Ato pede justiça pelas mortes de tio e sobrinho acusados de furto em mercado

Representantes do movimento negro se reuniram em frente ao Atakarejo de Amaralina

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  • Wendel de Novais

Publicado em 30 de abril de 2021 às 16:37

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Paula Froés/CORREIO

Mesmo sob chuva, dezenas de pessoas do Movimento Negro se reuniram na frente do Atakadão Atakarejo do Nordeste de Amaralina para protestar contra a morte dos jovens Bruno Barros da Silva, 29 anos, e Ian Barros da Silva, 19, tio e sobrinho que teriam sido flagrados pelos seguranças furtando carne no estabelecimento e que tiveram os corpos encontrados no porta-malas de um carro na localidade da Polêmica, em Brotas, na última segunda-feira (26).

Participaram da manifestação representantes de entidades como a Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), Coletivo dos Malês, Partido Unidade Popular e União de Negros Pela Igualdade (Unegro).  Protesto pacífico aconteceu também no interior do Atakarejo (Foto: Paula Froés/CORREIO) Revolta contra o mercado

Na ocasião, Eldon Neves, presidente da Unegro, um dos movimentos que participou do protesto, afirmou que o Atakarejo tomou para si a responsabilidade de julgar, que é das autoridades de segurança pública.

"O nosso ato se faz necessário porque foi um crime brutal depois de um suposto furto de carne em que o Atakarejo, quando pegou os dois, se utilizou de uma lei própria, que prendeu, julgou e puniu. Uma ação deliberada de um racismo estrutural, que acredita ter poder sobre vidas negras", declarou Eldon afirmou que Atakarejo julgou e puniu jovens (Foto: Paula Froés/CORREIO) A manifestação também criticou a posição do Atakarejo, pedindo que a organização se posicionasse de maneira mais direta e desse luz a situação. Eslane Paixão, presidenta do Partido Unidade Popular, disse que a rede precisa ser responsabilizada pelo crime. 

"Nós entendemos que esse crime foi também cometido por esse mercado, que precisa ser responsabilizado por isso. Estamos aqui, protestando, porque não é uma ação isolada, não é a primeira vez que supermercados matam nosso povo achando que somos descartáveis", declarou Eslane, lembrando o caso em que seguranças do Carrefour mataram um homem negro no Rio Grande do Sul. Eslane pediu a responsabilização do Atakarejo (Foto: Paula Froés/CORREIO) Atakarejo responde

A reportagem do CORREIO procurou o Atakarejo para obter um posicionamento da rede sobre o protesto. Por meio de nota, o mercado voltou a afirmar que não está de acordo com qualquer tipo de ação criminosa e que vai colaborar com a justiça com as informações necessárias. "O grupo Atakadão Atakarejo reitera o seu comprometimento com a observância dos direitos humanos e com a defesa da vida humana digna, não compactuando com qualquer tipo de violência", escreveu.

Questionado se já havia afastado ou demitido os funcionários envolvidos no caso, o Atakarejo não respondeu sobre isso e afirmou que aguarda a resolução do caso pela investigação e espera que os culpados sejam punidos. "O grupo aguarda o encerramento das investigações, que correm em segredo de justiça para a elucidação do caso e espera a punição de todos os culpados", concluiu. 

De acordo com informações da Polícia Civil, não foi encontrado nenhum registro de ocorrência realizado pela unidade da rede de mercados sobre o caso de Bruno e Ian.

MP acompanha O Ministério Público do Estado da Bahia informou que está acompanhando o caso do tio e sobrinho que foram achados mortos no porta-malas de um carro na Polêmica, em Brotas, na segunda-feira (26). Segundo familiares, eles foram mortos por traficantes depois de serem acusados de furtar comida no Atakarejo de Amaralina. Um funcionário do local teria chamado os traficantes após flagrar Bruno Barros da Silva, 29 anos, e Ian Barros da Silva, 19, furtando.

O MP diz que "adotou as providências cabíveis nesta fase preliminar de apuração, autuando uma notícia de crime e  encaminhando ao Núcleo do Júri da Capital, para fins de acompanhamento das investigações que, conforme noticiado pela imprensa, já vêm sendo realizadas pela Polícia Civil". 

Segundo parentes, Bruno chegou a ligar para pedir dinheiro para pagar por produtos que eles teriam furtado no supermercado. Ele falou que o segurança havia afirmado que iria entregá-los para traficantes.  (Foto: Reprodução) Elaine Costa Silva, mãe de Ian, explicou que Bruno chegou a entrar em contato com uma amiga pedindo que conseguisse R$700 para pagar as carnes que eles teriam furtado e dizendo que os seguranças estavam entregando os dois a traficantes. “Ele ligou de dentro do mercado pelo WhatsApp, porque nem crédito ele tinha no celular, pedindo R$ 700 para pagar as carnes, mas não deu nem tempo da gente ir até lá. Ele falou ‘os seguranças já estão me entregando para os bandidos, pelo amor de Deus não me deixa ser morto’", revelou Elaine.

A mãe de Ian disse que a família ainda tentou conseguir o dinheiro. “Essa amiga dele ligou para mim avisando e chegamos a juntar R$ 300, mas eles não deram a chance de ir levar o dinheiro”, narrou. Elaine também falou sobre o furto que teria sido cometido por tio e sobrinho: “A gente estava passando por dificuldades, eles podem ter feito isso, mas eu não entendo aquela quantidade toda de carne, não sei se foi isso mesmo porque R$ 700 de carne é muita coisa”, completou.

De acordo com outro familiar de Bruno e Ian, que preferiu não se identificar, os traficantes que torturaram e mataram a dupla teriam pedido recompensa em dinheiro para liberá-los. “Os seguranças do mercado pediram R$ 700 e os traficantes pediram R$ 10 mil”, contou. Os autores da ligação não teriam informado onde a entrega do dinheiro deveria ser feita.

A Polícia Civil informou que as investigações estão em estágio avançado e que o caso de duplo homicídio está sob responsabilidade da 1ª Delegacia de Homicídio (DH/Atlântico) e que tem indicativo de quem cometeu o crime. Equipes da unidade realizaram rondas na região para tentar localizar os suspeitos, mas até agora ninguém foi preso. Algumas testemunhas já foram ouvidas no DHPP e outras ainda serão chamadas.

Relembre o caso Os corpos foram encontrados no porta-malas de um carro, com marcas de tortura e de tiros, e identificados pela polícia. Segundo os familiares de Bruno e Ian, após serem acusados de furto no supermercado, os dois teriam sido entregues a traficantes por funcionários do estabelecimento. 

Fotos que circulam nas redes sociais mostram tio e sobrinho em três momentos. O primeiro logo após eles terem sido flagrados roubando carne na rede de supermercado. Os dois estão agachados numa área interna do estabelecimento, ao lado dos produtos que teriam sido furtados e de um homem, apontado como segurança da loja.

O segundo momento mostra tio e sobrinho sentados numa escadaria do Boqueirão - local do crime. Depois, os corpos foram levados para a Polêmica.

“Foram mais de dez [bandidos], todos armados, e levaram eles para o Boqueirão. Lá, deram mais de 30 tiros de metralhadoras, pistolas, escopeta e ainda deram facadas”, disse um amigo das vítimas, que também teve o nome preservado. 

Por meio da assessoria de comunicação, a rede de supermercado informou que "o Atakarejo é cumpridor da legislação vigente, e atua rigorosamente comprometido com a obediência às normas legais. Não compactua com qualquer ato em desacordo com a lei".