Barcos ancorados em Itapuã e Rio Vermelho viram berçário de mosquito

Colônia de pescadores enfrenta casos frequentes de chikungunya

  • Foto do(a) author(a) Marcela Vilar
  • Marcela Vilar

Publicado em 21 de janeiro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

O acúmulo de água parada transformou os barcos de pesca ancorados em Itapuã e Rio Vermelho em criadouros do aedes Aegypti, o transmissor da dengue, chikungunya e zyka – doenças conhecidas como arboviroses, que sempre reaparecem com mais intensidade no Verão. As embarcações foram visitadas, nesta quarta-feira, 20, pelas equipes do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), vinculado à Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (SMS), que intensificou as inspeções em busca de focos do mosquito.

Itapuã, inclusive, é o distrito sanitário que registrou maior número de casos de chikungunya em 2021. Segundo o Sistema de Informação de Agravo de Notificação (Sinan) foram 10 registros até agora. 

As embarcações que não têm muita movimentação é que têm virado berçário do aedes. “No barco que o pescador sai todo dia raramente encontramos foco porque ele é movimentado, sai sempre. Mas o barco que continua ali durante um bom tempo, com esse período de chuva, é propenso para o desenvolvimento de mosquitos”, explica a subcoordenadora do CCZ, Isolina Miguez.

Ela acrescenta que o objetivo da inspeção realizada pelo órgão é verificar onde estão os criadouros na cidade para eliminá-los. Os pontos estratégicos, que são visitados quinzenalmente pelas equipes do CCZ são borracharias, pátios de empresas, construções, cemitérios e as embarcações. “Iniciamos as inspeções na segunda-feira, 18, em vários pontos de Salvador. A intenção é fazer uma varredura no município durante essa semana, identificando os problemas e locais que poderão se transformar em criadouros”, acrescenta Isolina. 

Pescadores doentes O presidente da colônia de pescadores de Itapuã, Arivaldo Santana, 52 anos, conta que muitos pescadores da região já pegaram alguma das arboviroses por conta da água parada nos barcos. Dos 130 que pescam perto dele, na rua da Música, pelo menos 60 já foram contaminados, estima. No total, são 373 associados à colônia. “Quase todos os pescadores pegaram zika ou chikungunya, é raro ter um aqui que não pegou”, diz o presidente.  

A causa do problema, segundo ele, é a falta de atenção e cuidado dos donos das embarcações. “Está chovendo muito todos os dias e muita gente que bota o barco aqui deixa na areia e vai embora, não volta. Levam dias, meses sem vir”, critica o pescador. 

Ele ainda diz que cada um ajuda como pode para evitar que haja água parada muitos dias. “A gente vira o barco, quando pode, para ele não ficar com a boca para cima. O pessoal tira a água, coloca óleo queimado para evitar os mosquitos ou a gente faz um furo no barco quanto está demais. Mas é meio complicado, porque são mais de 300 barcos nessa área. A gente não pode deixar o pessoal adoecer por conta de descaso de dono de embarcação”, afirma Arivaldo Santana.  

Manoel dos Santos, 53 anos, pescador desde menino também em Itapuã, foi um dos que pegou uma das doença transmitidas pelo aedes Aegypti. “Tinha um iate que ficou aqui e várias pessoas pegaram chikungunya. O barco ficou cheio de água, a gente botava óleo, o pessoal da Sucom vinha botar produto, mas começava a chover de novo e ía só renovando a água”, conta.

Apesar de ter pego a doença há quase um ano, o pescador diz que ainda sente dor nas articulações. “Até hoje sinto dor nos ossos e nas articulações, nos joelhos e braços. Na época, fiquei em casa, senti aquela febre, dor de cabeça e dor nas juntas. Minha esposa também pegou. Chikungunya é barril”, descreve.  

Desde então, o pescador afirma que fica mais atento para evitar que tenha água parada nas embarcações. “A gente está fazendo de tudo para não deixar, fica de olho grosso mesmo, porque a gente está ali todo dia, então fica um negócio chato e é nossa saúde. A gente sempre conversa com os donos, mas, ultimamente, a gente não está deixando mais”, explica Manoel. Segundo ele, os barcos que causam maior preocupação são os menores e que ficam na areia, pois não têm proteção e acumulam mais água.  

Piscinas Outros locais que podem ser foco para o depósito de ovos do mosquito são as piscinas. No Caminho das Árvores, o maquiador Kal Nascimento, 41, receia que a água parada na casa do vizinho cause algum mal à sua saúde. “É uma situação muito ruim e perigosa e percebo um descaso dos donos. Eles tiveram aqui recentemente, tiraram o toldo, mas não fizeram nada na piscina. É complicado porque a gente fica com medo de estar se metendo numa briga com o vizinho, mas a gente acaba se sentindo no dever de tomar uma atitude e pedir uma providência, porque também é nossa saúde”, desabafa. 

Kal diz ainda que os clientes que vão a seu estúdio também reclamam da situação. O maquiador conta que existem várias residências nas mesmas circunstâncias no bairro. “Existem outras casas na região que têm piscina e muitas estão abandonadas, sem placa de aluguel na frente e o dono não vem ver. Então acaba sendo um foco de mosquito”. Ele acrescenta que conhece moradores que pegaram chikungunya no bairro e já relatou a condição para os órgãos públicos, mas nenhuma medida foi tomada ainda.  

Outras ações do CCZ   Além de eliminar e tratar os possíveis locais que proliferem mosquitos, os 1.500 agentes do Centro de Controle de Zoonoses fazem campanha de conscientização com moradores. “A ideia é orientar a população com ações educativas. A gente tenta fazer com que as pessoas se conscientizem no descarte de materiais, porque qualquer coisa que possa armazenar água, até um pote de margarina ou de sorvete, precisa ser eliminada”, orienta Isolina Miguez. 

Em algumas operações, a Limpurb (Empresa de Limpeza Urbana de Salvador) também é acionada para retirar os dejetos.  Já em outros mutirões, a Guarda Civil Municipal precisa acompanhar os agentes do CCZ, como nas ‘ações do chaveiro’, realizadas ano passado, em casas abandonadas. Pela falta da presença do proprietário e havendo risco de proliferação de mosquitos, um chaveiro é acionado para que as equipes da prefeitura possam entrar nas casas e eliminar o foco das doenças. De acordo com a subcoordenadora, dezenas de ações como essa foram realizadas no Caminho das Árvores.   

A operação “Verão Sem Mosquito” foi iniciada em outubro de 2020, primeiramente em cemitérios. Em janeiro, além de praças, templos de religião de matriz africana e órgãos públicos, as inspeções serão realizadas em todas as escolas públicas municipais, bocas de lobo e hotéis. Em fevereiro, uma nova semana de inspeção será feita, em locais ainda não divulgados. A orientação, se algum cidadão encontrar um possível criadouro, é ligar para o telefone geral de prefeitura, número 156.

Eliminação de focos  Arboviroses como dengue, zika e chikungunya são comuns em períodos de chuva por conta do acúmulo de água e a melhor forma de evitá-las é impedir a proliferação do mosquito aedes Aegypti. A afirmação é da especialista em imunopatologia, otorrinolaringologia e diagnóstico de doenças transmitidas por vetores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Viviane Boaventura.  

“Essas arboviroses, normalmente, acontecem em épocas de chuvas ou de chuva e sol, quando se formam mais poças e tem mais acúmulo de água em lixo descartado  nas ruas. Isso facilita e o mosquito gosta de colocar os ovos de preferência em água limpa”, explica a pesquisadora.  

Viviane ainda explica que, como não há vacina para essas doenças, o melhor remédio é a prevenção. Segundo ela, o único imunizante existente no mercado é para a dengue, mas que não é indicado para pessoas que nunca tiveram a doença. Além disso, a vacina não cobre as quatro cepas do virus. 

“A melhor estratégia ainda é a prevenção, que é a gente evitar criar espaços para esse mosquito se proliferar. É uma arma que consegue destruir as três doenças ao mesmo tempo, porque elas são transmitidas pelo mesmo vetor”, orienta Viviane Boaventura.  

A pesquisadora acrescenta que uma vacina que imunize os quatro tipos da dengue está em desenvolvimento pela Fiocruz em parceria com o Instituto Butantan e está em fase de acompanhamento dos ensaios clínicos, aplicados em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). O prazo de conclusão do estudo deve acontecer entre três e quatro anos.   

As arboviroses em Salvador, entre 3 e 16 de janeiro 

2020: 

- Dengue: 366 

- Chikungunya:  192 

- Zika vírus: 30 

2021: 

- Dengue: 15 

- Chikungunya: 10 

- Zika:  03 

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (SMS) 

Bairros com maior incidência em 2020:

Dengue - Itapoã, Subúrbio Ferroviário e Liberdade 

Chikungunya - São Caetano/Valéria, Pau da Lima, Itapagipe, Liberdade, Barra/Pituba/Rio Vermelho 

Zika - Itapagipe, Liberdade, São Caetano/Valéria 

Bairros com maior incidência em 2021:

Dengue - Pau da Lima, Itapoã e Subúrbio Ferroviário 

Chikungunya - Itapoã 

Zika - Não informado

Fonte: Sistema de Informação de Agravo de Notificação (Sinan) 

*Com a orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo