Após polêmica, público lota livraria flutuante: 'Para saberem que somos de bem'

Livraria fez publicação de cunho discriminatório; ‘Cidade conhecida por adorar espíritos e demônios’

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  • Tailane Muniz

Publicado em 26 de outubro de 2019 às 15:02

- Atualizado há um ano

. Crédito: Tailane Muniz/CORREIO

Exu não é demônio e espíritos existem em todos os lugares, defende a secretária Tânia Rehen, 55 anos. Ela faz referência a uma publicação feita no perfil do Facebook da maior livraria flutuante do mundo, a Logos Hope, abrigada em um navio de nove andares, atracado na capital baiana desde a sexta-feira (25).  

No texto sobre os dez dias em que vai permanecer cidade, a organização sugere que os seguidores peçam “proteção, força e sabedoria para os tripulantes” porque Salvador é “conhecida pela crença das pessoas em espíritos e demônios”. Um absurdo, resume Tânia. “Nossa cultura precisa ser respeitada”. 

Mesmo com o descontentamento, ela foi uma das centenas de pessoas que lotaram a embarcação, neste sábado (26), segundo dia de visitação. Já havia se preparado para conhecer o acervo com mais de 5 mil livros da Hope, mas confessa que teve uma motivação a mais, após post polêmico. 

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“Honestamente, vim para saberem que somos de bem. Que somos pessoas com carga cultural e que não há nada de mau nisso”, destaca, ao traçar relação entre a publicação de tom discriminatório com o fato da capital baiana tem hábitos diretamente ligados à cultura de religiões de matriz africana.  Ícaro, Cláudia (centro) e Tânia visitaram navio: 'Postagem absurda' (Foto: Tailane Muniz/CORREIO) Acompanhada de uma amiga, a secretária afirma, contudo, que foi bem tratada nas dependências no navio, operado Good Books For All (GBA), uma organização de origem cristã da Alemanha, que cobra R$ 5 por pessoa pelo acesso. Na parte interna, onde passou cerca de uma hora e meia, Tânia lamenta, contudo, a “desorganização”. “Minha única crítica é quanto à organização. Ficamos apertados e não pudemos explorar os espaços. Podia ser melhor, mais folgadinho”.

‘Não deu pra levar nada’ A capacidade para uma média de 442 pessoas também é a principal queixa da autônoma Cláudia Andrade, 42. Além do conteúdo da publicação, que considerou “um abuso”. “Fomos bem tratados por eles, são muito educados, mas o que disseram sobre nós é inaceitável”, critica.

Quanto à visitação, reafirma o que diz a amiga Tânia. “Aí foi que fiz mesmo questão de vir. As pessoas precisam ter mais cuidado com o que dizem. Foi um passeio legal, mas seria mais se eles fossem um pouco mais organizados. Para entrar é tranquilo, mas na área interna parece show de tão cheio, filas enormes, não deu pra levar um livro”, destaca.

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Maior navio da organização, que já possuiu também os navios Logos, Doulos e Logos II - que, juntos, já passaram por mais de 160 países - o Logos Hope esteve também em Santos, Rio de Janeiro e Vitória, cidades às quais não fizeram as mesmas referências, lembra a professora Cristina Silva, a par da polêmica envolvendo a organização, que retorna ao Brasil 20 anos após a primeira passagem.

Cristina viu o pedido de desculpas da organização, que se justificou. “A postagem não foi oficialmente sancionada pela OM no Brasil, tão pouco pelo Logos Hope e não reflete, de nenhuma maneira, nossos princípios e valores que são a educação, a liberdade religiosa, o respeito, a tolerância e o amor ao próximo", afirmou a ONG responsável. Post que gerou polêmica (Foto: Reprodução) “Mesmo assim, para mim toda religião precisa ser respeitada. Como você pode se referir, dessa maneira, à cultura de todo um povo?”, indaga. 

Diz que resolveu ir por curiosidade, antes mesmo de ter conhecimento da publicação, na manhã de hoje, horas antes de chegar no porto. “Minhas expectativas nem foram atendidas. Achei um tanto quanto desorganizado, não sei, creio que precisam melhorar muito para chegar ao nível do que divulgam”.

Na contramão das críticas ao espaço da livraria - e até mesmo ao post - a estudante Uilma Salomão, 26, diz que ir até o navio foi uma “escolha acertada”. Comenta que não se sentiu ofendida. “Não vi nada de ofensivo no que disseram”, garante. Quanto à “crença” dos soteropolitanos a “demônios”, Uilma concorda.

“A cultura daqui é mesmo de espíritos e demônios, o que tem nisso? Achei que eles não tinham a intenção de ofender, apenas falaram o que escutam”, argumenta. A estudande prefere não citar, no entanto, a quantos e quais demônios se refere. Soteropolitanos lotaram segundo dia de visitação (Foto: Marina Silva/COIRREIO)