Caboclos e outras obras de arte participarão dos festejos do Bicentenário em São Paulo

Símbolos da Independência da Bahia, estátuas estarão em exposições nos museus Afro-Brasil e Ipiranga e retornam à Bahia em fevereiro de 2023

  • D
  • Da Redação

Publicado em 23 de julho de 2022 às 11:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marisa Viana/Divulgação

O Caboclo e a Cabocla já estão preparando as carruagens para pegar a estrada rumo ao Sudeste do país. Os dois personagens icônicos, que representam a participação popular na luta pela Independência da Bahia, vão deixar o Pavilhão da Lapinha para passar uma temporada nos museus paulistanos durante as celebrações do Bicentenário da Independência do Brasil. As esculturas, juntamente com as carruagens nas quais desfilam no Dois de Julho, serão emprestadas, em regime de comodato, pela Fundação Gregório de Mattos (FGM) aos museus Afro-Brasil e Ipiranga, de São Paulo, e integrarão duas exposições na capital paulista que serão inauguradas em setembro próximo.  (Acervo Associação Comercial da Bahia) A chegada de D. João VI à Bahia, obra de Candido Portinari Enquanto o Caboclo ficará exposto no Museu Afro-Brasil, a Cabocla irá para o Museu do Ipiranga - que será reinaugurado depois de uma gigantesca reforma - até janeiro de 2023, onde participará da exposição Memórias da Independência, que reunirá acervos de outras instituições brasileiras, especialmente do Rio de Janeiro e da Bahia. Após o término da exposição do Ipiranga, previsto para meados de janeiro, a Cabocla voltará a encontrar o Caboclo na megaexposição As Duas Independências do Brasil, que será montada no Museu Afro-Brasil, e ficará em cartaz até fevereiro do mesmo ano.O projeto da exposição do Museu Afro-Brasil, que ocupará parte significativa do pavilhão do Parque do Ibirapuera, onde o espaço expositivo está instalado, é do escultor e gestor do museu, o baiano Emanoel Araújo, que esteve em Salvador para eleger as peças que irão compor a mostra que será inaugurada no próximo dia 14 de setembro.  (Acervo da Câmara Municipal)Retrato de D. Pedro I, pintado por Bento Rufino Capinam A ideia, segundo Araújo, que é também o curador da exposição, é recontar a história enaltecendo a resistência dos baianos que não se renderam de pronto, permanecendo em luta até derrotar de vez as tropas portuguesas, nove meses depois do Grito do Ipiranga, no dia 7 de setembro de 1822, exatamente no dia 2 de julho de 1823.  “A proposta desta exposição é mostrar aos paulistas que a Independência do Brasil não ficou no Grito do Ipiranga, mas que os baianos resistiram por mais tempo e que celebram, até hoje, com uma bonita e comovente festa popular, a data com a mística dos caboclos, que representam a luta dos indigenas e mestiços pela liberdade e que é festejada pelos baianos, assim como deveria ser por todos os brasileiros”, explica Emanoel Araújo. 

Junto com o comboio dos caboclos, seguirão para a temporada paulistana, outras importantes obras históricas que integram acervos de instituições baianas como a Câmara Municipal de Salvador, que emprestará as telas que retratam o General Labatut, D. Pedro I, e a Entrada do Exército Libertador, esta última do artista Presciliano Silva, pintado em 1930. (Acervo da Câmara Municipal)Entrada do exército pacificador, obra de Presciliano Silva Pela estrada seguirão, ainda, segundo Emanoel Araújo, os retratos pintados de Maria Quitéria e do Lord Cochrane, cedidos pelo Instituto Histórico e Geográfico da Bahia; a tela O Primeiro Passo para a Independência, de autoria de Antônio Parreiras, datada de 1931, que está no Palácio Rio Branco; além do painel Chegada de Dom João VI à Bahia, um óleo sobre tela com dimensões de 5,80 m x 3,82 m, pintado por Cândido Portinari em 1952. Esta última, pertence a família do ex-ministro baiano Clemente Mariani, e está, há mais de três décadas, exposta na Associação Comercial da Bahia, no Comércio, sob regime de comodato.

A logística para esse tipo de transação entre instituições requer muita negociação e cuidados para garantia da preservação dos acervos. Só para ter uma ideia do aparato para o transporte de uma obra de um estado para outro, quando este painel de Portinari foi emprestado, na década passada, ao Rio de Janeiro para uma exposição sobre a família real, a tela teve de ser desmontada e depois remontada e restaurada. Para garantir a operação envolvendo esta operação específica, foi feito, à época, um seguro de R$ 5 milhões. Vale ressaltar que este e outros custos, são bancados pelo proponente. No caso das obras que irão para o Bicentenário, pelo estado de São Paulo.  (Acervo Fundação Pedro Calmon)Tela O primeiro passo para a Independência, de Antônio Parreiras, atualmente no Palácio Rio Branco Os acordos nem sempre são fáceis. De acordo com Zulu Araújo, presidente da Fundação Pedro Calmon, entidade que tem a guarda da obra O Primeiro Passo para a Independência, de autoria de Antônio Parreiras, uma das obras escolhidas pelo curador Emanoel Araújo, esta é uma negociação que envolve várias questões delicadas, por se tratar de uma obra pública e de grande valor histórico.

“Ainda estamos discutindo internamente este empréstimo e estamos aguardando o contrato para sabermos das garantias, por isso, o martelo ainda não foi batido”, pondera. Para a realização do transporte destas obras, algumas delas gigantes e de valor histórico incalculável, são destinados tratamento especial no manejo, transporte, bem como na manutenção e conservação, conforme previsto no contrato entre as partes, que prevê ainda seguro de altas cifras. 

De acordo com o artista plástico e restaurador José Dirson Argolo, do Studio Argolo, responsável pelo trabalho de acompanhamento, restauro e manutenção permanentes dos caboclos, assim como de outras peças de arte que integram o acervo baiano que sairá do estado, quando estas são transladadas requerem um trabalho de logística especial, equipe de embaladores e transporte qualificados, para que sejam transferidas de lugar de forma segura, sem prejuízos para as obras. O cuidado com o transporte das obras é também uma das preocupações da museóloga Karine Esteves, do Memorial da Câmara, que deverá acompanhar as telas para garantir que todos os processos estejam sendo executados da forma correta. “É uma operação complexa, que envolve inclusive um especialista (courrier) para acompanhar as peças e para garantir a conservação destas”, conta.

Memorial 2 de Julho

Enquanto os caboclos estiverem em solo paulistano, o Pavilhão da Lapinha estará passando por uma grande reforma para recebê-los de volta. De acordo com o presidente da Fundação Gregório de Mattos, Fernando Guerreiro, a revitalização do espaço está prevista no plano de requalificação do Largo da Lapinha. Guerreiro diz que o pavilhão será transformado num Memorial do Dois de Julho, com exposição permanente dos caboclos, além da memória da festa cívica, que será recontada através do audiovisual. “A ideia é ocupar dois andares com estes registros para que o público possa visitar o espaço e conhecer a história da Independência da Bahia”, diz.

O projeto da reforma do pavilhão, segundo o gestor da FGM, terá a assinatura do arquiteto e urbanista Nivaldo Andrade. “Queremos deixar o pavilhão em condições de ser visitado o ano inteiro com a exposição não só dos caboclos, mas com a memória da festa”, explica. Guerreiro defende que é “preciso reforçar para o Brasil que a Independência foi consolidada em solo baiano e que os caboclos são símbolos da nossa brasilidade, da nossa mestiçagem”, afirma.

Sobre o Bicentenário, Fernando Guerreiro diz que por aqui as celebrações estão programadas para o próximo 2 de julho. “Já estamos trabalhando neste projeto das comemorações onde estão previstos não apenas um grande desfile, como uma ópera com temática afro-baiana, e uma exposição itinerante que passará por todo o circuito do cortejo. A partir do final de abril de 2022, daremos o start para iniciar a programação”, diz.

A ideia de reforçar a importância do 2 de Julho no contexto histórico da Independência do Brasil é também uma preocupação do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia. A instituição está mobilizando personalidades brasileiras para formar uma comissão de notáveis para alavancar uma campanha nacional de valorização da data. “Queremos que haja uma consciência da relevância dessa data para a História do Brasil, que ficou praticamente restrita aos baianos. Vamos unir forças para levantarmos esta bandeira”, diz Joaci Góes, presidente do IHGB.