Ator baiano Caco Monteiro interpreta último sobrevivente do Vale do Pati em monólogo

Godó, o Mensageiro do Vale é primeiro solo do ator, que também é responsável pelo texto; estreia acontece no TCA

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  • Da Redação

Publicado em 28 de março de 2017 às 09:34

- Atualizado há um ano

Tradição na Chapada Diamantina, o godó de banana verde com carne seca surgiu na época do garimpo como um alimento de sobrevivência e atravessou o tempo se transformando em um dos pratos mais conhecidos da região.Foi inspirado na história dessa comida  que surgiu um outro Godó, o Mensageiro do Vale,  criado pelo ator baiano Caco Monteiro, 57 anos. “Godó é um velho de 90 anos, último sobrevivente de uma comunidade de duas mil pessoas, que viveu no Vale do Pati, também na Chapada Diamantina. É um personagem da resistência”, explica o ator, que  pela primeira vez, nos quase 40 anos de carreira, escreve uma peça teatral. Caco Monteiro interpreta cinco personagens e se vale de poucos recursos cênicos (Foto: Claudia Zakka/ Divulgação)O espetáculo, que será encenado amanhã e quinta na sala principal do TCA, ainda ganha temporada em abril no Teatro Sesi Rio Vermelho.ComunidadeAntes de estrear em Salvador, Godó, o Mensageiro do Vale, foi apresentado para a comunidade do Vale do Pati, de onde surgiu todo o enredo. “Foi uma noite mágica, acendi uma fogueira, sob uma linda noite de lua cheia, coloquei os nativos de três gerações ao redor e encenei o espetáculo. A verdade é que me senti um ancião de uma aldeia contando a história de seu povo para seu próprio povo”, lembra Caco.O espetáculo é uma ficção inspirada em fatos reais, acontecidos no local entre os anos de 1937 e 1985, quando os moradores foram obrigados a deixar o Vale do Pati após um decreto governamental que proibiu o cultivo do café. “Em 2003, quando visitei pela primeira vez o lugar, eu fiquei muito impressionado com a informação de que uma comunidade de cerca de 2 mil pessoas viveu lá no século passado. Até hoje,  o Vale do Pati é muito difícil de acessar, tem de subir e descer serra, cruzar rio, passar por muita vegetação. Você fica louco com aquele lugar, onde a luz elétrica chegou há menos de dois anos”, comenta.Ator conheceu o Vale do Pati em 2003 e há 14 anos pesquisa temas para peça(Foto: Mauricio Requião/ Divulgação)Foi depois dessa experiência e de ouvir essas histórias que Caco começou um processo de entrevistas com os anciões do vale e do entorno. Por isso, mais do que dialogar com questões socais e antropológicas, Godó é uma imersão no mundo mágico de uma região que se manteve praticamente isolada da civilização.Inicialmente, o projeto envolvia realização de documentário e a escritura de um livro, por isso, as entrevistas foram filmadas, totalizando quase 20 horas de gravação. Por falta de recursos, somente a peça foi realizada.Além de ser o primeiro texto teatral escrito por Caco Monteiro, essa é também a primeira vez em que ele atua em um monólogo. “Nunca tinha trabalhado em um monólogo e nem gosto dessa palavra, me remete a monótono”, destaca Caco .DesafioTalvez, por conta disso, ele tenha criado diálogos e outros quatro personagens, todos interpretados por ele. Com uma narrativa que usa do recurso do flashback, Godó leva o espectador ao seu mundo fabular, retornando a infância, ao convívio dos pais, além da galinha Zenaide e do amigo imaginário Biziu. “Faço cinco personagens em cena e não troco de roupa para diferenciá-los. O espectador percebe que é um outro através do gesto, do olhar”, comenta.Essa opção cênica tem tudo a ver com o diretor inglês John Mowat e seu Teatro Físico e Visual. “O teatro dele é o teatro em que acredito, o teatro na sua pura essência, no qual o que importa é o ator e o texto, sem cenário, sem iluminação cênica, sem música, somente os atores e o texto”, diz Caco, que teve de ensaiar em inglês, já que John não sabe português.Godó leva o espectador ao seu mundo fabular, retornando a infância, ao convívio com o pai e a mãe, além da galinha Zenaide e do amigo imaginário Biziu (Foto: Mauricio Requião/ Divulgação)A vontade de levar o espetáculo para qualquer lugar do mundo fez Caco optar pela simplicidade de recursos cênicos. “Temos poucos elementos, quase cenário nenhum e uma ótima luz. Criamos um espaço de 5x5 e levo para lá, para essa espécie de caverna, uma bruaca, um casaco, uma galinha de pano, uma cachaça, uma latovela e um incensador”, detalha.É por isso que, para ele, não há grande diferença em encenar Godó no Vale do Pati, no TCA ou no Teatro Sesi.MudançasUm dos mais atuantes atores baianos, Caco Monteiro transita entre cinema, teatro e televisão. Atualmente, ele está em cartaz nas telonas no filme Travessia, do também baiano João Gabriel. No longa, estrelado por Caio Castro e Chico Díaz, ele vive Arnaldo.Quem for ver o filme vai perceber o quanto Caco mudou fisicamente de lá para cá. “As pessoas se impressionam muito com a minha transformação. Deixei o cabelo e a barba crescerem, deixei os fios mais claros”, comenta.Toda preparação física e gestual fez o ator se sentir um verdadeiro ancião. “Acho que Deus me colocou essa missão de falar sobre o Pati, que é um lugar mágico mesmo. Acho que Godó vai tocar no coração das pessoas. Tocou no das crianças, que têm a pureza da alma...”, deseja. 

Serviço: Sala Principal do Teatro Castro Alves, 29 e 30 de março (quarta e quinta), às 20h. Ingressos: R$ 40 e R$ 20, à venda na bilheteria do TCA no site ingressorapido.com | Sábados e domingos de abril, às 20h, no Teatro Sesi Rio Vermelho. Ingressos: R$ 50 e R$ 25, à venda na bilheteria do local.