Após a divulgação de informações sobre fim de semana violento, SSP restringiu acesso da imprensa

Jornalistas lutam pelo direito de ter informações sobre violência. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) repudiou a posição do órgão

Publicado em 18 de janeiro de 2011 às 05:26

- Atualizado há um ano

Bruno Menezes e Bruno WendelLiberdade de informação. É o direito que os cidadãos têm de serem informados de tudo que se relaciona com a vida do estado. De acordo com a Constituição Federal de 1988, o direito de informação faz parte da essência da democracia. Há seis dias, jornalistas que trabalham na Bahia travam uma árdua luta para garantir o direito de receber informações sobre as ações de segurança pública e os registros de ocorrência. A promessa era de que, no site da Secretaria de Segurança Pública do estado, os repórteres teriam disponibilizadas todas as informações referentes aos crimes praticados no estado. Mas, lá, só são encontrados registros de carros roubados e de homicídios com nomes de vítimas e bairros onde os crimes ocorreram.Na tarde de ontem, a assessoria de comunicação da pasta garantiu que a partir das 19h um novo formato estaria online, com todas as informações sendo postadas em tempo real, o que também não aconteceu. Às 20h04, o novo modelo entrou no ar, mas ainda sem as informações prometidas pelo órgão.Na noite de ontem, em meio à turbulência causada pela restrição do acesso às informações da pasta, o governador Jaques Wagner anunciou a troca do titular da Secretaria de Segurança. Deixa o cargo César Nunes para dar lugar ao delegado da Polícia Federal Maurício Barbosa, ex-superintendente de inteligência da SSP e ex-delegado regional de Combate ao Crime Organizado na Superintendência da PF na Bahia.Restrições  Nas delegacias, ordens expressas de delegados proibindo agentes de fazerem atendimento a repórteres estão até afixadas em cartazes, como na sede da Delegacia de Homicídios, nos Barris. “A Secretaria não determinou mordaça alguma aos delegados. Os casos estão disponíveis para a imprensa”, retrucou a SSP. A medida restritiva que impede os jornalistas de terem acesso aos dados de ocorrências registradas pelas polícias Civil e Militar se deu após um fim de semana quando foram registradas 30 mortes em 60 horas, número acima da média, como atestou aos jornais funcionários da Centel, o Centro de Telecomunicações das polícias. “Estamos impedidos de informar as ocorrências. O senhor deve acessar o site da Secretaria”, dizem, agora, os atendentes do órgão.A punição aos jornais, TVs, rádios e sites pela divulgação do alto índice de criminalidade em Salvador e Região Metropolitana provocou o repúdio de organizações como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que ressaltam a luta pela liberdade de imprensa, sem censuras do governo.A ABI “condena essa espécie de rolha com que o governo do estado da Bahia, através dos seus órgãos de segurança, vem impedindo que os meios de comunicação divulguem ocorrências da área policial, de interesse do conjunto da sociedade”. Em outro trecho, a entidade classifica a medida restritiva como uma “represália à divulgação dos números altamente negativos da criminalidade em Salvador”. “A ABI apela ao governador Jaques Wagner no sentido de determinar a suspensão desse bloqueio à difusão de informações, dados os compromissos que ele tem em sua longa trajetória política com a transparência na coisa pública”, pede o presidente da ABI, Maurício Azêdo.TRANSPARÊNCIA  Já a Fenaj diz que, em não se tratando de documentos sigilosos previstos nos tratados internacionais, a população precisa ter acesso a tudo aquilo que é interesse dela. “Achamos que seria de bom tom, para a liberdade de imprensa e para a democracia, que as informações sejam acessíveis. Independentemente de discrepâncias que possam haver entre números, a transparência deve prevalecer. O que é verdade sempre vem à tona. Só a divulgação pode resolver isso”, argumenta Celso Schröder, presidente da entidade.Diretores e editores das publicações baianas também classificam a medida como uma forma de controlar as informações que serão apresentadas ao público. Repercussão    Diretor de Redação do CORREIO, o jornalista Sergio Costa afirma que os repórteres “não querem facilidades, apenas transparência”. Para ele, “só com informação e inteligência, a Bahia poderá virar essa página sangrenta de sua história. Com borracha e mordaça, não vai a lugar algum”.Já a editora do Blog À Queima Roupa, a jornalista Jaciara Santos, acredita que as informações passaram a ser veiculadas pelo site da Secretaria de Segurança Pública após passar por uma espécie de filtro.Para Florisvaldo Mattos, editor-chefe do jornal A Tarde, o que interessa ao jornalismo é que haja transparência na divulgação de informações. “A lentidão dos órgãos no repasse das informações aos jornalistas prejudica, principalmente, os profissionais do rádio e internet”.

Governo: ‘Informações seguras’Procurado pelo CORREIO, o ex-secretário de Segurança Pública César Nunes, por meio de sua assessoria, informou que não comentaria sobre o assunto, porque todas as informações já foram noticiadas no portal da Secretaria. Na última sexta, no site , Nunes disse que a mudança visa garantir maior segurança no sistema de informação prestado pela SSP e que as informações serão postadas em tempo real. No entanto, ontem, a última atualização foi às 17h20. Nesse período, a diferença entre uma atualização e outra foi de quase cinco horas e com publicações sem detalhes. A assessoria da SSP informou  que o site não tinha entrado no ar com todas as informações desejadas, mas que, até as 19 horas de ontem, o problema seria resolvido. No entanto,  às 20 horas, somente o layout  tinha sido modificado. A assessoria de comunicação do governo  informou, por telefone, que não há qualquer tentativa de esconder dados da segurança pública. Ainda de acordo com ela, a orientação pela divulgação de informações seguras, precisas e consolidadas  era preocupação que estava sendo estudada há algum tempo pelo governo. “Um grande exemplo foi o fim de semana em que houve um pico de violência e órgãos de imprensa saíram com divergência de números e com informações sem confirmação”, disse o assessor Alberto Maraux.  No dia 10 deste mês, o CORREIO pediu ao Centro de Documentação e Estatística Policial  (Cedep) e à assessoria da Polícia Civil  dados sobre os três finais de semana que antecederam ao da segunda semana de janeiro, mas eles não foram encaminhados.Aviso na Delegacia de Homicídios: informações centralizadas

Medida repercutePara o Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Bahia (Sinjorba), a medida tomada pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) incentiva a compra de informações, prática de alguns profissionais da área, segundo a entidade. “A demanda será maior que a oferta. Haverá um estímulo dessa prática. Mas assessoria de comunicação da SSP informou que os  profissionais estão sendo monitorados e, em caso de flagrante, serão punidos”, disse a presidente do sindicato  Marjorie Moura, repórter do jornal A Tarde.  Segundo ela, a assessoria de comunicação da SSP lhe informou que a decisão foi tomada porque os jornalistas sobrecarregavam os atendentes da Centel. Moura disse ainda que aguarda uma reunião com a SSP. Caso contrário, o sindicato deve emitir uma nota de repúdio. Já outros jornalistas acreditam que a medida  pode gerar especulações diversas. “Nunes (o ex-secretário César Nunes) deve ter suas razões de ordem administrativa, no entanto ficou pouco explicado deixando para interpretações diversas”, observou Florisvaldo Mattos, editor-chefe de A Tarde. O editor do site Bahia Notícias, Evilásio Júnior, classifica a ação como “uma medida ineficaz. Para ele, o acesso à informação tem que ser a mais abrangente possível para que os jornalistas desempenhem seu papel na sociedade.  “O que se espera pelo menos é que a atualização (no site) seja realizada de forma satisfatória, pois duas atualizações ao dia, como vem sendo feita, não dá”. Já o gerente de conteúdo da TV Aratu, Cristiano Caldeira, disse que a medida é uma  limitação que prejudica, principalmente, as emissoras de TV. “ Se a informação não circula, não tem como a gente deslocar equipes para registrar imagens e a cobertura dos programas policiais fica prejudicada. Isso porque nem sempre dá pra resgatar depois”.

OPINIÃO: Não adianta esconder as informações Por Mônica Vasku, repórter do Correio24horas Se o problema que a Secretaria de Segurança Pública pretende solucionar está na divulgação correta dos fatos para a imprensa, a estratégia não parece estar sendo eficaz. Em duas oportunidades, pude verificar  registros de assassinatos na Região Metropolitana que não foram mencionados nos boletins oficiais nos dias das ocorrências. Na quinta-feira, em contato com a delegacia de São Francisco do Conde, descobri que um foragido de Candeias havia sido morto por volta das 19h30 do dia anterior. A informação não constava no boletim divulgado às 21h da véspera, nem no que foi publicado às 6h da quinta-feira. No dia seguinte, já quase terminando os contatos com as mais de 30 delegacias da RMS, verifiquei que na unidade de Catu havia o caso de um jovem suspeito de matar o próprio pai. O crime aconteceu por volta das 21h e, apesar de chamar a atenção  de milhares de leitores do site do CORREIO, passou despercebido pelo boletim. Cercear o direito de acesso à informação sobre ocorrências policiais não parece ser a melhor estratégia. Como profissional que lida dia a dia com a apuração, posso dizer que, independentemente da vontade das autoridades,  informação sempre aparece, de um jeito ou de outro, agrade ou não a sua divulgação a quem deveria estar trabalhando para reduzir a violência e não para escondê-la.

Site da Secretaria de Segurança Pública passou a divulgar registros através de boletim

Rio tem boletins atualizados sobre violênciaSempre nos holofotes  quando o tema é a violência, o Rio de Janeiro também já viveu seus dias de mordaça. Mas hoje não há restrição ou proibição na divulgação dos fatos em nenhuma das delegacias ou batalhões de polícia. Além disso, desde 2005, a transparência foi reforçada, quando os números estatísticos de criminalidade passaram a ser auditados pela Corregedoria Interna da Polícia Civil, já que os relatórios são feitos com base nos registros de ocorrência gerados pelas delegacias.Instituições externas como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Fundação Getulio Vargas (FGV), além de ONGs que tratam do tema segurança pública, também passaram a fazer as confirmações da veracidade dos números. Os dados são divulgados mensalmente pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), ligado à Secretaria de Segurança Pública (Seseg). “O relatório sai com os registros de 39 tipos de delitos e com comparações do mês com número do ano anterior, do trimestre com o mesmo período do ano anterior e o consolidado do ano. Isso é transparência. Como cidadão, me sinto mais tranquilo”, diz João Batista Porto, analista criminal do ISP e policial civil no Rio.