'Ameaçava, dizia que ela tinha que deixar', diz mãe de aluna abusada por professor

Traumatizada, menina desenvolveu depressão e síndrome do pânico

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  • Bruno Wendel

Publicado em 25 de maio de 2021 às 19:08

- Atualizado há um ano

. Crédito: Paula Fróes/CORREIO

A mãe da adolescente que foi vítima de abusos sexuais praticados por um professor da Escola Adventista, em Paripe, falou da dor de ver que a inocência da sua filha foi violentada. A advogada Gizella Santos da Costa, 42 anos, contou que a menina, que hoje tem 14 anos, só conseguiu relatar o que estava acontecendo após passar por tratamentos psicológicos. O professor foi demitido da escola.

A menina teve depressão e síndrome de pânico, e às vezes precisa de medicamentos para lidar com o trauma. Só em dezembro, ela finalmente conseguiu expor o que estava passando.“São misturas de sentimentos que não tenho palavras para descrever. Você tem que ser forte para passar força para o seu filho, porque tem dias que ela está bem, tem dia que ela está desmoronando, querendo morrer. Tenho que ser forte todos os dias, porque se você desabar, seu filho desaba também”, disse Gizella. Ela conta que os abusos aconteciam durante os intervalos, quando os alunos estavam mais dispersos. “Ele fazia isso corredores, em locais mais afastados. Ele passava a mãos nos seios dela. Os abusos eram tão constantes, que ela escondia os seios enrolando com ataduras para que ele não a tocasse. Passou a usar diariamente roupas compridas, mesmo no verão, afim de evitar outros abusos, mas nada adiantava. Ela a ameaçava perder a bolsa de estudos”, contou Gizella. 

Segundo a mãe da ex-aluna, a violência sexual não fica restrita a locais escondidos. Acontecia também na sala de aula. “Ele chega para abraçar as meninas a dava o jeito para apalpar os seios e dizia na mesma hora: ‘Desculpa! Foi sem querer’. Mas não era, porque isso se repetia diversas vezes”, relatou a advogada. 

A indignação da advogada só não é maior que a dor de ver a filha passando por uma situação de abuso. “A minha dor de mãe quer justiça. A gente se revolta e ao mesmo tempo a gente sofre junto. É uma dor contínua, mas tem que ser contida. É uma situação que se a gente pudesse, se colocaria no lugar do filho para que não sofra. A minha dor é racional, mas ao mesmo tempo é irracional porque você pensa um monte de besteira. É uma dor que você ver que o que tinha de mais importante em sua filha, a inocência, foi perdida. Uma fase da vida que foi roubada e você como mãe não tem mais como recuperar”, 

Até o momento, apenas a filha de Gizella formalizou a denúncia contra os abusos cometidos pelo professor, mas a advogada conta que outras meninas também sofreram violências sexuais praticadas pelo acusado durantes as aulas na Escola Adventista de Paripe.

Segundo ela, a maioria das vítimas era bolsista, fato usado pelo professor para ameaçá-las. “Ele ameaçava, dizia que minha filha tinha que deixar (os abusos), caso contrário, ele baixaria as notas dela e com isso perderia a bolsa. E isso não foi só com ela. Mais meninas bolsistas também foram vítimas. Sabemos disso porque elas comentam uma com a outra, mas não falaram com os pais por medo e vergonha. Pelo menos umas dez nessa situação”, declarou Gizella.  

Denúncia Gizella contou que percebia os comportamentos introspectivos da filha. De uma hora para outra, a menina deixou de querer sair de casa, não tinha mais vontade de comer e evitava contato com outras pessoas. O que a mãe não imaginou era o motivo, nem mesmo que ele estava dentro da escola.

“Ela era uma menina muito feliz e que de uma hora para a outra, assim que passou a estudar no colégio, mudou completamente o comportamento. Eu perguntava se algo acontecia, e ela dizia que não, por conta das ameaças de perder a bolsa. Todo dia pergunta e ela nada de dizer e eu querendo entender, porque sou uma mãe muito presente. Ela não ia para casa de estranhos, não saia sozinha, para igreja só ia comigo. Eu levava e buscava ela na escola e nunca imaginei que o problema no professor ”, relatou a mãe. 

Traumas permaneceram Em 2018, Gizella se mudou para outro bairro, bem distante do subúrbio ferroviário, e por isso a filha foi retirada da Escola Adventista de Paripe e  passou a estudar perto da nova casa. Porém, os traumas foram herdados e a filha, mesmo longe do acusado, ainda desenvolvia quadros de depressão e síndrome do pânico. Foi preciso, então, levá-la a um psicólogo. Após meses de tratamento, em dezembro do passado, a advogada voltou a questionar o que estava acontecendo. 

“Perguntei a ela onde estava aquela menina linda, meiga, alegre e ela olhou pra mim e disse: ‘Ela morreu. Não vai existir mais’. Foi aí que ela contou tudo e eu desabei na hora”, contou. A advogada então foi à Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Contra à Criança e o Adolescente (Dercca) comunicou o fato no dia 05 de dezembro do ano passado. No inquérito foram anexados os depoimentos da vítima, da mãe e da testemunha, bem como relatórios médicos que atestaram os problemas psicológicos sofridos pela menina. Também foram ouvidos o acusado e um representante da Escola Adventista da Paripe. 

Nesta quarta-feira (26), a mãe vai levar outras duas meninas vítima de abuso para a Dercca, para formalizar a denúncia. 

Posicionamento  Procurada pela reportagem, a Rede de Educação Adventista, que atua há mais de 120 anos no Brasil com Educação Infantil ao Ensino Superior, informou que ao tomar conhecimento dos fatos, afastou e demitiu o professor.

"A escola afastou o professor suspeito e, posteriormente, realizou a demissão. E está colaborando com as autoridades policiais, inclusive prestando esclarecimentos. O professor foi ouvido pelo conselho escolar e alegou inocência. A escola continuou apurando responsabilidades. O afastamento aconteceu por ocasião de uma comunicação detalhada da parte da mãe (de uma das alunas)", disse comunicado enviado pela unidade de ensino.

A Rede de Educação Adventista disse ainda que o comportamento vai de encontro aos princípios ensinados pela escola e "exatamente por isso a escola está colaborando com as autoridades policiais prestando esclarecimentos e colaborando com as apurações". 

A unidade informou ainda que vai reestruturar a central de relacionamento já existente, para melhorar o diálogo com pais e alunos, inclusive com aqueles que já fizeram parte da instituição. "A ideia é ampliar possibilidades de escuta e de assistência aos pais em situações semelhantes.  Além disso, como parte do Plano de Ensino, já ocorre o trabalho com temas que combatem toda e qualquer forma de abuso Isso envolve o  cuidado na adoção do material didático, que reforça a conscientização aos alunos, como, também, a realização de oficinas, palestra, escolas de pais, e formações docentes que abordem esses temas importantes para a formação integral do indivíduo".

Por fim, a Adventista informou que "a escola vê com grande preocupação, e se coloca à disposição e incentiva os pais a apresentarem denúncias para ajudar na apuração e no enfrentamento ao problema".

O CORREIO tentou contato com o professor por uma rede social, mas não obteve sucesso, porque o perfil foi deletado. O nome dele será preservado por ainda não ter ocorrido uma condenação.