Antes de oferenda para Iemanjá, devotos homenageiam Oxum no Dique

Para a orixá das águas doces, homenagem também começou durante a madrugada

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  • Carol Aquino

Publicado em 2 de fevereiro de 2018 às 07:53

- Atualizado há um ano

. Crédito: Carol Aquino/CORREIO

Diz a tradição que antes de saudar Iemanjá, rainha das águas salgadas, o devoto tem que saudar Oxum, a rainha das águas doces. A homenagem é feita tradicionalmente no Dique do Tororó, onde a cada ano mais gente vai deixar a sua flor amarela ou a sua alfazema. Coincidentemente ou não, a maioria é composta por mulheres, que ajudam a preservar a tradição trazendo amigos e parentes consigo.

Por volta das 23h começam a chegar os primeiros grupos. A maioria aguarda até a chegada do grande presente, preparado por Mãe Jacira de Obaluaê, responsável por preparar os presentes dos pescadores para Oxum e Iemanjá. A espera é para colocar suas oferendas no mesmo balaio que é acompanhado pela mãe de santo. 

Há quem não espere. A advogada Ana Patrícia Silva, 47, colocou suas flores pouco depois da meia-noite. “Minha relação é com Ela. Não venho para ver ninguém, nem para ver Carlinhos Brown”, falou a mulher, que é regida por Oxum.“Fico aqui num momento de total conexão, eu me sinto essa água”, revelou. Quanto mais se aproxima da meia-noite, mais o Dique vai enchendo. Pessoas que vão sozinhas, com amigos, ou com a família. A empresária Rosa Guerra, 57, levou uma filha e duas sobrinhas para celebrar a fé em Oxum e Iemanjá. Todas estavam indo pelo menos pela segunda vez para os festejos. Há pelo menos seis anos,  a matriarca vem agradecer pelas realizações alcançadas. “Moro aqui no Garcia. Toda vez que tinha a entrega do presente, eu ouvia o tambor e os fogos. E eu dizia: Um dia eu vou”, conta. 

Só pelo olhar dá para ver a admiração que as outras integrantes da família têm por Rosa. E ao aceitarem seu convite descobriram uma nova energia. “Sinto uma emoção forte toda vez que venho. Quando bate o tambor, o coração bate junto. Chega arrepia”, revela a médica Isabela Guerra, 33. 

De tanto repetir o ritual de entregar oferendas a Oxum no Dique, as pessoas acabam se conhecendo. De tiara na cabeça e andando para lá e para cá estava a pedagoga Maria Luiza Porfírio, 58, pedagoga. Tia Lu, como é carinhosamente chamado por todos, cumprimentava um, outro, perguntava se fulano tinha comido. Há mais de dez anos ela frequenta o ritual e é quase uma orixá. Amorosa e vaidosa como Oxum, ela não só providencia a alimentação como as flores que a sua dúzia de amigos vai depositar no balaio. 

E é com muito gosto que ela mostra o balaio que preparou. “Esse aqui é para Oxum e esse é para Iemanjá. Coloquei maçã verde e vermelha porque é uma comida que Oxum gosta. Aqui tá o ouro que ela gosta. A gente está diminuindo as coisas para evitar a poluição, sabe”, explica toda didática. No cesto ainda vai um pedaço de bolo. 

Quase que de mansinho, chega a cantora e atriz Mariene de Castro para deixar sua oferenda. Além de saudar a orixá, ela foi apresentar a uns amigos a tradição típica da Bahia.“Acho só quem é de Salvador mesmo sabe que antes de agradar Iemanjá, tem que agradar Oxum”, comentou. E da onde vem essa tradição? Cheia dos segredos que a religião de matriz africana tem, Mãe Jacira de Obaluaê, em conversa com a reportagem do CORREIO, avisa. “Porque sempre foi assim. O presente de Oxum é antes do de Iemanjá. E tem que ser de madrugada”, responde categórica a mãe de santo, sem querer dar muita explicação. 

Apressada, ela chegou por volta da 1h30 ao Dique para entregar os balaios com flores que iam ser entregues a rainha das águas doces. “Preparei o balaio, fiz um descarrego para tirar as energias pesadas e fiz os fundamentos”, explica Mãe Jacira de Obaluê. “E o que são esses fundamentos, mãe?”, devolve a repórter. A líder do terreiro Ilê Axé Jibaiê responde com uma careta. A jornalista já entedeu, era segredo de axé. 

Festa O Dique estava cheio. Era um vai e vem de pessoas para lá e para cá. Mesas e cadeiras plásticas compunham o cenário, assim como muitas latas de cerveja. O que antes era um evento com poucas pessoas, está próximo de atrair uma multidão. Quem frequenta há mais tempo as celebrações a Oxum não gosta do que vê.

“Gosto mais daqui do que lá (festa de Iemanjá). Se começar a virar festa, a energia muda”, comenta a servidora pública Camila Guerra, 43. “A festa não era isso de bebida e comida, foge completamente à proposta. Me surpreendi. não senti a energia de fé”, comenta a advogada Ana Patrícia Silva, 47 anos. 

Contam os devotos de Oxum que o ato religioso não combina com bebida alcóolica e que a festa foi ficando mais “pop” com a ida anual de Carlinhos Brown, sempre por volta da meia-noite. Este ano o artista não apareceu no horário habitual. Um pescador que aproveitava para faturar levando e trazendo pessoas que iam deixar suas oferendas no meio do Dique disse que este ano ele apareceu mais cedo, às dez em ponto. Mas se isso é verdade ou somente conversa de pescador, ninguém sabe.