Água de coco Obrigado demite 300 funcionários no Conde e 'pausa' fábrica

Empresa garante que não está fechando as portas e suspenderá produção por até seis meses

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 19 de novembro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: (Foto: Divulgação/Obrigado)

Quando correu a notícia da chegada de uma fábrica na cidade de Conde, no Litoral Norte baiano, os currículos choveram na porta. A população se animou, há cinco anos, ao saber das vagas de emprego para a produção e envase de água de coco da marca Obrigado. Na semana passada, um anúncio de demissão em massa pegou de surpresa cerca de 300 funcionários do grupo Aurantiaca, detentor da empresa, que tem 450 empregados.    Um ex-tratorista da empresa, que prefere não ter o nome divulgado, conta que houve uma reunião na fábrica para comunicar a decisão. O ex-empregado diz que a situação foi totalmente inesperada, já que havia sido promovido recentemente. “Foi um baque para todos”, lembra.“Foi bom o tempo que durou, nos tratavam bem, tinha plano de saúde. Aqui em Conde é difícil para trabalho. Só se trabalha no turismo ou na prefeitura, e essa era a única fábrica da cidade. Eu trabalhava na parte da fazenda e lá ficou um quadro bem reduzido, talvez umas 40 pessoas”, completa.A Obrigado possui duas fazendas na região de Conde, onde é feito o cultivo dos cocos. Juntas, elas somam quase 7 mil hectares com cerca de 400 mil coqueiros plantados. A baixa na empresa pode abalar o protagonismo da Bahia, que tem a maior produção do fruto do país, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2017, o estado representou 22% do mercado nacional, ficando a frente do Ceará (18%) e Sergipe (17%). Fazenda Bú, uma das unidades de colheita da Obrigado (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Perto das fazendas, a cerca de 25 km, fica a Frysk Industrial, fábrica que produz todos os produtos da marca. Na indústria, as atividades desenvolvidas pelos operários consistiam, basicamente, no envasamento, manutenção, tratamento da água de coco, administrativo, limpeza e logística. Já nas fazendas o trabalho concentra-se, sobretudo, na colheita do fruto. Em seu site, a Obrigado informa ainda que trabalha com outros produtos como água de coco saborizada com frutas, leite de coco e coco ralado. Fachada da Frysk Industrial, fábrica que envasa os produtos da marca Obrigado  (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Gente de fora “Essa história parou a cidade. Depois do anúncio do fechamento, já caiu o movimento no comércio. Tinha gente que vinha de fora para trabalhar aqui. Quem tinha aluguel de casa, vai desalugar”, conta outro ex-funcionário, que também prefere não se identificar.  Segundo ele, pessoas de municípios vizinhos, como Salvador, Feira de Santana, Alagoinhas e Esplanada, mudavam-se para Conde para trabalhar na fábrica.

A previsão do recém-demitido já é real. Dona de um restaurante num complexo chamado de Mercadão, a comerciante Suelen Melo já sentiu o impacto. Além de viver do rendimento do estabelecimento, ela também é dona de uma casa que estava alugada há um ano. A sua inquilina era funcionária da fábrica. Demitida, a moça arrumou as malas e retornou para Salvador no final da semana passada.  A comerciante Suelen, famosa no Mercadão, conta que, após ser demitida pela fábrica, sua inquilina encerrou o contrato da casa que alugava (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) "Olha, querendo ou não, é um baque para ela e para mim. Quando a gente aluga um imóvel e desaluga desse jeito é ruim, porque a gente faz um compromisso, fica contando com aquele dinheirinho”, diz Suelen.A mãe dela, Dona Amélia, também proprietária de um restaurante no Mercadão, observou queda no número de clientes já neste fim de semana. “Parece que o pessoal deu uma segurada, senti falta”, disse.

O CORREIO esteve na fábrica Frysk nesta segunda-feira (18) para checar se ela foi, de fato, desativada, mas ninguém quis conversar com a reportagem. O local não tinha aspecto de abandono e havia alguns poucos veículos estacionados.

Quem trabalhou lá, não reclama. O sentimento de tristeza pela demissão mistura-se com o de gratidão pelos tempos vividos. “Só tenho boas memórias. Graças a Deus, com aquele trabalho, comprei meu carro, conquistei coisas através dele, ajeitei a casa e os patrões sempre foram legais. Eu fiquei triste, ficar desempregado não é coisa boa”, relata mais um ex-funcionário da fazenda, que atuava na pulverização de defensivos agrícolas. 

Os trabalhadores não têm certeza sobre o amanhã. Eles dizem não se sentirem bem informados sobre o futuro da empresa, mas estão esperançosos, já que na reunião da demissão foi dito que havia um grupo interessado em investir na fábrica e que os empregados poderiam ser readmitidos. Por causa dessa possibilidade, eles preferiram não se identificar.

Outro lado Procurada, a direção da Obrigado nega que a fábrica tenha fechado e fala em pausa. De acordo com Adriano Meyer, diretor da marca, o mercado nacional não respondeu como esperado e não oferece mais resultados para manter o modelo de negócio. A empresa então optou por uma reestruturação e decidiu parar a unidade fabril durante os próximos três a seis meses. “Com essa reestruturação fizemos algumas mudanças e decidimos alterar o nosso foco para o mercado externo, vendendo os produtos para a Europa, Estados Unidos e Canadá. A nossa unidade fabril está se adaptando às regras do mercado exterior. Além disso, ao longo desse tempo de atividades, houve um desequilíbrio no fluxo de caixa e estamos precisando reequacionar”, justificou Meyer. Em comunicado no ano passado, a empresa esperava faturar R$ 90 milhões, um salto de R$ 30 milhões com relação à projeção de 2017. No balanço anual divulgado em janeiro deste ano, a empresa divulgou que produz 90 milhões de cocos por ano.

Ainda segundo o balanço, mais de 98% da mão de obra da empresa é formada por moradores da região. O diretor acrescenta ainda que, ao longo dos cinco anos de implantação, a Obrigado teve altos investimentos na capacitação dos seus empregados e que não faria sentido econômico contratar pessoas novas. “Eles estão sendo informados da possibilidade de recontratação quando a fábrica retomar as atividades”, concluiu.

Impacto das demissões preocupa Prefeitura do Conde A atividade de cultivo do coco representa, segundo informações da Prefeitura de Conde, mais de 20% da economia local. As demissões oficializadas na fábrica da Obrigado, foram recebidas com preocupação pela administração local. 

“O impacto é extremamente ruim para a economia do município.Por um lado, serão centenas de pessoas desempregadas, entre elas vários pais de família. Por outro lado, esse fato acontece em um período que o país passa por situação de desemprego altíssimo, e ainda no final de ano onde as gestões públicas estão preocupadas em fechar o orçamento do ano. A Prefeitura de Conde, está, sim, preocupada com o desemprego gerado e para dialogar com estes profissionais, para assim, juntos buscarmos uma solução”, disse, em nota, a prefeitura  local.    Questionada pelo CORREIO sobre o diálogo entre a administração municipal e a empresa, para buscar evitar as demissões na unidade, e assim não afetar a economia da cidade, a prefeitura sinalizou uma dificuldade na relação com a empresa. 

Diálogo “O atual gestor da cidade sempre esteve aberto para dialogar com os representantes da empresa Frysk, estes por seu lado se mantiveram fechados.  A verdade é que nestes quase três anos da atual gestão, a Frysk trocou várias vezes de direção, e cada uma que assumia, era mais fechada que a anterior”, afirma nota da prefeitura. 

Procurada, a empresa refutou qualquer bloqueio na comunicação  com o poder público e a comunidade local. “Temos normas de governança muito rígidas e nunca nos envolvemos em política de qualquer nível. Sempre tivemos total apoio e uma relação de ótima vizinhança com o município do Conde. Pretendemos continuar no município, inclusive reabrindo com maior capacidade”, comentou o diretor do grupo Adriano Meyer, que reafirmou que as demissões são apenas temporárias.SDE garante apoio para retomada da atividade na empresa O governo do estado, através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) afirmou estar a par do processo de reestruturação da  fábrica  do grupo Obrigado na Bahia. A pasta afirma, ainda, que o grupo terá todo apoio necessário para realizar o processo. 

“A empresa Frysk Industrial (Obrigado) contará com o apoio institucional que precisar para a retomada da atividade industrial na Bahia e assim voltar a gerar emprego para os baianos e baianas. A secretaria está acompanhando o processo de reestruturação comunicado pelo empreendimento. De acordo com a marca, era necessário uma parada estratégica para reposicionamento no mercado internacional, mas que a operação retomará em até 3 meses, recontratando os profissionais da região do Conde”, informou,  em nota, a SDE. 

O empreendimento industrial é incentivado pelo programa Desenvolve, do Governo do Estado, A SDE informou, ainda, que “medidas institucionais já estão em curso para também atrair novas empresas ao local e recompor os postos de trabalho”. 

A secretaria estadual  reforçou ainda que este ano assinou 98 protocolos de intenções, com previsão de investimentos de R$ 7,8 bilhões e estimativa de gerar 6,1 mil empregos diretos na Bahia. 

Sudene   Outro incentivo concedido à Frysk Industrial foi a aprovação da redução de 75% de redução em imposto de renda. A aprovação foi concedida pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) no último dia 30 de setembro. 

Segundo o órgão, o processo finalizado em  setembro apenas autoriza que a empresa solicite a redução à Receita Federal, que tem, ainda, 120 dias para se pronunciar. Só após esse prazo, e com a homologação da Receita é que a empresa passará a usufruir da redução. Ainda segundo a Sudene, o benefício foi solicitado sob a alegação de diversificação da linha de produção da empresa.

* Com orientação do subeditor Geraldo Bastos