Apesar de proibidas, guerras de espadas são realizadas no interior do estado

Associações recomendaram que guerra não ocorra por conta da pandemia, mas houve desrespeito

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  • Bruno Wendel

Publicado em 24 de junho de 2020 às 18:09

- Atualizado há um ano

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As paixões pela cultura e pela tradição são grandes, mas não deveriam se sobrepor à lei e às orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Ministério da Saúde e demais autoridades sanitárias, além de decretos estaduais e municipais relacionados à pandemia do novo coronavírus. Contrariando tudo isso, amantes da guerra de espadas soltaram os artefatos explosivos na noite desta terça-feira (23), véspera de São João, nas cidades tradicionais dos festejos juninos na Bahia. 

Para além dos riscos de queimaduras gravíssimas, a guerra de espada promoveu aglomerações aumentado o risco de proliferação da covid-19. Foi o que aconteceu em Senhor do Bonfim, no Centro-Norte da Bahia, onde a cultura do São João é tão forte que a cidade já foi conhecida como a capital baiana do forró. Vídeos divulgados nas redes sociais mostram aglomerações de espadeiros em vários pontos da Rua Costa Pinto, no Centro de Senhor do Bonfim.

Desde 2011, a guerra de espadas é proibida no estado. Segundo o Ministério Público Estadual (MP-BA), fabricar, possuir e soltar espadas é crime cuja pena pode chegar a até seis anos de prisão. A guerra acontece tradicionalmente durante as festas juninas, com um artefato que é uma variação mais potente dos tradicionais buscapés, feitos de bambu, pólvora e limalha de ferro.  

Ainda de acordo com o MP-BA, ações de enfrentamento a guerra de espadas implementadas pelo órgão trouxeram resultados positivos para a cidade de Senhor do Bonfim. O promotor de Justiça Rui Gomes explicou que este ano, devido ao cenário da covid-19, não houve atuação direcionada a combater as espadas "porque o momento de pandemia sequer comporta esse tipo de manifestação".

Levando em conta números da Rede Interestadual de Saúde Pernambuco-Bahia (Rede Peba), o órgão emitiu uma recomendação para que o município adote providências em relação as estas atividades típicas do período com potencial risco de acidentesl. De acordo com dados recentes da articulação Peba, para onde são regulados os pacientes em quadro mais grave de queimaduras, a rede estava com 100% de ocupação dos leitos destinados ao tratamento de pacientes com covid-19.

Diante da desobediência de alguns espadeiros, o promotor de Justiça, que atua na área de saúde pública, informou que tentará identificar os participantes do episódio filmado na Rua Costa Pinto para analisar a possibilidade de responsabilização cível e também criminal.

Já a Polícia Militar disse, em nota, que o 6º Batalhão da Polícia Militar, com sede na cidade, "não foi acionado para atender a ocorrências de guerra de espadas em Senhor do Bonfim”. Informou ainda que policiais militares da unidade realizaram policiamento preventivo, orientando as pessoas a cumprirem as determinações legais de não realizar guerras de espadas, e que “não houve prisão e apreensões de artefatos”.

De acordo com o prefeito da cidade, Carlos Brasileiro (PT), o caso seguirá sendo acompanhado pela Polícia Militar e pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), na tentativa de identificar os envolvidos. Procurado, o MP não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Reprovação Logo após cerca de 50 espadeiros ocuparem a Rua Costa Pinto, a Associação Cultural de Espadeiros de Senhor do Bonfim (Acesb) reprovou o ato. Horas antes de a guerra começar, a associação havia divulgado o apoio ao cancelamento dos festejos juninos na cidade, incluindo a guerra de espadas. No mês de abril, o governador Rui Costa anunciou que as festas de São João estavam suspensas em toda a Bahia, uma medida contra a propagação da pandemia do coronavírus.“Infelizmente, uma minoria está soltando espadas na cidade.  A guerra de espada de Bonfim junta 5 mil pessoas na rua. Hoje (terça-feira, 23), a gente passou o dia todo com o carro de som conscientizando a população sobre a fumaça, covid-19, o isolamento social, mas um grupo pequeno, infelizmente, está soltando espadas. A gente fica até triste, com sentimento de impotência, porque a gente nunca foi contra a guerra de espadas, a gente defende a guerra (espadas) em todos os lugares e infelizmente essas pessoas estão soltando as espadas”, declarou ao CORREIO o antropólogo e integrante da Acesb Rodrigo Wanderley.O comunicado divulgado nesta terça-feira informava que o apoio à suspensão dos festejos levava em consideração as orientações da OMS, a evolução do quadro nacional da pandemia e os decretos estaduais e municipais no combate à covid-19. Foi uma ação conjunta da Acesb e da Associação Cultural dos Espadeiros de Governador Mangabeira (Acegom). 

Após ver os vídeos enviados ao CORREIO, Wanderley disse que pretende adotar medidas, caso sejam identificados espadeiros da associação. “É o arrepio da situação, da circunstância, uma minoria, inclusive a gente vai ver se tem gente da associação e tomar medida. Não dá não. É você ser contra o intuito da guerra, que é festejar fraternamente. O nome é guerra, mas não é guerra”, disse ele ao CORREIO. 

Morador de Senhor do Bonfim, o vendedor de loja Sérgio Moreira, 34, disse que defende a tradição, mas que este ano é diferente. “Sou a favor, pois a tradição não pode acabar. Todo ano participo. Mas, este ano não fui, porque a pandemia é para ficarmos em casa, se protegendo da doença. Muitas pessoas morreram e outras tantas irão morrer no mundo por causa da covid-19”, declarou.

Cruz das Almas Também na noite de terça-feira, houve guerra de espadas na cidade de Cruz das Almas, no região do Recôncavo do estado e também bastante procurada no São João.  Em nota, a PM informou que durante uma operação houve necessidade de intervenção em diversas situações. Grupos foram dispersos, mas não houve apreensões e prisões.

De acordo com a PM, a 27ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Cruz das Almas) realizou uma operação na cidade com o objetivo de reprimir aglomerações, proibidas pelo decreto lei municipal, referente a políticas de enfrentamento à pandemia do coronavírus, o consumo de bebidas em estabelecimentos comerciais e a realização de guerra de espadas.

Guarnições da 27ª CIPM e da Companhia Independente de Policiamento Especializado (Cipe) Litoral Norte percorreram as localidades denunciadas como pontos de concentração de espadeiros e espectadores. O comando da 27ª CIPM iniciou no mês de abril ações preventivas na região de Cruz das Almas para inibir a guerra de espadas. Durante essas ações foram apreendidos 600 espadas e materiais para a fabricação do artefato, como hastes de bambu e pólvora.

PMs da unidade estão realizando abordagens em pontos do Centro e da periferia da cidade para inibir espadeiros. O policiamento foi reforçado com guarnições da Rondesp Leste e da Companhia Independente de Policiamento Especializado (Cipe) Litoral Norte.

A assessoria de comunicação da Prefeitura de Cruz das Almas informou que o Ministério Público proibiu a guerra de espadas em 2011, mas sempre houve a queima feita de forma irregular. “Existe uma associação de espadeiros que defende a regularização da prática, e essa inclusive orientou aos adeptos que não participassem esse ano devido à pandemia”, disse a nota.

A assessoria informou ainda que é de responsabilidade da polícia intervir nesses lugares, por ser uma determinação do MP-BA, e que a prefeitura intensificou a campanha para que a população não acendesse fogueiras e evitasse soltar fogos.

Cachoeira Ainda falando da região do Recôncavo, a cidade de Cachoeira também teve a guerra de espadas. A prefeitura de Cachoeira, inclusive, publicou um decreto cancelando os festejos juninos e recomendando às pessoas que ficassem em casa. 

A PM disse que A 27ª CIPM realizou ações preventivas e patrulhamento na cidade de Cachoeira e que não houve registro de ocorrências envolvendo guerra de espadas.

Número de queimados por fogos de artifício e explosão de bombas caiu 54% na Bahia O cancelamento das festas de São João no estado gerou efeitos positivos pelo menos na redução do número de acidentados com fogos de artifício e explosão de bombas. Do ano passado para esse, houve queda de 54% no número de ocorrências de pessoas queimadas no período de 20 a 24 de junho.

As duas unidades estaduais de referência no tratamento de vítimas destes acidentes registraram 28 atendimentos, contra 61 no ano anterior.

O Hospital Geral do Estado teve o maior número de ocorrências relacionadas aos festejos juninos, com um total de 23 atendimentos, sendo 12 vítimas de queimaduras por fogos e 11 por explosão de bomba. Já o Hospital Regional de Santo Antônio de Jesus, também referência no atendimento a queimados, deram entrada cinco pessoas vítimas de queimaduras e fogos de artifício.

O secretário da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), Fábio Vilas-Boas, atribuiu a redução do número ao fato de os municípios terem não só cancelado os festejos, mas também proibido a venda de fogos de artifício e fogueiras devido à produção de fumaça, prejudicial para quem tem quadro de covid-19. A isto o secretário ainda somou as restrições impostas pelo governo estadual para evitar aglomerações.