Bahia pode suprir demanda mundial de ferro

Sem novos projetos, déficit mundial pode chegar a 300 milhões de toneladas por ano

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 13 de setembro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Netun Lima / Divulgação

Algumas das principais fontes de minério de ferro utilizadas atualmente no mundo estão em declínio ou vão iniciar esse processo nos próximos anos. Junte-se a isso um aumento no consumo do minério e chega-se à previsão de um déficit de 300 milhões de toneladas do produto por ano até 2028, caso não entrem novos projetos no mercado. Para os próximos anos, espera-se um aumento contínuo de demanda em torno de 1,5% ao ano. É neste cenário em que a Bahia prepara a sua entrada em um mercado que hoje é dominado no Brasil pelos estados do Pará e de Minas Gerais.

Apenas com o Pedra de Ferro, desenvolvido pela Bamin, com um investimento de aproximadamente R$ 10 bilhões, o estado passará a produzir 18 milhões de toneladas de ferro por ano em Caetité, no Sudoeste baiano. O primeiro embarque do produto tem previsão para 2025, quando se espera que a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e o Porto Sul estejam operacionais. E na mesma região geográfica em que a Bamin tem a sua mina já pronta para operar existem outros projetos em andamento, em diferentes estágios, como o da Companhia Vale do Paramirim (CVP), além de uma área que será licitada pela Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM).

Além do compreensível e imensurável impacto social da tragédia de Brumadinho, o rompimento da barragem afetou o mercado mundial de ferro em 2019, reconheceu o diretor da CRU Group, Paul Robinson. Ele foi um dos palestrantes da Exposibram 2019, realizada nesta semana em Belo Horizonte (MG). Segundo ele, o acidente foi decisivo para interromper o movimento de alta nos preços do minério de ferro por dois anos consecutivos. “Se analisarmos um horizonte de três anos, o cenário é de um aumento de 30% nos preços”, afirmou.

Sem novos acidentes de percurso, ele acredita que o cenário em 2020 será de recuperação. Robinson destacou ainda que existe uma demanda no mercado internacional por uma oferta de minério de ferro com uma qualidade maior.

Crescimento contínuo

O diretor da Metais & Consultoria, Roger Emslie, explica que nos últimos anos o mercado mundial de mineração vinha registrando um crescimento médio de 3% ao ano. Para os próximos anos, ele aponta a tendência de uma redução no ritmo de expansão para 1,5%, mas ressalta: “ainda assim é crescimento”.

Segundo ele, há um desafio no setor por conta do movimento de declínio de minas que respondem por parcelas significativas da produção. “Há uma grande necessidade de se construir minas novas”, diz. Se o cenário atual se mantiver, projeta, vão faltar produtos em 2028. No caso do minério de ferro, a projeção é de um déficit de US$ 300 bilhões.

“Minas levam tempo para se desenvolver, de seis a doze anos, mas o cenário que está posto é do que investimentos em minas novas agora vai trazer retornos sólidos no futuro”, analisa.

É este o horizonte vislumbrado pela Bamin para os próximos anos. “Nós iremos entrar no mercado oferecendo um produto de alta qualidade”, explica o presidente da empresa Eduardo Ledsham. Em Caetité, a empresa vai produzir dois tipos de minérios, a hematita e o itabirito. No caso da hematita, o teor de ferro é de aproximadamente 65%, o que permite o beneficiamento a seco (reduzindo o uso de água). Este tipo de material vem sendo muito buscado no mercado internacional, principalmente o chinês por demandar menor consumo de energia para a transformação siderúrgica.

“No Brasil, apenas nós e a Vale, em Carajás, temos este produto para oferecer”, destaca Ledsham. “O mercado chinês paga um bônus por este produto porque há um plano do presidente Xi Jinping de zerar a emissão de carbono para a atmosfera e isso é algo que só vai se alcançar usando menos os fornos das siderúrgicas”, explica. Como a hematita tem um grau de pureza maior, demanda um menor esforço de transformação industrial.

Se a mina está pronta e existe demanda internacional, a comercialização da produção não será um problema para a Bamin. O grande obstáculo para que o potencial ferrífero baiano se torne realidade está na infraestrutura. Recentemente, o governo federal anunciou o adiamento do processo de licitação da Fiol, previsto inicialmente para este mês de setembro. A nova previsão é para o primeiro semestre do ano que vem.

“É óbvio que quando acontece um adiamento como este há uma necessidade de rever o cronograma. Existem janelas para a entrada de produtos no mercado internacional”, destaca Ledsham. Segundo ele, a Bamin tem conversas adiantadas com possíveis investidores interessados em participar do projeto. “A única coisa que falta para assinarmos (o contrato com esses possíveis parceiros) é o lançamento da licitação”, afirma.

Juntos, os empreendimentos da Bamin, mina e porto, vão gerar 10 mil empregos diretos e 60 mil indiretos na fase de implantação dos projetos, além de 1,5 mil diretos e 9 mil indiretos na fase de operação. A meta da empresa é contratar pelo menos 60% de mão de obra local. Atualmente, mais de 1,3 mil trabalhadores já estão qualificados a trabalhar em funções que serão demandadas durante a construção do Porto Sul.

Outros projetos

Próximo à Pedra de Ferro, está sendo trabalhado um outro projeto, da CVP, do João Cavalcanti. E na mesma região a CBPM anunciou recentemente um processo de licitação de área para a pesquisa de minério de ferro. “São projetos que estão em estágios diferentes, mas que tem potencial para mudar o patamar da Bahia no mercado mundial”, acredita o presidente da CBPM, Antonio Carlos Tramm.

A licitação da área foi aberta no último dia 4 e o recebimento das propostas está previsto para o dia 8 de novembro. A empresa vencedora assinará com a CBPM um contrato se comprometendo a fazer a pesquisa complementar na área, com investimento mínimo de R$ 2 milhões em até dois anos. Em seguida deverá ser requerida a portaria de Lavra junto à Agência Nacional de Mineração, que é a permissão para explorar comercialmente os minérios

Os trabalhos desenvolvidos pela empresa de pesquisa mineral estadual mostraram a ocorrência de minério de ferro  com teores médios superiores a 40% e granulação média a fina de óxidos como magnetita, martita e hematita. A extração do ferro poderá ser feita sem a utilização de barragens, com separação magnética das substâncias, segundo a CBPM. Ao final da exploração, os rejeitos deverão ser colocados de volta na cava, diminuindo o impacto ambiental.

Segurança vai definir futuro da mineração brasileira

Em meio a um protesto silencioso, a mineração brasileira recebeu um duro recado na abertura da Expoibram 2019, em Belo Horizonte. Familiares e amigos das vítimas do rompimento da barragem de uma mina da Vale em Brumadinho, a cerca de 60 quilômetros da capital mineira, aproveitaram a cerimônia de abertura do encontro para lembrar a tragédia. Não que o setor tenha esquecido dela por um instante sequer desde o último dia 25 de janeiro.

A mensagem do presidente do conselho diretor do Instituto Brasileiro da Mineração (Ibram), Wilson Nélio Brumer, foi clara: segurança é a prioridade. Ele ressaltou o momento de dificuldades enfrentadas pelo setor, mas lembrou que o melhor caminho é olhar para a frente. O futuro, defendeu, passa pela capacidade do setor em melhorar a qualidade da comunicação com a sociedade brasileira.

“Nós temos que recuperar a nossa imagem após essas tragédias. Somos um setor ruim de comunicação, que fala pouco, mas temos que abrir nossas portas para a sociedade, atender a comunidade”, defende Brumer.

Atualmente, a atividade mineral responde por 4% do Produto Interno Bruto (PIB) pelo Brasil, chegando a 16,8% de participação no total da indústria, além de responder por 36% do saldo da balança comercial brasileira. Em relação à geração de empregos, são 200 mil diretos e outros 2 milhões indiretos. O secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia, Alexandre Vidigal, acredita que há um grande espaço para o crescimento da atividade nos próximos anos.

“Sendo realista, não acredito que a gente vá conseguir dobrar o tamanho da participação no PIB porque estamos falando da sétima economia mundial, mas vejo um enorme espaço para o crescimento”, avalia. Tudo o que é preciso para atingir este objetivo, pondera, é deixar a zona de conforto. “É um setor que sempre se bastou. Normalmente, após o título minerário não precisa mais do governo para nada, então houve uma acomodação”, aponta.

Vidigal diz que a ideia do governo é se tornar cada vez mais um facilitador para a atividade. “Temos a convicção de que quanto menos atrapalharmos melhor”, ressalta. Nesta linha, o Ministério de Minas e Energia pretende trabalhar para dar respostas aos 210 mil processos que estão aguardando decisões no órgão. Vidigal anunciou um processo de recadastramento, para filtrar os processos que ainda interessam os investidores. “É tanta coisa parada que muita gente pode já ter resolvido, ou mesmo desistido”.

Ainda na tentativa de atuar como um facilitador para atrair investimentos, ele destacou um convênio entre o ministério e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para o fornecimento de dados qualificados sobre o setor mineral no país. “Hoje quando eu preciso de alguma informação sobre o setor, preciso me valer da iniciativa privada”, diz.

O secretário do Ministério de Minas e Energia lembrou ainda que o Brasil tem menos investimentos logísticos que os seus principais concorrentes. “Há um comprometimento do setor público no sentido de modificar essa realidade”, defende.

Ceo da Nexa resources, Tito Martins acredita que o futuro da mineração passa pela solução de problemas com a segurança e com os custos de produção. “Nós temos que trabalhar as pessoas, mudar as cabeças da nossa indústria. Só iremos conseguir boas alternativas se atrairmos boas pessoas, motivadas a trabalhar conosco”, acredita.

O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco defendeu a necessidade de “reinvenção” do setor mineral. Durante a participação na Expoibram ele fez uma análise sobre o cenário econômico brasileiro e destacou o potencial do setor mineral para ajudar o país a retomar o caminho do crescimento.

“Tragédias ambientais e humanas não devem provocar um movimento demonização da mineração. Os órgãos públicos também falharam”, avaliou. Ele lembrou que a Petrobras precisou lidar com acidentes graves no início dos anos 2000. No caso, da explosão da plataforma P36, o saldo foi de 11 mortes e uma guinada. “A Petrobras passou a tratar a segurança como uma área estratégica da empresa. Não podemos nos distrair nunca”, ressaltou.

“A Petrobras passou a buscar melhorias contínuas em seus processos, buscando identificar incidentes para prevenir acidentes”, destacou.

Castello Branco defendeu a importância que a produção  de commodities pode ter para o Brasil. “Aqui nós temos um feitiche pela industrialização, que infelizmente nos impede de utilizar o nosso potencial para produzir commodities”, avaliou. Para ele, a produção de bens primários está longe de ser sinônimo de uma atividade pouco desenvolvida. “A produção de petróleo no pré-sal é muito mais complexa tecnologicamente que a fabricação de carros”, comparou. Ele citou ainda os exemplos da Austrália e da Noruega, dias potências na produção de commodities, na extração de metais e de petróleo, respectivamente.

“A Austrália não tem uma grande indústria siderúrgica, mas é uma potência na indústria de infraestrutura e de serviços”, explicou. “A Noruega se especializou na extração de petróleo no mar e hoje tem uma vez e meia o PIB da Suécia, que sempre foi o país mais rico da Escandinávia”, explicou.

Para mostrar os benefícios sociais da mineração, o presidente da Petrobras citou um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que comparou o PIB per capita dos municípios mineiros entre 1980 e 2010. O resultado, segundo ele, é que nos locais onde havia produção de minérios o crescimento do indicador era em média o dobro dos que não tinham.

O presidente do Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM) Tom Butler conta que a criação do órgão que congrega um terço das mineradoras do mundo se deu diante de questões como os desastres ambientais, que ameaçavam a reputação do setor na década de 90. Butler lembra ainda que a sociedade vem se modificando e cobrando novas posturas da iniciativa privada. “As empresas são cobradas a fazer coisas que antes eram cobradas  apenas do poder público”, destaca.

É o que ele chama de um “novo contrato social”. Apenas a produção de recursos e a geração de riquezas deixaram de ser suficientes. “O que a sociedade exige de nós é que não apenas façamos bem nosso trabalho, mas que a gente faça o bem”, destacou.

Imagem do setor

O diretor de comunicação do Ibram, Paulo Henrique Soares, acredita que é necessário reconstruir a imagem do setor. “Isso não se faz apenas pela comunicação, mas com uma mudança de postura, de atitudes. Ate porque para comunicar bem é preciso que haja fatos e dados para embasar essa comunicação”, destaca.

Soares reconhece que os desastres em Minas Gerais são muito mais visíveis para a sociedade que a relevância econômica da atividade. “Somos mais de 10 mil empresas, 2 milhões de postos de trabalho e diferentes tipos de minérios, mas os fatos recentes nos desacreditam diante da sociedade”, diz. “Não posso exigir que o outro me veja de maneira diferente, sem que eu faça algo de diferente”.  

*O jornalista foi a Belo Horizonte a convite da Bamin