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Apesar de campanha contra assédio, comportamento das Muquiranas segue criticado


 

Bloco fez também campanha contra homofobia antes do Carnaval

  • Vinicius Nascimento

Publicado em 22/02/2020 às 17:22:49
Atualizado em 20/04/2023 às 21:00:08
. Crédito: Divulgação

Eles não falam que são o maior bloco do mundo à toa. Realmente, o bloco das Muquiranas é um gigante do Carnaval de Salvador. Neste sábado (22), o bloco saiu com uma grande expectativa. Para além do arrastão puxado por Tony Salles, do Parangolé, que faturou o título de música do Carnaval em 2019 com 'Abaixa que é Tiro' e chega forte em 2020 com 'Ela Não Quer Guerra Com Ninguém'. É sempre certeza que o Parango vai botar pra lá, mas desta vez o que estava em pauta foi o comportamento dos foliões das Muquiranas. Muitos são conhecidos por serem grandes assediadores na festa de Momo.

Às vésperas do Carnaval, as Muquiranas espalharam outdoors pela cidade com mensagens contra a homofobia, a favor da campanha do não é não (contra a importunação sexual) e até pedindo para as Muquiranas segurarem a onda na hora de disparar suas famosas pistolas de água - item que é quase obrigatório na fantasia do bloco. Bem, o que se viu na Avenida é que a campanha tem uma aprovação que fica no discurso, apesar de algumas mulheres entrevistadas pelo CORREIO afirmarem que enxergam a campanha como um ponto de partida para dias mais seguros.

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Saindo de Muquiranas pela primeira vez, Zada Rudá admite que precisa tomar mais cuidados na hora de abordar uma mulher no frete (sim, frete, flerte na Bahia não existe). O folião aponta que criou algumas estratégias para só chegar em quem se interessa. Começa com uma olhada, seguida de uma outra troca de olhares para ter certeza do interesse. Depois disso, explica que se aproxima, mas sem tocar na mulher, e tenta puxar um papo. Se colar, colou. Se não, a vida segue.

Contudo, a postura de Zada não é seguida à risca por seus colegas de Avenida. Adriano Alberto é mais experiente no bloco, que pula pelo terceiro ano e afirmou que a campanha "não vai adiantar de p... nenhuma, tem é que meter língua mesmo". O comportamento de Adriano não é isolado. Durante a cobertura da pipoca de Saulo, a reportagem viu a foliã Manuela Maia ser atingida com um jato de água e ficar muito chateada. Ela avistou o muquirana, que a mandou aceitar a rajada "porque hoje quem manda é muquirana", antes de soltar um beijo irônico para a garota.

"Isso tem que parar. É desrespeitoso, estraga o Carnaval das pessoas e todo o mundo sabe que esse comportamento é recorrente deles. Neste ano não sofri nenhum assédio sexual, mas já teve caso de dois me abordarem de vez para me beijar", relatou a foliã.

Até existem os casos de mulheres que levam a brincadeira da água na esportiva. Durante a concentração, encontramos com Nairan (que não quis dizer o sobrenome) brigando com uma muquirana depois de ser atingida por um jato de água. Ela afirmava que iria fazer um abaixo-assinado para proibir as arminhas de água das muquiranas no Carnaval. Quando questionada pela reportagem sobre os incômodos gerados pelas muquiranas, ela disse que a única reclamação que tem para fazer é que o bloco tem muito "homem gostoso e que não podem sair do Carnaval".

Neste sábado, o bloco saiu com um atraso de quase 2h. O início estava previsto para as 14h30 mas o trio só passou no Campo Grande um pouco depois das 16h. E estava lotado. Até junto do carro de som havia uma multidão jogando dança com Tony Salles e qualquer cm² era disputado. O Parango levou a galera ao delírio tocando Sminorfay, do Pagodart e Mão Na Cabeça e Rala, do Oz Bambaz. Mas o ápice da histeria veio quando Tony, também fantasiado de mulher, cantou O Pai Chegou.

Para a funcionária pública Sandra Alves, o assédio só vai diminuir quando o bloco for penalizado diretamente pelas atitudes de seus foliões. Além disso, sugere que se ofereçam descontos na fantasia para homens que participarem de palestras sobre assédio e tenham contato com a realidade sofrida por mulheres no Brasil.

Morando em Salvador há sete anos, vinda de Juazeiro para estudar, a foliã pipoca Manoela (que pediu para não ter o sobrenome publicado) contou que fica na casa de uma amiga no bairro do Garcia durante o Carnaval. Pela proximidade e para segurar grana, vai andando até o circuito e afirma que sempre sofre com assédio de homens com a fantasia das Muquiranas. A importunação vai desde puxões no braço ou cabelo, até agressões verbais e tentativas de beijo à força.

"Eu quero que exista um caminho para mudança, mas sinceramente eu não consigo enxergar. Isso está enraizado e para existir mudança é preciso tomar medidas enérgicas, como proibir homens acusados de assédio de sair no bloco", disse.

Neste ano, o tema das Muquiranas foi Alice no País das maravilhas. O bloco saiu com uma fantasia composta por saia azul e um abadá. O bloco ainda sairá na segunda-feira (24) com o Psirico e fecha o Carnaval de 2020 com o desfile de Léo Santana. Segundo a organização do bloco, cerca de 97% das fantasias colocadas à venda foram comercializadas. Em 2020, As Muquiranas completam 55 anos de Carnaval.

"É um bloco de tradição e nós homens temos a responsabilidade de limpar essa imagem que manchamos. É um trabalho difícil, mas do mesmo jeito que há casos de assédio, as muquiranas levam alegria pra rua como ninguém. Eu mesmo fico contando os dias pra sair porque é o melhor momento do ano", disse Diego Rodrigues, desfilando no bloco pela quarta vez.

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