Anjo Bom da Bahia será levada aos alteres do mundo a partir de hoje

Fragmento da costela da santa ficará na capela das relíquias vaticanas, dentro da Basílica de São Pedro

  • Foto do(a) author(a) Alexandre Lyrio
  • Alexandre Lyrio

Publicado em 13 de outubro de 2019 às 04:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Não há quem não se sinta pequeno ao pisar os pés no Vaticano, cidade-estado sede da Igreja Católica no mundo que está incrustada em Roma.  Não é só pelo tamanho das colunas cilíndricas, pela enormidade das imagens de anjos e santos ou pelos gigantescos portais que dão acesso aos templos. O conjunto que tem a Basílica de São Pedro como epicentro da fé católica não é apenas grande de tamanho. A suntuosidade de sua arte esculpida em mármore, pedra e outros elementos de maior valor brilha tanto que reduz qualquer um à condição de reles mortal.  O que isso tudo tem a ver com Irmã Dulce, uma mulher de 1,47 m de altura e que era pura simplicidade? Poderia ser uma pergunta para Deus, mas os católicos baianos que estão em Roma respondem com firmeza. “Pode não parecer que ela tenha relação com algo tão luxuoso. Mas não resta dúvida que ela merece um lugar como esse”, disse Maria Fernanda Travassos de Novaes, 46, soteropolitana que mora em Portugal e foi à Roma acompanhar a canonização. 

Dulce, de fato, sempre foi simples. Suas vestes de freira feitas em pedaços de brim e algodão nunca chegaram perto do ‘luxo’ dessas igrejas. Agora, 27 anos após sua morte, torna-se santa diante da Basílica de São Pedro, o maior e mais importante edifício religioso do catolicismo. Acontece que a nossa freira podia ser pequena, mas se agigantou diante da sua missão de ajudar ao próximo. 

Nada mais justo, portanto, para quem ergueu um mundo de amor, fé e caridade, ser lembrada com grandeza e luxo.  “Na história da Igreja, o luxo sempre foi tratado com um presente para Deus. Acho que acontece o mesmo para Irmã Dulce nesse momento. É um reconhecimento que ela está recebendo pelo seu trabalho. Ela está sendo colocada nos altares do Vaticano como uma santa por tudo que ela fez no sentido de ajudar o próximo”, explica dom Murilo Krieger, arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, que celebrará amanhã a primeira missa do mundo em homenagem à Santa Dulce após a canonização.  A missa será na Basílica de Sant’Andre Della Valle, uma construção do século 17 com altares feitos em folhas de ouro no estilo barroco e renascentista no entorno do Vaticano.  Aliás, o Vaticano, onde tudo é simbólico, talvez ainda represente a incapacidade humana de estabelecer o tamanho do amor de Deus e dos que estão ao lado dele, no caso, os santos. "A gente não pode esquecer que Irmã Dulce construiu um império. Vi a força desse amor. Tudo isso aqui ainda é pouco para ela", acredita Irmã Olívia Dulcinda da Silva, 68, feira que trabalhou com Dulce até o dia da sua morte.  Morada santa Mas que lugar enorme e majestoso é esse?  O que se sabe sobre a nova morada da primeira santa baiana? Onde e de que forma ela estará representada nessa casa? Inaugurada em 1626 - 393 anos após o início da sua construção - , a Basílica de São Pedro é um dos locais cristãos mais visitados do mundo. É também uma das quatro basílicas patriarcais de Roma. As outras são a Basílica de São João de Latrão, Santa Maria Maior e São Paulo Extramuros.

A primeira santa nascida no Brasil ocupará um lugar de destaque na igreja, hoje, quando será oficializada como santa diante da Basílica mais importante do mundo. 

A relíquia que irá representá-la - um fragmento da sua costela -  também estará no lugar que é o centro do poder da Igreja Católica. Passará a integrar a capela das relíquias vaticanas que fica dentro do complexo da Basílica de São Pedro. É uma área restrita, de visitação limitada, onde os restos mortais dos santos são guardados. Não só isso: seu nome será inscrito para sempre na história da igreja como Santa Dulce dos Pobres. 

A freira de estatura diminuta que circulava desde a vizinhança da Cidade Baixa até os altos escalões do poder para arrecadar donativos para seus doentes não ganhará os holofotes sozinha - como era praxe na sua vida. Ela nunca esteve só. Dessa vez, será canonizada junto com outros quatro beatos na sede da Igreja - o menor país do mundo em extensão - 40 hectares. É pequeno em tamanho - tem 1 mil habitantes e área equivalente a 62 gramados da Fonte Nova - mas com o poder de reunir na fé uma população maior que a soma das pessoas de muitos países no mundo. 

“Irmã Dulce tinha uma simplicidade natural, mas ela entendeu durante sua vida que era preciso ter visibilidade para que suas obras pudessem continuar ajudando a quem precisa. Talvez ela até se incomodasse com tudo isso, com tanta pompa e brilhos, mas certamente aceitaria porque sabe que com isso seu trabalho seguirá" , reforça Maria Rita Lopes Pontes, sobrinha de Dulce e atual superintendente das suas obras sociais. "Sua missão é ajudar ao próximo e ela continua fazendo isso de todas as formas”, completa.  A cerimônia acontece na Praça de São Pedro com estimativa de receber 100 mil pessoas. Todos cercados dos 340 anjos esculpidos na cúpula da praça e das igrejas que guardam tesouros materiais e simbólicos a exemplo do corpo de Pedro, o primeiro papa da Igreja Católica. O lugar de Santa Dulce dos Pobres pode ter luxo demais para a vida da freira baiana, mas ainda é pequeno diante do seu amor. Agora, inclusive, esses espaços vão além das ruas da Bahia, onde ela fez valer sua fama de anjo bom.  Veja os quatro beatos que vão virar santos hoje junto com Dulce 

Giuseppina Vannini (1859-1911), fundadora das Filhas de São Camilo - A italiana criou casas de acolhimento para ajudar pessoas carentes. Hoje, são 90 no  mundo - sendo 12 no Brasil 

John Henry Newman (1801-1980), cardeal, fundador do Oratório de São Filipe Néri na Inglaterra - O inglês foi um sacerdote anglicano convertido ao catolicismo, posteriormente nomeado cardeal.Maria Teresa Chiramel Mankidiyan (1876- 1926),   fundadora da Congregação das Irmãs da Sagrada Família - foi uma religiosa indiana que ficou conhecida por receber visões e êxtases frequentes. Ela esteve envolvida no trabalho apostólico durante toda a sua vida e pressionou pela adesão estrita à regra da sua ordemMargherita Bays (1815 – 1879), da Ordem Terceira de São Francisco de Assis - foi católica suíça que trabalhou como costureira e servia como catequista para a caridade * Jorge Gauthier, chefe de reportagem, e Alexandre Lyrio, repórter especial, direto do Vaticano * O projeto Pelos Olhos de Dulce tem o oferecimento do Jornal CORREIO e patrocínio do Hapvida.