Albinos e pessoas com hanseníase participam de almoço natalino solidário

Evento reúne histórias de superação de vida, expectativas, presentes e Papai Noel

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Santana
  • Fernanda Santana

Publicado em 24 de dezembro de 2018 às 17:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Sempre que perguntam a dona Adelma Pereira sobre o passado no extinto leprosário, em Águas Claras, a voz da senhora de 69 anos embarga. Dos meses na colônia de tratamento, as únicas lembranças boas são os almoços de Natal organizados por voluntários. "Ninguém queria chegar perto da gente. As vezes, nem um mês eu ficava em casa", emociona-se. Mesmo curada, ela decidiu continuar parte dos almoços, organizados há 29 anos pela Cidade da Luz. É como se os encontros de Natal fossem uma injeção de ânimo e coragem. Evento reuniu crianças e adultos na Cidade da Luz (Foto: Marina Silva/CORREIO) Os encontros mudaram de sede ao longo dos anos. Aconteceram em hospitais, nas ruas, asilos até, finalmente, chegarem à sede da Cidade da Luz, no bairro de Pituaçu. "Sempre fizemos esses eventos especiais. Mas às vezes fazíamos antes, dava a impressão que era só para gerar consciência. Os encontros têm que ser no dia do Natal", diz José Medrado, fundador e presidente da fundação. Crianças estavam animadas com a festa (Foto: Marina Silva/CORREIO) A reunião teve início às 10h desta segunda-feira (24). Os presentes para as crianças colocados no palco junto a cestas básicas e panetones. Os convidados do dia, 500 integrantes do Movimento de Reintegração das Pessoas com Hanseníase e da Associação das Pessoas com Albinismo da Bahia, devidamente servidos em mesas colocadas no auditório.  O anfritrião José Medrado recebeu albinos e pessoas com hanseníanse para o evento (Foto: Marina Silva/CORREIO) Mas, assim como dona Adelma, os convidados sentiam ter ganhado mais do que presentes. "Importante é que abram as portas para a gente. Estar aqui é um grande presente. Então, o que me derem está bom", afirma. Para quem as portas estiveram sempre fechadas, encontrá-las abertas é a grande lembrança. Quem também marcou presença foi Tio Paulinho, animando a garotada (Foto: Marina Silva/CORREIO) Antes do almoço servido e dos presentes das crianças, Maria das Dores, 54, relembrou o passado. Quando contou o diagnóstico de Hanseníase, o ex-marido passou a dormir na laje da casa. Separaram pouco tempos depois, há quase 20 anos."Estar aqui é muito bom, porque se sentir acolhido é muito bom. Quem está aqui já sofreu demais na vida. Da porta para dentro, não há preconceito", define Maria, que carrega as dores da vida no nome.Portas adentro, doações de voluntários possibilitaram a festa. As cestas de Natal, destinadas à comemoração de todas as famílias, foram recolhidas aos sábados de 2018, em supermercados de Salvador.

Arrumaram a casa para o aniversariante, não para a festa em si. "Hoje, não olham para quem importa, mas para a festa em si. Aqui, sabemos que as pessoas sofrem pela ignorância dos outros. Tem gente que acha que albinismo é contagioso, imagine", declara José Medrado. De um braço para outro, a pequena Ágata, 6 meses, circulava sem imaginar o significado de sua presença. (Foto: Marina Silva/CORREIO) Pequena da esperança Nos braços do irmão Alan, Ágata descia e subia conforme o comando de Tio Paulinho, animador voluntário a festa. Até hoje, a mais jovem integrante da associação de albinos lutou quase todos os outros dias pela vida. Os pigmentos não queriam colorir nem o sangue de Ágata. "Foi uma barra. Quase um mês internada. Mas eu vou estar ao lado dela sempre", lembra Walter Sampaio, pai da bebê. 

O primeiro Natal de Ágata é, para os pais e para a Associação, também uma vitória. Presente para Maria Helena Machado 51, recém formada em Serviço Social. "Ela é nosso mascotinho [Ágata]. Depois de tanto, estar aqui, presenciando tudo isso é muito bom", diz. Nem a visão prejudicada pelo albinismo a impede de ver. Seria um presente se, nem só nos almoços de Natal, todos se sentissem tão incluídos. José Augusto, 53, aposentado, comenta:"Você já viu um albino se formar? Conseguir um bom emprego? Primeiro que a gente nem enxerga direito. É difícil". (Foto: Marina Silva/CORREIO) A dificuldade ameniza em dias como hoje. Entre si, conseguem outros tipos de presente. Em Bonfim de Feira, Manoel Reis, 37, achou ser o único albino do mundo. O preconceito e a ausência de pessoas como ele não permitiam pensar o contrário. Em Salvador, conheceu a esposa Adilza Santos, 35. Juntos, não mais sentiram estar completamente sozinhos."Esse dia é bom porque dá muita visibilidade, né?! O que queremos é isso... sermos respeitados", afirma Adilza.Acabado o almoço de cada ano, já começam os projetos para recolher doações para o próximo ano. É necessário tempo para fazer a festa. "Não é fácil mesmo. Mas nunca pensamos em desistir não. No final, sabemos que existem muitas pessoas solidárias", acredita Cristiana Barude. Também é necessário tampo para que, no futuro, a inclusão não fique confinada entre as quatro paredes da Casa. Assim, o Natal poderá ser apenas mais uma entre as lembranças felizes.

*Com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro