Avó de jovem morto por PM acusa execução e perseguição: ‘não gosta de preto’

Famílias buscam justiça após mortes de jovens por policiais militares na Bahia

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 12 de dezembro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Leitor CORREIO

Wenes Bonfim Rodrigues, 16 anos, foi morto durante uma troca de tiros, segundo a PM; caso é investigado (Foto: Leitor CORREIO) Eram por volta de 8h do último dia 21 de novembro no bairro Alto da Colina, em Jequié, Sudoeste do estado, quando o adolescente Wenes Bonfim Rodrigues, 16 anos, estranhamente resolveu sair de casa, após ouvir barulho de tiros.

Numa das ruas do bairro, deu de cara com policiais militares e correu, o que levou a uma perseguição e captura. Duas horas depois, a avó Joselita Maria Bonfim Rodrigues, 60, com quem o rapaz morava, o encontrou morto com vários tiros no Complexo Policial da cidade.

A aposentada diz não ter dúvidas que seu neto foi executado pela PM e que Wenes não era usuário e nem traficava drogas. O único problema dele, segundo ela, era com o aprendizado escolar – com idade para cursar o ensino médio, ainda estava na 5ª série.“Várias pessoas viram meu filho (neto) sendo colocado dentro da viatura da PM e sendo levado para a área do [bairro] Curral Novo [um local mais deserto em Jequié]. Disseram que meu filho estava armado, mas ele tinha apenas o celular”, relatou ela ao CORREIO.A aposentada, que é negra e moradora de uma comunidade bastante pobre, diz ser vítima de “perseguição de um policial militar que não gosta de preto”.

Este PM, segundo ela, a levou presa no dia 5 de setembro por suspeita de roubo à casa de uma mulher que mora no mesmo bairro, situado atrás do Complexo Policial.

Dona Joselita foi solta no mesmo dia por não ser encontrado contra ela provas do roubo – um fogão e um botijão de gás.

A aposentada denunciou o caso ao Ministério Público (MP-BA), que pediu ao Comando da Polícia Militar a instauração de inquérito policial para apurar os fatos apontados no Termo de Declarações sobre a prisão de Joselita, considerada uma ação suspeita. Joselita Rodrigues, 60, chegou a ser presa sem provas e acusa perseguição (Foto: Leitor CORREIO) Sobre o homicídio de Wenes, o MP-BA declarou que “o caso encontra-se sob análise para adoção das providências pertinentes”.

A PM confirmou que abriu o inquérito para investigação dos dois casos, assim como a Polícia Civil.

Apesar das informações prestadas sobre o policial acusado de perseguição, o CORREIO não conseguiu contato com ele.

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Versão da PM A versão de Joselita para o crime contra o neto dela é rebatida pela PM. Segundo o registro da ocorrência divulgado pela Polícia Civil, Wenes estava na companhia de outro adolescente, também de 16 anos, à procura de uma pessoa identificada como Boneco, supostamente para matá-la.

Ainda não identificado pela polícia, Boneco seria outro que jovem no dia anterior à morte de Wenes teria tentado assassinar o neto de Dona Joselita. No bairro Colina, os policiais militares dizem ter sido recebidos a tiros por Wenes e o colega, ao que revidaram.

O colega de Wenes acabou baleado no braço direito e teria dito aos policiais que o jovem morto era ligado ao tráfico de drogas. Disse também, segundo o boletim, “que a arma de fogo apresentada pelos policiais militares pertencia a Jack [apelido de Wenes]”.

Depois disso, Wenes teria fugido e outra equipe da PM acionada para o caso. Ainda conforme o registro, esses policiais teriam encontrado Wenes em um matagal, junto com outros adolescentes, supostamente armados, e que deram início a uma troca de tiros na qual o rapaz acabou sendo baleado.

No material divulgado pela Polícia Civil não consta informação sobre o tipo de arma que os jovens estariam utilizando. Ao CORREIO, a Polícia Civil informou que foram apresentadas duas armas, uma delas revólver calibre 22.

Armas diferentes A avó de Wenes disse ao MP-BA que policiais informaram primeiro que o neto dela portava uma pistola, depois um revólver 32 e por último um 38. Ela disse que nunca viu o neto armado.

Na versão da PM, foi prestado socorro a Wenes, que “faleceu no hospital”. Mas Dona Joselita relatou que antes de ver o neto morto foi por duas vezes ao Hospital Regional Prado Valadares, em Jequié - onde o corpo do garoto estava, segundo informação repassada a ela pela polícia.

A Polícia Civil de Jequié instaurou dois inquéritos para investigar os fatos, “requisitando as perícias relacionadas aos casos, bem como comunicando Correpol [Corregedoria de Polícia] e MP”.

Outras mortes Enquanto na família de Wenes o sentimento ainda é de luto, nas famílias de Sandro Pereira Muniz Júnior, da cidade de Medeiros Neto, e de Bruno Silva de Jesus, de Teixeira de Freitas, é só de justiça.

No Carnaval deste ano, Bruno, então com 23 anos, foi morto por policiais militares numa ação que a família classifica como execução. O caso aconteceu em Caravelas, cidade do Extremo Sul vizinha a Teixeira de Freitas. Bruno de Jesus, 23, foi morto em Teixeira de Freitas (Foto: Leitor CORREIO) A Polícia Militar diz que houve troca de tiros, mas a Corregedoria da PM abriu inquérito para apurar o caso, que ainda segue sem solução e está sendo acompanhado também pelo MP-BA. Bruno estava com três primos, um dos quais foi espancado.“Ainda estão ocorrendo as audiências. Acho que a Justiça é lenta nesses casos que envolve policiais. Deveria ter uma resposta mais rápida, temos testemunhas de tudo”, disse a estudante de Enfermagem Camila Sousa, prima de Bruno.A dona de casa Elenilda Brito dos Santos, 47, é mãe de Sandro Pereira Muniz Júnior, morto aos 28 anos no dia 22 de maio de 2017 em Medeiros Neto, também no Extremo Sul. Um PM o teria baleado, segundo o irmão adolescente, testemunha do crime. Sandro Júnior, 28, foi morto quando ia comprar cerveja em Medeiros Neto (Foto: Leitor CORREIO) “Eles tinham ido comprar cerveja num bar, era madrugada de domingo pra segunda, e uma viatura da PM parou e começou a bater no meu filho [o adolescente] sem motivos. Eles não estavam armados, fazendo nada. Bateram nele para provocar Júnior, que não reagiu e foi procurar um tio dele que é advogado”, afirmou Elenilda.

Em Medeiros Neto, Júnior era envolvido com artes marciais e grupos de hip-hop, sendo ativo em duelos vocais de rima. Seis policiais estão sendo investigados pela morte dele, mas ainda não foram apontados culpados.