Aumento de casos de covid-19 leva sistema de saúde baiano à beira do colapso

Fila de regulação de doentes e número diários de mortes teve salto em 10 dias

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 17 de fevereiro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

O sistema de saúde baiano inspira cuidados e preocupação, segundo afirmam os secretários de Saúde de Salvador (SMS) e da Bahia (Sesab), Léo Prates e Fábio Vilas-Boas, respectivamente. Isso porque a fila para a internação de pacientes com a covid-19 não para de crescer. Além disso, nos últimos 10 dias, houve aumento na média de mortes diárias pela doença causada pelo novo coronavírus no estado. Em 06 de fevereiro, 40 pessoas tinham morrido pela infecção na Bahia. Nesta terça-feira, 16, o número de óbitos saltou para 66. No auge da pandemia, no ano passado, 70 mortes diárias foram registradas no estado.  

Já o número de pessoas que aguardavam leitos para internação no estado chegou a atingir 104 nos últimos dias, segundo o secretário estadual Fábio Vilas-Boas. Esse número costumava ficar em 30. “Hoje, 80 pessoas não conseguiram. Isso significa que tem 80 pessoas que não são atendidas na hora que precisam, por causa da pressão no sistema”, explica o secretário, que garante ainda estar conseguindo fazer a regulação de pacientes com covid-19 em um prazo de 24 horas. “Mas está ficando cada vez mais difícil”, lamenta. 

Caso o número de pacientes aguardando internação continue crescendo nessa velocidade, é possível que o sistema de saúde do estado entre em colapso. “Tem unidades hospitalares de Salvador que já estão 100% ocupadas, apesar da taxa geral ser menor, em torno de 75%. Nós regulamos no sábado, junto com o governo do estado, 54 pessoas. Ontem (na segunda, 15) foram 48. Mas no auge da pandemia eram 60. O sistema está muito mais pressionado”, alerta Léo Prates, que comanda a pasta municipal da Saúde.  “Ou nós revertemos a curva de crescimento ou, em breve, teremos que tomar medidas duras. Se a curva de crescimento for mantida, corre o risco de colapso. Mas é claro que o governador e o prefeito agirão antes disso acontecer”, diz o secretário Léo Prates. Já Vilas-Boas lembra que existem medidas a serem tomadas para evitar esse colapso, como restrição de circulação das pessoas e isolamento social. Nesta terça-feira, 16, o governador Rui Costa, inclusive, anunciou o decreto sobre o toque de recolher no estado, que será publicado nesta quarta, 17, e entrará em vigor na sexta-feira, 19.

No entanto, o problema vivido pelas autoridades é a velocidade com que a doença tem se espalhado nos últimos dias. “Se continuar do jeito que as pessoas estão transmitindo a doença umas para as outras, e se nós não conseguirmos acompanhar com o aumento de leitos, por exemplo, [o colapso] pode sim se tornar uma realidade. Nós estamos lutando para que isso não aconteça”, garante Fábio Vilas-Boas.  

Gripários 

O agravamento da situação nas unidades de saúde já ocorre nos gripários de Salvador, que funcionam nas Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) dos Barris, Pau Miúdo, Paripe e Pirajá voltados para os pacientes com sintomas gripais, característicos também da covid-19. O CORREIO foi até a UPA dos Barris e do Pau Miúdo e constatou a grande fila de espera, doentes que chegavam a todo momento e profissionais sobrecarregados.  

Nos Barris, por volta das 11h, a situação era a mais dramática. Do lado de fora do gripário, cerca de 50 pessoas aguardavam atendimento e os carros que traziam pacientes chegavam a causar um pouco de congestionamento na entrada. 

Morador da Vasco da Gama, Jeferson Cadu, 24 anos, foi com o filho de um ano buscar atendimento. O pai estava com dor de cabeça, febre e garganta inflamada, enquanto o filho tinha catarro no peito.  “Desde sexta estou assim, mas só vim mesmo por eu ter piorado de ontem (anteontem) pra hoje. Cheguei 9h30 aqui, já são 11h e tem muita gente na minha frente. Não faço ideia de quando serei atendido. Acho que tinha que ter mais opções, tinha que ser mais rápido. Essa fila grande não deveria ser permitida”, reclamou.  

A situação também gerou estresse em alguns doentes. Um homem que não quis se identificar, em um determinado momento, teve uma espécie de surto por causa da demora de atendimento e chegou a ofender verbalmente funcionários do gripário. Ele teve que ser acalmado por três policiais militares. Depois, ao CORREIO, o homem contou que esse era o segundo dia seguido que ele ia ao local buscando atendimento.  “Ontem (na segunda, 15) me disseram que eu só seria atendido no final da tarde. Então fui embora e cheguei hoje 6h30 e até agora não consegui ser atendido. Eles alegam que tem pacientes graves que tem prioridade, mas é inadmissível ficar aqui durante 5h e não ser atendido por ninguém”, disse o rapaz, que sentia dor de cabeça e no corpo, febre e diarreia.  Uma outra mulher, que  também preferiu o anonimato, contou que saiu de Águas Claras até os Barris para buscar atendimento. “Ontem (segunda, 15) eu não imaginava que demoraria tanto e como estava sem dinheiro, com fome e cansada, voltei para casa. Vim hoje de novo mais preparada para encarar esse sofrimento”, desabafou.   Pacientes aguardam na fila para entrar em gripário (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Profissionais  

A pressão no sistema de saúde – boa parte dela também causada pelo fato das pessoas terem relaxado nas medidas de isolamento e nos protocolos para controlar o espalhamento do coronavírus - não afeta só os pacientes, mas também os profissionais que tem de lidar com a sobrecarga de trabalho.“Eles ficam estressados e acabam descontando na gente. Sempre é assim”, diz o funcionário que foi agredido verbalmente pelo paciente nervoso. “Essa quantidade de pessoas que você está vendo esperando é até tranquila em comparação com outros dias recentes”, apontou outro profissional.  Coordenador médico do gripário do Pau Miúdo, Elmar Dourado tem observado o aumento no número de atendimentos e a pressão no sistema. “Vejo que os profissionais da saúde estão com medo e cansados, desgastados. Estamos trabalhando no limite e esperamos que não haja esse colapso”, disse o médico, que tem lidado com o aumento de atendimento na unidade. “Nossa média de atendimentos mensais era 1,1 mil pessoas, o que saltou para 4,1 mil em dezembro, 4,5 mil em janeiro e, agora em fevereiro, a expectativa é ultrapassar 5 mil”, disse. 

Elmar também destaca que tem atendido mais casos de pessoas jovens e em estado grave. “São inclusive pacientes que estão demandando mais oxigênio. Estamos com uma demanda maior do que a prevista. Só hoje (ontem) chegaram dois carregamentos de oxigênio na unidade, o que não é normal. O tempo de regulação aqui ainda é inferior a 24h, mas essa semana está tudo muito complicado, seja por falta de leitos ou até transporte, devido à sobrecarga do sistema”, lamentou.  

Comparada à UPA dos Barris, a situação na unidade do Pau Miúdo era visivelmente mais confortável. Enquanto a reportagem esteve no local, três pacientes aguardavam regulação para um leito de hospital. Já nos Barris, eram quatro pessoas. A quantidade de pessoas que esperava atendimento também era menor no Pau Miúdo. A dona de casa Gisele Conceição, 34 anos, chegou ao local às 9h com o marido e o filho. O casal estava com sintomas da covid-19. 

“Fico preocupada com essa situação, pois tem muita gente minimizando o vírus. Vejo mais pessoas saindo para a rua, sendo que a população não está sendo muito vacinada. Isso tudo assusta”, disse Gisele. 

O secretário estadual de Saúde concorda com ela. “Se a vacina tivesse chegado em grande quantidade, para muitas pessoas, esse problema seria ignorado. Mas a vacina, na prática, não chegou. São poucas pessoas imunizadas e o início da vacinação está produzindo uma falsa sensação de liberdade”, argumenta Fabio Vilas-Boas. 

Camaçari

A situação preocupante não é só nas UPAs de Salvador. Os moradores de Camaçari, por exemplo, organizaram um protesto para esta quarta-feira, 16, logo mais às 9h, para reclamar da demora no atendimento para os casos de covid-19.

“São as pessoas que passaram o dia todo esperando atendimento que organizaram esse protesto. Os próprios médicos da UPA estão saturados. Eles não estão aguentando a demanda”, disse uma das organizadoras, que preferiu não se identificar.

Uma médica que trabalha na cidade, que também preferiu o anonimato, confirmou o aumento na busca por atendimento. “A UPA vive lotada, sendo a grande maioria dos pacientes com covid-19, que ficam dias esperando a regulação. Tem consultório sendo usado como internamento, a sala de procedimento também. Tem paciente ficando internado com maca do Samu, pois não temos mais estrutura”, desabafa.

Ainda segundo essa médica, o principal problema vivido é a falta de unidades para escoar os pacientes na regulação. “Além da exaustão, os profissionais trabalham tristes vendo a situação dos pacientes sem ter muito o que fazer. E, ultimamente, trabalhamos com muito medo, pois os pacientes e acompanhantes ficam irritados e descontam em nós. Essa semana um funcionário da portaria foi agredido em pleno corredor”, contou.

Em nota publicada no dia último dia 09, a Secretaria da Saúde de Camaçari (Sesau), afirmou que já estava tomando as medidas necessárias para resolver os problemas na unidade. 

*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro