Atenção básica para todos

'É preciso atuar preventivamente e não ficar esperando que a doença bata à porta'  

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  • Waldeck Ornelas

Publicado em 5 de julho de 2020 às 12:00

- Atualizado há um ano

O campo de atuação das prefeituras na área da Saúde é a baixa complexidade, é o da atenção básica. E isto já é muito. Mais atenção básica para todos, ao invés de ficar procurando suprir necessidades não cobertas pelo Estado ou pela União. A hierarquização do sistema de saúde é um preceito constitucional. Não adianta pretender suprir a omissão de outros níveis de governo porque não vai alcançar, ainda que queira. Cada macaco no seu galho. Mais importante do que um pequeno município tentar montar um hospital de segunda é a sua Prefeitura manter fluida a rede de drenagem pluvial; desobstruídos os cursos d’água; a limpeza urbana funcionando com eficiência; viabilizar o abastecimento de água e o esgotamento sanitário. Todas estas são medidas que resultam na melhoria das condições de saúde da população, evitando a disseminação de doenças. É preciso atuar preventivamente e não ficar esperando que a doença bata à porta.   Hoje, os municípios em geral se debatem com a elevação crescente e continuada dos gastos com a saúde. Mas, ao mesmo tempo, mantêm um baixo nível de qualidade dos serviços disponibilizados à população; nos almoxarifados remédios se perdem por vencimento do prazo de validade; não há controle dos estoques nem eficiência na distribuição às unidades de saúde; o atendimento costuma funcionar em horário de repartição pública, fechando para o almoço e sem expansão, quando o trabalhador pode buscá-lo; não há controle de produção das equipes médicas. São mazelas municipais que precisam ser corrigidas com urgência para prestar melhor serviço à população.

  Na medida em que tenha garantido boa qualidade e cobertura na atenção básica de saúde, também diminuirá consideravelmente o vai e vem das ambulâncias transportando os enfermos para as capitais, em busca do atendimento hospitalar. Por sua vez, a descentralização regionalizada dos serviços de saúde, pelos estados, melhoraria ainda mais o atendimento e reduziria os custos. 

Há programas que são essenciais, em que o país se destaca, e que são executados na ponta – vale dizer, nos municípios e, nestes, nas USF e UBS – com eficiência e qualidade, a exemplo da vacinação e da atenção à maternidade e à infância. É preciso que o sistema de ensino médico encare de forma objetiva e direta a formação de profissionais para atuação na ponta, na linha de frente da atenção básica, permitindo o foco na saúde coletiva, o fortalecimento das equipes multidisciplinares, a prática da vigilância à saúde e a cobertura territorial do atendimento.  

Hoje é comum as prefeituras manterem um dispensário especial só para os medicamentos prescritos não pelos médicos, mas pelo Judiciário, o que constitui mais um exemplo da interferência indevida de outros Poderes e instituições nas diversas áreas administrativas, especialmente nesta, onde a emoção e o sentimento tendem a falar mais alto que a razão. A chamada judicialização da saúde é algo que precisa ser equacionado no país.   O SUS é um sistema único, regionalizado e hierarquizado. O atendimento universal é assegurado, mas é inadequado mandar atender a tratamentos experimentais ainda não validados pela ciência, e impossível arcar com tratamentos no exterior, para citar apenas dois exageros que, invocando indevidamente a Constituição, o Judiciário tem cometido.    Não vale a desculpa do coronavírus. Aí está todo ano a dengue para nos mostrar a fragilidade do sistema de saúde em nosso país. Ao contrário, é de se esperar que a pandemia sirva, quando menos, para provocar uma grande reavaliação da estrutura do sistema de saúde que temos (in)disponível para a nossa população, e que possamos evoluir para um planejamento que, começando da base do sistema para cima, dote todos os municípios de condições adequadas para atender às necessidades básicas de saúde da população. 

Waldeck Ornelas é especialista em planejamento urbano-regional.