Banco genético do DPT dá esperança para a solução de 300 desaparecimentos

O DNA dos familiares serão cadastrados em acervo nacional e confrontados com amostras de corpos não identificados

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 15 de junho de 2021 às 05:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Nara Gentil/CORREIO

A angústia é enorme. São famílias que têm um membro desaparecido há anos - às vezes, décadas - e não sabem seu paradeiro. Para diminuir esse sofrimento, o Departamento de Polícia Técnica (DPT) da Bahia iniciou, ontem, a coleta de DNA dos familiares de pessoas desaparecidas para a inclusão no Banco de Perfis Genéticos. A ideia é comparar com as amostras de corpos não identificados ou ossadas que deram entrada no Instituto Médico Legal. A iniciativa pode ajudar a dar um desfecho às histórias das cerca de 300 pessoas desaparecidas cadastradas na Coordenação de Antropologia Forense do IML.

De acordo com a perita Letícia Sobrinho, atualmente, há cerca de 500 ossadas no DPT que permanecem sem identificação. “Existe a possibilidade das cerca de 300 pessoas desaparecidas estarem entre esses 500 restos mortais, sem que a gente pudesse ainda fazer uma correlação que pudesse justificar o exame de DNA. O banco de dados do perfil genético agora vai possibilitar a comparação das amostras que as famílias vão oferecer com as amostras dessas ossadas, lançando uma possibilidade maior de a gente identificar essas pessoas”, ressalta. 

Na Bahia, os familiares desses desaparecidos serão os primeiros a terem o material genético coletado. “Nós vamos começar com essas famílias porque elas já possuem registros no nosso sistema e já aguardam informações sobre parentes desaparecidos”, explicou Letícia Sobrinho, Coordenadora de Antropologia e parceira da Coordenação de Genética na coleta das informações e das amostras. 

As famílias que já possuem cadastro na Coordenação de Antropologia Forense estão sendo procuradas pelo DPT para a coleta, mas, caso isso não aconteça, devem entrar em contato com o número 3116-8622 para fazer o agendamento. A partir da coleta, a inserção no banco de dados deve ser concluída no prazo de 15 a 30 dias. 

O projeto, de iniciativa do Ministério da Justiça (MJ) acontecerá em âmbito nacional. “A grande vantagem do Banco de Perfis é justamente localizar as famílias dos corpos que nós não temos nenhum indício de identificação”, pontuou Tânia Gesteira, perita criminal de Genética Forense e uma das representantes do DPT no Comitê Gestor do Projeto.  

Ainda segundo a perita, o fato da Rede integrar outros Estados da Federação, significa dizer que se um corpo for encontrado na Bahia e seus parentes realizarem as coletas no Rio de Janeiro, por exemplo, o Banco vai apontar a confirmação do parentesco. Banco de perfil genético terá dados de todo o pais (Foto: Nara Gentil/CORREIO)    Da chegada ao IML até o enterro

Nem sempre uma pessoa desaparecida é encontrada com vida e ela pode estar entre os corpos que chegam ao IML. “Eu costumo dizer que o nosso trabalho é devolver o nome a esses corpos não identificados e, a partir disso, dar às famílias a possibilidade de processar o luto e fazer seus rituais funerários”, diz Letícia Sobrinho. 

Esse processo de identificação, porém, pode ser bastante complicado. De acordo com a delegada diretora do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Andreia Ribeiro, a partir das ocorrências registradas pelas famílias, tem início o processo de investigação. Após um período de três meses, caso não tenha ocorrido ainda um desfecho do caso, os familiares são encaminhados ao DPT e a investigação segue em curso. 

A partir do encaminhamento, o DPT realiza uma busca no sistema, com base na data de desaparecimento, entre os corpos já identificados e não reclamados (sem solicitação em curso de nenhuma família para compatibilidade) do IML. Caso haja, então, a identificação, as famílias são informadas e inicia-se o trâmite para liberação do corpo. Mas, caso não haja ninguém no banco com o nome procurado, passa-se à busca aos corpos não identificados. 

“Podemos, então, considerar uma quantidade de corpos elegíveis para a busca, que podem ser compatíveis com o indivíduo desaparecido. Aí a família vai ser procurada para fornecer essas informações e partimos para os métodos de identificação”, explica a perita Letícia Sobrinho. 

De acordo com ela, a maioria dos corpos do IML são de mortes recentes com identificação rápida, feita através das impressões digitais. “Todos os corpos que chegam aqui têm a impressão digital coletada e, então, conseguimos identificar a grande maioria. Nos casos em que isso não for possível, partimos para os outros métodos”, diz.

Também podem ser feitos exames da arcada dentária e comparação de características do esqueleto humano. A identificação por DNA é a menos utilizada, já que é de alta complexidade, demanda mais tempo e, em caso de material reduzido somente à ossada, nem sempre é possível fazer a extração do perfil genético. 

“Os exames podem dar positivo, aí a família é contatada e é feito o trâmite para liberação dos restos mortais. Se der negativo, a gente informa à família também. E há o terceiro caso, que não é maioria, quando a identificação não é possível ou dá inconclusiva”, pontua a perita. 

Os corpos não reclamados e também os não identificados ficam no IML por uma média de 10 a 30 dias para a tentativa de identificação. Não há uma lei que determine esse prazo e a permanência acontece de acordo com a conveniência e o limite de ocupação da câmara fria do IML. Caso a identificação não aconteça, é providenciado o enterro do corpo em cemitério público, mas uma amostra óssea fica retida e cadastrada. Vale ressaltar que, se um corpo está sendo reclamado, ele permanece no IML até que se conclua o processo de identificação. 

Primeiras amostras coletadas

                                

Uma das primeiras famílias que tiveram o DNA coletado nesta segunda foi a de Josinei dos Santos Cedraz. Ele tinha 37 anos quando desapareceu em Salvador no dia 18 de setembro de 2017. O irmão, Josivan Cedraz, de 44 anos, explica como tudo aconteceu.

“Somos de Mata de São João, mas ele estava em Salvador e foi para a faculdade porque cursava o 6º semestre de Direito. Depois da aula, ele tentou se hospedar num hotel, mas parece que não conseguiu. Aí ele pegou um táxi e o taxista até deu depoimento à polícia e contou que meu irmão não estava sabendo dizer para onde ia e, então, deixou ele de volta ao hotel. Mas as câmeras de segurança não mostram esse retorno, então achamos que o taxista pode ter deixado ele em qualquer lugar”, conta.    Josivan diz que o irmão é diagnosticado com esquizofrenia e que era medicado, mas acredita que a medicação não estava surtindo efeito. Josivan conta também que Josinei já fraturou o maxilar e o pulso e que as radiografias já foram entregues ao DPT na tentativa de facilitar uma identificação. Por enquanto, a família não obteve um retorno.    Dona Rosa, de 68 anos, é mãe de Josinei e Josivan e, apesar dos quase quatro anos de angústia, acredita que vai conseguir uma resposta e, seja ela qual for, espera ansiosa. “É muito difícil passar por isso e a cada dia fica ainda mais difícil chegar a um fim. Mas tenho fé e esperança porque isso não pode faltar. Essa coleta aqui de DNA é uma esperança a mais de que vamos ter uma resposta. É isso que queremos: uma resposta”, diz.   Saiba o que fazer em caso de desaparecimento

Ao contrário do que muita gente pensa, não é necessário aguardar o prazo de 24 horas para notificar desaparecimentos. Para registrar os casos em Salvador, é necessário que um parente compareça à sede da Delegacia de Proteção à Pessoa (DPP), localizada no prédio do DHPP, na Pituba, e forneça os dados necessários à identificação do desaparecido. É interessante levar uma foto atual e comprovante de residência.

No interior do estado, as ocorrências podem ser feitas nas Delegacias Territoriais, localizadas onde ocorreu o fato. Caso qualquer pessoa tenha informações sobre um desaparecido, é importante entrar em contato com a DPP por meio do telefone (71) 3116-0357 ou do WhatsApp (71) 99631-6538. O sigilo é garantido. 

Idosos

A principal razão é o esquecimento, a falta de memória, devido doenças como o Alzheimer, muito comum após os sessenta anos. A ocorrência de idosos desaparecidos é muito maior do que se supõe. Como prevenção mantenha sempre o nome, endereço, telefone nos bolsos da roupa e uma foto atualizada.

Em caso de desaparecimento, além das orientações já citadas para adultos, providencie o bloqueio do benefício ou aposentadoria que ele recebe. Apresente-se na agência bancária e com o Boletim de Ocorrência em mãos, solicite o bloqueio.Desta forma, em caso de tentativa de saque, o gerente da ag. bancária deverá comunicar imediatamente a polícia. Avise o CREAS local.   Crianças   De acordo com o art. 208 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - parágrafo segundo), os órgãos de investigação deverão também comunicar os departamentos de Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, bem como portos, aeroportos, rodoviária e empresas de transporte interestadual e internacionais, para evitar o deslocamento da criança ou adolescente para fora do estado e do país.

É importante que os familiares tenham sempre uma foto da criança atualizada e memorizem a vestimenta da criança e outros detalhes para melhor descrevê-la quando precisar. Também é válido recolher e guardar objetos que a criança ou adolescente manusearam, nos quais ela possa ter deixado impressões digitais e material biológico, como fios de cabelo com raiz, de onde se pode extrair o DNA. Geralmente esse material pode ser colhido no banheiro da casa ou travesseiro. Tire o RG da criança o mais cedo possível.

Dicas importantes*:

- Deveres da famíliaTentar rastrear os últimos passos da pessoa desaparecida. Rede social, amigos, grupos, celular, na escola, no trabalho, etc. Se você possui familiares que residam em outras localidades, tente entrar em contato com os mesmos, pois muitos desaparecidos costumam se refugiar em casas de amigos ou parentes que moram em outras localidades; Converse com as últimas pessoas que tiveram contato com o desaparecido para avaliar a sua situação psicológica e emocional (estado de espírito) tentando obter uma possível indicação do motivo e/ou destino do mesmo;  Entre em contato com os Hospitais, Departamento Médico Legal (DML e/ou IML) para saber se o desaparecido não sofreu algum acidente ou foi vítima de violência;  Em caso de pessoas com debilidade mental, tente informar quantas vezes já desapareceu, onde foi encontrada, se estava recolhido a algum hospital ou casa de tratamento;  Após, registre a ocorrência de desaparecimento da pessoa na delegacia mais próxima, fornecendo a maior quantidade de informação possível, se possível, levando consigo uma foto da pessoa desaparecida;  Anote o telefone da Delegacia e o nome do investigador que ficará responsável pelo caso.  Mantenha contato e disponibilize as informações que ele pedir.  Procure o jornal da sua cidade. Peça publicação do desaparecimento. Faça o mesmo  telefonando para  as rádios e peça divulgação.   Faça cartazes e distribua em locais movimentados da cidade.  Avise amigos, divulgue na rede social.  Após o seu cadastro  no Desaparecidos do Brasil, acompanhe o caso, através do nosso email.    Assim que localizado, avise que a pessoa foi encontrada para darmos baixa no cadastro. Faça o mesmo nos demais locais onde pediu ajuda. Observação: Quando  ocorrer a localização da pessoa desaparecida, o comunicante do desaparecimento deverá retornar à delegacia de polícia na qual foi comunicado o desaparecimento, a fim de dar ciência às autoridades policiais, que providenciarão a baixa junto ao sistema informatizado.   - Deveres da polícia   O primeiro procedimento da polícia, após receber o registro, é fazer uma busca em toda a rede estadual de hospitais, casas de saúde, e IML (Instituto Médico-Legal). O objetivo é localizar pessoas que possam ter dado entrada nesses lugares sem consciência, vítimas de algum acidente – ou mesmo vítimas fatais, no caso do IML.   Continuando desaparecido, abrir inquérito policial para investigação para saber se houve crime. Havendo suspeita de sequestro ou rapto, poderá  solicitar a quebra do sigilo telefônico ou dos meios tecnológicos. Providenciar o bloqueio do RG do desaparecido. Fazer constar no INFOSEG  a tarja desaparecido.

*Fonte: www.desaparecidosdobrasil.org  **Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro