As reações de pobres e ricos quando Papai Noel não esquece ninguém

Para a criança que mora num prédio do Itaigara ou nas ruas do Centro, a alegria de ganhar presente é a mesma

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 25 de dezembro de 2017 às 22:20

- Atualizado há um ano

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. por Foto: Betto Jr./CORREIO

Cada um tem o Papai Noel que pode. Na Avenida Sete de Setembro, para crianças que estavam na calçada, ele era careca, usava óculos e dirigia um táxi. Uma bola de plástico surgiu da janela e o menino Isaías Carlos, 13 anos, recebeu e já correu para o abraço. A alguns quilômetros dali, no Parque da Cidade, no Itaigara, os irmãos Eduardo, 8 anos, e Giovana, 5, pedalavam suas bicicletas novinhas em folha. Quando Noel chegou, eles dormiam tranquilos e os presentes apareceram como num passe de mágica.

No dia do Natal, apesar das diferenças abissais entre um mundo e outro, era possível enxergar muita coisa em comum naquelas crianças. O mesmo sorriso, a mesma alegria. “A gente fica aqui na rua, a gente dá esse plantão na véspera e no dia de Natal só para ver eles sorrindo. Nada paga a sensação que eu sinto quando vejo essa alegria”, explicou a desempregada Carla Santos da Silva, 33.

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Moradora de rua, ela estendeu alguns papelões na calçada e ficou em um ponto estratégico, entre a Avenida Sete e o Politeama. Além de Isaías, ela recolhia brinquedos para Thierry, 7, e Davi, 1 ano. “Natal é em família, né? E minha família são meus três filhos. Olha como eles estão felizes”, apontou Carla, que se juntou a dezenas de outras famílias de baixa renda que também recolhiam presentes de quem passava pelo Centro de Salvador disposto a contribuir.

No Parque da Cidade, os pais de Eduardo e Giovana também vibravam com a alegria dos filhos, mas sem perder de vista a consciência de que o Natal não chega igualmente para todos. “A gente tenta colocar para eles que ninguém tem tudo. Claro, tivemos condições de comprar duas bicicletas, fazemos questão de manter a fantasia do Papai Noel, mas não estimulamos o consumismo”, afirma o dentista Luciano Castelucci, 48. Os irmãos Eduardo, 8 anos, e Giovana, 5, estreiam suas bicicletas novas no Parque da Cidade, ao lado dos pais (Foto: Betto Jr./CORREIO) Para ele, o segredo é quebrar os parâmetros de comparação com os que têm mais condições. A referência tem que ser os que sequer recebem a visita do Papai Noel. “Eles chegam da escola dizendo que fulano tem o brinquedo tal e cicrano tem o celular tal, o tablete ou a mochila tal. É aí que a gente mostra que muitas crianças têm muito menos do que eles. Muitas crianças não ganham presentes de Papai Noel”, lembra Luciano. “Eles precisam estar satisfeitos com o que têm. Se não for assim, vão se tornar adultos frustrados. Ninguém tem tudo”, conclui o dentista.

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De volta ao Centro da cidade, justamente uma pessoa que quase nada tem viajou mais de 450 km para fazer a alegria dos sete sobrinhos. Desempregada, a transexual Joelma Mendes, 23, veio de Aracaju para passar o Natal nas ruas de Salvador.“Vim pegar presentes doados e levar para os meus sobrinhos. Soube que aqui rolava mais brinquedos. Estou achando ótimo. Realmente valeu a pena”, disse Joelma.Mas, como essa Mamãe Noel da vida real – e sergipana – conseguiu vir de tão longe sem um real no bolso e sem trenó? Viajou com a ID Jovem – a identidade social que possibilita vagas gratuitas ou com desconto no sistema de transporte coletivo interestadual.

“Em dois dias aqui já fiz alguns amigos. Carla é um deles. O espírito do Natal também está nas ruas”, disse, abraçando a mãe de Davi, Isaías e Thierry, este último contando as notas de R$ 2 e as moedas que juntou das doações. “Aqui é para comprar meu caderno”, disse Thierry, preocupado com a volta às aulas, apesar de morar na rua com a mãe.“Eles estudam. Apesar da alegria, quero que eles passem muitos natais melhores do que esse”, diz Carla.Sem a mínima preocupação com o material escolar, a pequena Nalu, 4 anos, também curtia sua bicicleta nova no Itaigara. Ganhou também uma boneca e um kit de médico. Mais sorte do que ter sido lembrada por Papai Noel, só o fato de ter avós conscientes da realidade social. Tanto que, para cada um dos presentes que ganhou, Nalu terá que doar um brinquedo antigo para uma criança carente.“Tentamos despertar nela essa consciência de dar a quem não tem. O Natal não pode ser apenas uma data comercial”, disse o avô, Aurifeson Silva de Souza, 40.