Antiga Ceasinha tem mais de 40 boxes fechados; permissionários reclamam do preço das taxas

Além dos boxes fechados, Mercado tem alto índice de inadimplência e ex-permissionários afirmam que entraram na Justiça

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 29 de janeiro de 2021 às 06:45

- Atualizado há um ano

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A crise enfrentada pelos permissionários do Mercado do Rio Vermelho, também conhecido como Ceasinha, se tornou ainda pior com as mudanças e restrições impostas pela chegada do novo coronavírus. Desde a reconstrução do espaço, concluída em 2014, estabelecimentos tradicionais tentam se manter nos pontos, mas encontram dificuldades. A principal reclamação dos comerciantes é em relação aos altos preços dos aluguéis, que levaram muitos a demitirem funcionários, à inadimplência ou até mesmo ao fechamento definitivo. 

O Mercado do Rio Vermelho agora é mantido pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) e pela empresa privada Enashopp, que tem licitação para gestão e operação. Segundo a Associação dos Permissionários do Mercado do Rio Vermelho (APMRV), é cobrada uma taxa de condomínio e uma outra taxa de aluguel. O Mercado reúne comerciantes dos mais diversos produtos, sobretudo alimentícios, distribuídos em boxes.

Segundo a SDE, atualmente são 130 boxes em operação e 41 fechados. Cinco boxes serão ocupados nos próximos meses em função do chamamento público realizado em novembro de 2020. Procurada pelo CORREIO, a secretaria informou que, “durante o período mais duro da pandemia do novo coronavírus”, três boxes foram fechados: Informall (restaurante), Padaria Favorita (empório gourmet) e Toca do Bicho (pet shop).

A ex-permissionária da Toca do Bicho, que preferiu não ter o nome revelado, disse que o valor das taxas, que chegava a cerca de R$ 8 mil mensais no total, ficou insustentável e, então, foi preciso fechar as portas por lá. O estabelecimento funcionava no Mercado desde 1993, e foi encerrado em dezembro de 2020. “A pandemia só fez agravar o problema. O valor cobrado é absurdo”. Ela informou que, após a reforma, os permissionários antigos pagavam uma taxa de aluguel menor que os novos, mas o valor passou a ser igual há cerca de dois anos. “Ai ficou muito mais pesado para mim. E ainda tinha a outra taxa, a de condomínio, que pesa bastante”, acrescenta.

Para Carlos Anunciação, de 63 anos, permissionário da loja Polpa de Fruta Doce Mel e da Companhia da Cachaça, o novo Mercado ainda não conseguiu se mostrar mais vantajoso para os estabelecimentos. “Na Ceasinha eu vendia o dobro do que eu vendo aqui, mas o comerciante tem que pensar a longo prazo. Aquele momento lá não ia durar por muito tempo por conta das condições, o ambiente estava bem degradado, a cada dia ficando pior”, pontua. 

A loja de polpa de frutas funciona no estabelecimento há cerca de 20 anos. Já a loja de cachaça, nasceu no novo Mercado e vem enfrentando dificuldades, principalmente por conta da pandemia e ainda não rendeu o lucro esperado por Anunciação. “O Mercado foi inaugurado em meio à uma crise que vem se estendendo até agora. A pandemia foi mais uma prova para a gente. Foi muito complicado. No início, teve dia em que eu abri e fechei a loja sem atender nenhum cliente. Eu tive que reduzir o quadro de funcionários, reduzir os custos da loja, para poder não entrar na inadimplência, nem com os fornecedores nem com o mercado em si”, conta.

Anunciação acredita que as taxas pagas aos gestores do Mercado são altas, mas correspondentes à estrutura oferecida aos clientes. O problema é conseguir arcar com os pagamentos quando a quantia que entra não é a esperada. “Eu tentei várias vezes com a administração do mercado a isenção da parte que a gente paga para o governo, eu e outros colegas. E a resposta era essa: ‘Não tem como diminuir por conta da inadimplência’”, explica o permissionário.   Três estabelecimentos fecharam no local no período mais caótico de pandemia (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Segundo Frederico Teixeira, de 32 anos, permissionário do Oxe é de Minas e membro da Associação dos Permissionários, atualmente apenas cerca de 35 lojistas estão realizando o pagamento das taxas em dia e são essas pessoas que estão impedindo o Mercado de fechar as portas. “A gente está tentando conseguir algum abatimento tanto do aluguel quanto do condomínio, porque não tivemos nenhum desconto. E o movimento está fraco para o mês de janeiro, foi uma queda acentuada agora. Essa semana mesmo por aqui foi muito devagar”, relata Teixeira.

Ele conta que, a partir de março, com as medidas de restrição, a esperança encontrada por permissionários e pela própria Associação foi a implementação de um serviço de delivery interno. Uma empresa contratada disponibiliza motoboys que atendem diversas lojas. Através do site e do perfil no Instagram do Mercado, o cliente pode entrar em contato com o comerciante e realizar o seu pedido. De acordo com Teixeira, isso foi o que salvou as lojas, mesmo não conseguindo suprir totalmente o valor arrecadado antes da pandemia. 

O restaurante Catiguria está no Mercado já há seis anos. O gerente, Roque Silva, de 39 anos, concorda que o preço pago aos gestores pesa no bolso. “O grande problema aqui é o valor do aluguel e do condomínio, que fica bastante alto, pesado para a situação que a gente sempre viveu aqui no Mercado do Rio Vermelho. É um valor elevado para o que a gente recebe em troca. E, desde o começo da pandemia, ficou muito mais pesado do que já era”, analisa Silva.

Ele explica que os permissionários dos restaurantes conseguiram negociar a isenção, por quatro meses, da taxa de aluguel paga ao governo do estado. Mas, segundo ele, isso não foi suficiente, já que os bares e restaurantes do local ficaram fechados por cerca de sete meses. “Ficamos com formato delivery, mas não chegava a 10% do faturamento normal, aí chegamos a ficar devendo agora na pandemia, mas já fizemos um acordo e já acertamos. Estamos conseguindo pagar as contas, mas é um malabarismo, porque ainda não chegamos nem perto do que a gente faturava antes”, revela Silva.

A SDE informou, em nota, que o MRV tem uma taxa de aluguel com custo de R$ 80 por metro quadrado e que “o valor do rateio de despesas é proporcional ao serviço oferecido de manutenção do equipamento, junto aos permissionários”. O órgão confirmou que há inadimplência, mas não informou a quantidade de permissionários que não estão com pagamento do aluguel em dia e nem o valor da taxa condominial. 

Velhos problemas

Muitos empreendimentos inaugurados junto com o novo Mercado do Rio Vermelho, em 2014, não conseguiram prosperar. Os problemas apontados são muitos e vão além do preço de aluguel e condomínio. 

Edson Engel, de 65 anos, hoje é proprietário do restaurante Amado, no Comércio, e teve um restaurante no Mercado do Rio Vermelho, o Amadinho, inaugurado em 2015, mas que durou menos de um ano. Para ele, o investimento que fez no novo empreendimento não foi um bom negócio e a culpa seria dos gestores do Mercado. “Teve muita informação incorreta, muito erro de estratégia. Eles quiseram transformar o mercado em um shopping center. A vantagem de um lugar assim é que ele deve oferecer público, você paga caro para ter público. Eles não ofereceram esse público, mas cobraram mesmo assim”, desabafa Engel.

Segundo ele, a estrutura não oferecia ar-condicionado, não tinha uma boa política de divulgação e os horários de funcionamento eram restritos. “A gente se sentiu muito enganado com essa gestão toda desse espaço e com a insensibilidade dos gestores para com a realidade. Tanto é verdade que quase tudo que tinha fechou. Hoje tem muito menos gente lá porque todo mundo saiu, faliu, ficou devendo; uma situação horrível”, diz. 

Engel conta ainda que o restaurante fechou porque não conseguiu arcar com os custos, já que o movimento era fraco. O estabelecimento ficou devendo o valor de mensalidades e, segundo o ex- permissionário, houve uma tentativa de negociação, mas a administração do Mercado nunca respondeu às propostas. Ele, além de outros ex-permissionários, entraram com uma ação contra os gestores. “Tentamos, promovemos, divulgamos, contratamos para fazer dar certo. Eu apliquei no Amadinho a mesma energia que apliquei no Amado. A qualidade da comida era boa, o atendimento era correto, mas a gente investiu no cavalo errado”, opina. 

Sobre as reclamações, a nota da SDE diz que “Ainda que não houve nenhuma tentativa de negociação por parte dos permissionários que entregaram os boxes. Aqueles que quiseram negociar, à época, após resposta positiva da extinta SUDIC (autarquia que gerenciava o MRV), não deram andamento às negociações, preferindo entrar com processo”. 

A Secretaria explicou ainda que a praça de alimentação chegou a funcionar à noite, mas os próprios permissionários teriam optado posteriormente pela não operação noturna. Com relação aos demais boxes fora da praça de alimentação, inicialmente teria sido proposto o horário de fechamento às 20h, rechaçado pelos permissionários, ficando estabelecido, por negociação, o horário de fechamento às 19h. Atualmente, por conta da pandemia, o horário de funcionamento é das 7h às 17h, de segunda a sábado; e de 7h às 16h aos domingos, sendo de 7h às 9h exclusivo para idosos. 

“Importante ressaltar também que o projeto do mercado foi feito para usar a ventilação natural. Não foi previsto ar-condicionado. Na inauguração do novo MRV, o Governo do Estado fez uma divulgação massiva. O equipamento continua sendo divulgado, por meio da Enashopp e da Assessoria de Comunicação da SDE, em veículos da imprensa e nas redes sociais da internet”, finaliza o comunicado. 

O CORREIO procurou a Enashopp, que respondeu que a SDE é a responsável pela comunicação do Mercado do Rio Vermelho.

Reforma

A antiga Ceasinha passou por dois anos de reforma e então o Mercado do Rio Vermelho foi inaugurado em maio de 2014. O investimento para a obra foi de R$ 3,5 milhões feito pelo Governo do Estado, a Caixa Econômica Federal e o Grupo Petrópolis, fabricante da cerveja Itaipava. 

O estabelecimento foi dividido em setores. No setor 1, ficam as lojas de artesanato, pet shop, floricultura, moda; no 2, peixaria e açougue e espaço gourmet; no setor 3, há uma praça de alimentação, com cafés, lanchonetes e restaurantes. 

Com a mudança, os boxes aumentaram de 8,5 metros quadrados para 22 metros quadrados, com pé direito mais alto. O propósito foi melhorar a ventilação, a iluminação e também facilitar a circulação de pessoas nos corredores. Assim, ficou proibida a instalação de caixotes ou qualquer outro tipo de objeto que dificulte a circulação nos locais de passagem.

A terapeuta Sheila Andrade, de 52 anos, frequenta o local há muitos anos, desde antes da reforma, e explica o porquê da preferência. “Primeiro porque é perto da minha casa; segundo porque quando eu venho eu encontro tudo o que eu preciso aqui; terceiro é a relação custo-benefício, os preços são esses mesmos, já que o Rio Vermelho é um bairro caro”. Ela ainda acrescenta que, com a reforma, o local ficou melhor. “Agora está mil vezes melhor, a estrutura, tudo. Pena que os preços não melhoraram também; estão mais caros sim”, analisa a consumidora.

A aposentada Elirian Pinto, de 68 anos, concorda. “Os preços subiram, só não sobe o nosso salário, né? Mas continuo vindo porque aqui tem muita variedade, os produtos são de qualidade e eu me sinto mais segura”, explica. 

Da feira livre à ‘gourmetização’1970 - O local abrigava a feira da Chapada do Rio Vermelho, com comércio de frutas, verduras, peixes, carnes e alguns restaurantes.  1979 -  Foi inaugurado o Centro de Abastecimento Alimentar do Rio Vermelho. Sete anos depois, o local foi reinaugurado. 2004 - A Central de Abastecimento passou por uma grande reforma, com reparação dos sistemas elétrico, hidráulico e de todas as áreas de circulação do mercado.  2012 - As antigas estruturas foram demolidas e o local começou a ser reconstruído.  2014 - Abertura ao público. 2020 - O local completou 50 anos de existência. *Com orientação da subeditora Monique Lôbo