Atriz descobre que sofreu violência psicológica ao interpretar vítima de abuso

Saiba como identificar uma relação tóxica e como enfrentá-la

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  • Laura Fernades

Publicado em 1 de março de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação
Cena do espetáculo O Jogo por Foto: Divulgação

A descoberta de que tinha sofrido violência psicológica veio para a atriz e cantora Milah Coutinho, 27 anos, quando estava em cena interpretando uma personagem que foi abusada. “A violência era muito forte, mas eu não enxergava. A pessoa tentava fazer pressões sobre minhas ações, tentava me fazer executar algo que eu não queria e ser quem não sou. Essa peça chegou pra me libertar”, revela.

Tema que ganhou destaque nas últimas semanas por causa do Big Brother Brasil, a violência psicológica é central no espetáculo a que Milah se refere, que está com temporada virtual de 06 a 21 de março, com ingresso pelo Sympla. O Jogo, peça que cumpriu temporada no Rio de Janeiro, é uma versão brasileira do premiado texto da venezuelana Mariela Romero sobre duas mulheres abusadas por um homem.

Ambas vivem em cativeiro e, para sobreviver à realidade hostil, fazem jogos de submissão e crueldade uma com a outra. “Muitas vezes você deixa o outro ter um poder que ele não deve ter sobre você, sobre seu corpo, sobre suas ações. Através do relacionamento abusivo, o outro nos faz sentir que não somos capazes, nos faz ter baixa autoestima. Importante ter essa consciência e a arte tem esse papel”, defende a atriz.

Vergonha Assim como Milah, outras pessoas demoram para identificar o abuso psicológico por conta da sutileza dessa violência que muitas vezes fica “escondida nos bastidores, no terreno doméstico e vem permeada muitas vezes de vergonha e de silêncio”, explica a psicóloga Sandra Rolemberg, 38 anos, especialista em terapia familiar e conjugal. 

A profissional destaca que é difícil identificar um relacionamento abusivo porque muitas vezes essa é a tônica da relação, o modo dela operar, funcionar. Seja entre casais ou até mesmo entre pais e filhos, com os meninos aprendendo desde pequenos que o uso da força é uma qualidade e uma forma de resolver os problemas.

“A gente vem de uma cultura onde a agressividade, o uso da ameaça, do poder, é legitimada nas relações, principalmente quando a gente fala da educação infantil. Usar a ameaça para exigir que a criança seja obediente a um adulto, com um lugar de poder instituído, faz com que a gente naturalize e banalize a atitude de abuso”, alerta Sandra.

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Quando a violência psicológica se dá entre adultos, a psicóloga explica que é comum observar comportamentos como o de deslegitimar as competências do outro, minar a autoestima e fazer a pessoa acreditar que não vai conseguir seguir a vida sem o par. “É a ideia de que a pessoa está sempre inadequada, errada. E aí atribui a ela uma patologia: ‘Você é louca, você é louco, desequilibrada, desequilibrado’”, cita.

Tóxico A importância de refletir sobre esse tema, portanto, é enorme de acordo com o psicólogo Anderson Chalub, já que é necessário ter “um nível de consciência cada vez maior de quando a gente é vítima ou até algoz de relações tóxicas, onde o abuso psicológico é presente”. A naturalização desse tipo de violência “invisível” é “um perigo”, reforça. 

“É muito assustador para uma pessoa que vive uma relação tóxica, seja como abusador, ou como a pessoa violentada. Se você entra na naturalização dessa violência é preciso que um terceiro que esteja de fora seja os grandes olhos para mostrar o que está acontecendo, em termos de violência. São esses olhos que muitas vezes servem de alarme”, alerta Chalub.

Na hora de identificar um relacionamento abusivo, o profissional destaca que o primeiro ponto para se pensar é se a pessoa está se descaracterizando ao longo da relação. “É como se você não se reconhecesse mais. Perdeu a alegria, a vontade de viver, está encolhido como se não tivesse sonhos, planos. É quando você já não se reconhece mais enquanto bem-estar psicológico, saúde emocional”, explica.

Outros pontos precisam ser observados (veja a seguir), mas um que se destaca na opinião de Chalub é o uso do poder e a competitividade entre os casais. “Casamento é parceria e não competição. Quando prevalece a competição e uma hierarquia de poder, onde um manda e o outro obedece, onde só um tem a bússola para onde vai a relação, isso é também é abuso psicológico”, alerta.

Uma relação a dois “deve promover o melhor do outro e não o pior do outro”, defende o psicólogo. “Com isso não estou dizendo que não vão ter fases difíceis, mas os dois estão juntos para resolver, e não pra um atacar o outro, humilhar, diminuir”, compara. Para se libertar, o profissional indica o processo terapêutico.

Sandra Rolemberg reforça que, para se libertar, é necessário primeiro reconhecer e a arte entra como ferramenta de ajuda. “Os programas de televisão, o cinema, a literatura, a música e o teatro trazem pra gente a possibilidade de ser espelho do que acontece na nossa sociedade. Muitas vezes, quando a gente vê o retrato da nossa vida através dos personagens, através de uma história, fica mais fácil reconhecer algumas atitudes”, indica.

Fique atento aos sinais de uma relação abusiva

- Descaracterização. A pessoa não se reconhece mais. Perdeu a alegria, a vontade de viver, se sente encolhida na relação, sem sonhos e planos; - Ciúmes recorrentes. Fazem a pessoa se sentir acuada, oprimida. Ela passa a controlar sua vida para dar satisfação ao outro. Vive em função dele; - Opressão. A pessoa se sente profundamente criticada, humilhada e começa a acreditar que ela é aquilo que o outro está dizendo; - Uso de crianças e adolescentes para atingir o parceiro ou a parceira. Rede familiar que envolve os filhos como forma de ameaça; - Uso do poder na relação como forma de acuar o outro. Um manda e o outro obedece.