Baiano vence coronavírus após quase três meses internado: 'foi milagre'

Luís Artime, que ficou entre a vida e a morte, em coma induzido, teve alta nessa quarta-feira (3)

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 5 de junho de 2020 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Desdepedida do hospital teve mensagem de artilheiro do Bahia - confira no final do texto (Foto: Arquivo pessoal) Superação. Milagre. Não há palavra que descreva com precisão o sentimento de Luis Artime Freitas de Oliveira, 51, um dos 20 primeiros baianos infectados pelo novo coronavírus, ao sair do hospital curado. Por causa das complicações da doença, o engenheiro civil ficou três meses internado, dois deles na UTI do Hospital Aliança, com respiração mecânica.

“A alta dele representa uma das maiores vitórias da minha carreira enquanto infectologista e é a maior que eu presenciei nesse combate ao coronavírus”, diz o médico Adriano Oliveira, que  acompanha Artime desde o dia que foi internado, em 13 de março. Adriano viu os momentos em que o doente ficou entre a vida e a morte, lutando para vencer as cinco infecções que tomaram conta do seu organismo no período em que ficou entubado.

 O médico também esteve presente na saída de Artime do hospital, o que só foi acontecer nesta quarta-feira. “Eu agradeço o acolhimento e a dedicação de todos os funcionários do hospital. Tudo foi feito quando não se tinha mais nada para fazer. E isso mudou pouco a pouco o rumo dessa história. Só tenho a agradecer ao Senhor por vocês”, disse Artime, em vídeo gravado na saída do hospital.:

Batalha  “Quando o paciente deu entrada no hospital, ele apresentava febre e dores articulares, mas sem tosse ou sintomas característicos de gripe. Fizemos o exame e identificamos uma pneumonia. O quadro piorou rapidamente”, disse o médico. Artime se tornou o primeiro paciente do Hospital Aliança entubado por causa do coronavírus, o que aconteceu dois dias após sua internação.  Na época, a principal suspeita de médicos e familiares era que se tratava de infecção bacteriana.

 Artime não teve contato com alguém infectado ou viajou para local de risco. Na época, só eram identificados casos da doença em pessoas com esse perfil.  Mesmo assim, quatro dias após a internação, o exame de coronavírus foi feito, graças a insistência da esposa, Rita de Cássia, que é amiga de um pesquisador baiano que tinha equipamento de testagem. No mesmo dia, 17 de março, saiu o resultado positivo. Dois dias depois, a Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) confirmou os primeiros casos de transmissão comunitária.  

Na ocasião, Artime já estava num dos leitos de isolamento com suporte ventilatório exclusivos para casos de coronavírus. Rita e os dois filhos tiveram que ficar isolados em casa por 15 dias. Dos três, ninguém contraiu a doença. Segundo o infectologista Adriano Oliveira, a doença viral causada pelo novo coronavírus dura, em geral, 14 dias no organismo: “O que mantém o paciente por mais tempo no hospital são as sequelas. O doente entra em tal  processo inflamatório que surge a necessidade de outros procedimentos”. 

A Sesab não possui um dado consolidado com a média de dias que pacientes precisam ficar internados nos hospitais baianos.  No caso de Luís Artime, o médico atribui sua longa permanência às cinco infecções graves que ele pegou durante a intubação: “A primeira foi uma infeção na corrente sanguínea causada por uma bactéria. A última foi por culpa do fungo candida parapsilosis. Tivemos que tratar as infecções uma a uma”. 

 “Quando se usa muita sonda, cateter e intubação, ao mesmo tempo em que controla a situação do paciente, favorece o surgimento de infecções. O caso dele era gravíssimo e a expectativa do evento letal era concreto”, completa Adriano. A situação chegou a tal ponto do hospital anunciar à família que o paciente estava, provavelmente, nas suas últimas horas de vida. “Era um pavor pensar que ele poderia morrer e eu não iria me despedir do meu marido”, disse Rita de Cássia.

Corrente de fé  O jeito foi se apegar à oração. Com a ajuda de amigos, surgiu um grupo de WhatsApp, com 100 membros rezando por ele. “O mais interessante foi que surgiram pessoas de várias realidades para se unir nessa corrente de oração. Até gente que nunca tinha lido a Bíblia estava se comprometendo a rezar pelo meu marido”, disse Rita.  

Em casa, Artime vive o processo de homecare, o atendimento de saúde domiciliar. É a forma encontrada para que ele se afaste do ambiente hospitalar, que é mais perigoso e solitário. Agora, Luís terá consultas presenciais com fisioterapeuta e fonoaudiologista por um tempo ainda não determinado. Os mais de dois meses entubado e a traqueostomia feita afetaram até o processo de deglutição. 

De qualquer modo, o resultado já alcançado é extremamente positivo se comparado às projeções feitas pelos médicos caso ele sobrevivesse: teria que usar suporte extra de oxigênio, viver numa cadeira de rodas e até fazer transplante de pulmão. O infectologista confirma a rapidez da recuperação do paciente após sair da UTI. “Para quem ficou dois meses e meio numa UTI, imóvel e com a perda de 12 quilos, é surpreendente como ele já está”, disse. Para a família, trata-se de um milagre. “Só tenho a agradecer a todos que rezaram e aos funcionários do hospital que foram muito cuidadosos”, disse Júlia, filha de Artime.  Fisioterapeuta auxilia recuperação de Artime (Foto: Arquivo pessoal) Bahia  Durantes os quase três meses internado, algumas datas comemorativas foram vividas dentro do hospital. O aniversário de 28 anos de casamento aconteceu no dia 14 de março, um dia antes da intubação de Artime e pode ser vivido com a presença da esposa. Já na Páscoa, 12 de abril, o paciente estava em coma induzido. Nesse período, visitas não eram permitidas, a não ser as duas chamadas de vídeo feitas com o auxílio da enfermeira.   

No dia das mães, 10 de maio, Rita de Cássia pode visitar o marido, que já tinha negativado o vírus e estava num leito de UTI separado. “Pude segurar a mão dele e sentir que ele estava vivo. Isso me deu forças”, disse. Já no dia 15 de maio, aniversário de 51 anos de Artime, pela primeira vez, mãe e filhos, unidos, viram o pai pessoalmente, em uma pequena comemoração de aniversário feita pela equipe médica.  

Na ocasião, o jogador Flávio, meio-campista do Bahia, time de coração de Artime, gravou um vídeo para o paciente. Nessa semana, na alta do hospital, foi a vez do goleador Gilberto deixar a sua mensagem: “Artime, parabéns pela sua recuperação. Que Deus abençoe e te proteja! Espero que logo, logo voltem os nossos jogos para você ver o Bahia ser campeão esse ano, se Deus abençoar”. Confira o vídeo completo: 

Confira o momento da despedida de Artime:  

"Assim que a pandemia passar, vou procurar todas as pessoas e agradecer, inclusive aos jogadores do Bahia. Eu realmente gosto desse time, das pessoas que trabalham lá. Sou tímido e fico feliz com essa homenagem. O clube tem um perfil de adotar questões sociais e vejo o meu caso como um desse também. É o torcedor que estava numa situação difícil e recebeu uma homenagem", disse Artime. 

Para o médico infectologista, o exemplo de Artime reforça a mensagem de que ter o resultado positivo de coronavírus não significa um atestado de óbito. "Dados gerais mostram que a maioria dos infectados pela doença não precisam de UTI. Os que precisam, ficam, em média, 14 dias. O caso de Artime é um ponto fora da curva. Existem pontos fora da curva, mas o dele, no Hospital Aliança, foi o mais expressivo”, concluiu.  

Em recuperação, Artime confirmou a mensagem de esperança: "Eu permito que esses vídeos passem, pois acredito que outras pessoas vão se recuperar e se inspirar com o exemplo. Que ninguém perca a esperança de vencer essa batalha!". 

* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro