma liberdade maior para vacinar todas as pessoas. Por outro lado, se as empresas estiverem livres para aplicar em quem quiser, a sociedade civil pode criar ações para discutir isso. Não é ruim, pois as ações vão dar uma segurança jurídica. O ruim é a demora que essa segurança surge”, aponta Cerqueira.  Empresas  Dentre as possibilidades de compras de vacinas pela rede privada, a que foi levantada essa semana, inclusive com declarações do presidente Jair Bolsonaro, é a compra de 33 milhões de doses por um grupo de empresários que pretendem imunizar seus funcionários e acelerar a retomada econômica. Metade das doses, no entanto, seriam doadas ao SUS. Quem venderia as doses seria a AstraZeneca, que depois descartou essa possibilidade.  

A Associação Comercial da Bahia (ACB) acha interessante que empresas privadas importem vacinas para seus funcionários. Segundo o presidente da ACB, Mário Dantas, a medida ajuda na retomada econômica e na imunização acelerada da população. “O que vai fazer com a economia volte é absolutamente a vacinação, que vai gerar a imunidade de rebanho e fazer com que a vida volte ao normal. Quanto mais tiver vacinação é melhor”, explica.  

O próprio vice-presidente da ACB acompanha de perto essa situação, segundo Mário Dantas, para viabilizar, no momento certo, a compra pelos associados. “Hoje temos 800 empresas que fazem parte da ACB, mas nem todas vão querer a vacina. A ideia é que juntos possamos fazer uma compra conjunta das doses”, explicou.   

Em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) criticou uma possível compra de doses por empresas privadas. “Se a farmacêutica tem 33 milhões de doses disponíveis, por que o governo federal não se dispõe a comprá-las em sua totalidade e, com isso, providenciar a proteção para os que mais precisam? Todas as pessoas que residem no país têm direito ao acesso ao atendimento público de saúde. Permitir a vacinação de trabalhadores ligados a um grupo de empresas específicas é concorrer passivamente para a criação de categorias de brasileiros de primeira e de segunda classe”, afirmaram.  

Também em nota, Ricardo Alban, presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), disse que a vacinação é de responsabilidade do governo e que só após haver alguma deliberação para os empresários poderem participar da compra de vacinas é que será definido o papel da instituição. “Por enquanto, esta discussão não foi levantada, mas a indústria se coloca à disposição para apoiar o país na luta contra o vírus que tem ceifado tantas vidas”, diz. 

Já a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-BA) disse, em nota, que não tem interesse, neste momento, em adquirir doses para seus colaboradores. “Por enquanto, não vamos nos posicionar mais a fundo sobre essa questão, para não gerar discussões precipitadas e ir de contra às decisões oficiais”, explicam.  

Salvador   E nesse cenário, como fica a situação das clínicas de vacinação de Salvador? No início do ano, a Associação Brasileira das Clínicas de Vacina (ABCVAC) tornou pública as negociações com a farmacêutica indiana Bharat Biotech para fornecer o seu imunizante Covaxin à rede privada brasileira. Em nota, Geraldo Barbosa, presidente da ABCVAC, informou que as clínicas particulares poderão adquirir as doses assim que terminar o processo de registro definitivo da Covaxin no Brasil.  

Não foi divulgado um prazo para que isso aconteça, nem mesmo possíveis valores dessas doses que serão vendidas. Sobre a possível aquisição de doses da vacina contra a Covid19 por empresas privadas, como sugerido pelo governo Bolsonaro, a ABCVAC declarou que não faz parte dessa negociação e ressaltou que a legislação vigente permite apenas que estabelecimentos de saúde como clínicas de vacinação privadas, hospitais e farmácias possam realizar a vacinação humana.  

“Somos favoráveis a toda e qualquer possibilidade de aumentar o número de pessoas vacinadas no Brasil, desde que cumpridas as regras sanitárias vigentes e desde que o planejamento de vacinação no setor público não seja prejudicado”, disseram. O CORREIO solicitou uma entrevista com a associação e enviou perguntas sobre a sua atuação, mas não obteve resposta. Segundo a assessoria de comunicação da ABCVAC, cerca de 300 associados fazem parte do grupo, 40 destes tem sede na Bahia.  

Na época que essa negociação se tornou pública, Fábio Vilas-Boas, secretário da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), afirmou que a venda de vacinas pela rede privada pode gerar um genocídio dos mais pobres. “É um absurdo haver uma comercialização privada no Brasil. Nós vamos criar duas categorias de brasileiros: aqueles que têm o dinheiro para comprar a vacina disponível em clínica e os que não têm e vão ficar aguardando as vacinas chegarem para o Ministério da Saúde”, argumentou.  

O CORREIO entrou em contato com cinco clínicas privadas de Salvador e todas não quiseram gravar entrevista sobre como está a negociação para adquirir a vacina. Sem dizer seu nome, uma empresária do ramo, que disse não ser filiada a ABCVAC, revelou que não há perspectiva para vacinação por covid-19 nas clínicas privadas. “O que nós sabemos é o que passa nos jornais. Nenhum representante chegou para a gente para fornecer doses. Se não tem isso, não há negociação. Eu estou é preocupada mesmo com o início da vacinação da Influenza, que começa em março, mas pode ser atrapalhada pela vacina da covid-19", disse.  

* Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lobo.