Cadê a empatia? Paredão da vergonha no ferry-boat e a insanidade da virada

Apesar do decreto que proibia festas, não faltou desrespeito às normas no litoral baiano

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  • Moyses Suzart

Publicado em 2 de janeiro de 2021 às 08:25

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Nara Gentil/CORREIO

Enquanto o Brasil registrava 1.224 mortes por conta da covid-19 no último dia de 2020, a maré serena da Baía de Todos-Os-Santos via navegar uma arca às avessas, carregada com todas as atitudes contrárias a qualquer cuidado  para conter esta segunda onda da pandemia: aglomeração, falta do uso de máscara e ausência de empatia pelo próximo. Restando uma hora para o início de 2021,  o ferry-boat Zumbi dos Palmares foi palco de uma festa tipo paredão, enquanto fazia a travessia para Bom despacho. 

Com um aparato pesado de sonorização, vídeos que circulam na internet mostraram pessoas dançando, bebendo, desrespeitando distanciamento e com ausência de máscara no rosto. Se serve como comparativo mórbido, o Zumbi dos Palmares tem a capacidade total de 1.094 passageiros. Nem daria para embarcar todas as pessoas que perderam suas vidas e viraram estatísticas no dia 30 de dezembro de 2020. 

O paredão aconteceu no local destinado aos veículos. Nas imagens, é possível perceber que o ferry seguia lotado, com dezenas de pessoas aglomeradas entre os carros, mesmo com a norma que permite apenas o embarque de 75% de sua capacidade máxima de passageiros, por viagem. Em nota, a Internacional Travessia Salvador, administradora do sistema ferry-boat,  alegou que os tripulantes tentaram evitar a festa armada, sem sucesso. 

Outros casos O descaso durante a virada do ano não foi apenas no mar. Na terra, festas com aglomerações ocorreram em cada canto do estado e mostrou que a falta de consciência não diferenciava turistas e baianos, tampouco classe social.  Somente na primeira madrugada de 2021, a Polícia Militar encerrou 18 encontros  de réveillon, desafiando as normas que proibiam festas e aglomerações de fim de ano em todo estado.  

Em Trancoso, distrito de Porto Seguro, casas e condomínios de luxo deram trabalho aos policiais militares. Em apenas dois flagrantes, as autoridades contabilizaram 700 pessoas. Equipamentos de sonorização foram apreendidos e um advogado chegou a ser detido por desacato. Ali perto, mas em Arraial D'Ajuda, equipes do 8° BPM encerraram quatro focos de festas e aglomerações, sendo três em plena via pública. 

Em Salvador, flagrantes foram feitos em diversos bairros, como Sussuarana, Arenoso, Castelo Branco, Stella Maris, São Marcos e Pau da Lima.  Na Região Metropolitana de Salvador, a operação prendeu quatro assaltantes de banco que participavam de uma festa em Lauro de Freitas. Em Monte Gordo, guarnições encerraram um encontro que acontecia numa chácara, com cerca de 100 pessoas. A PM ainda encontrou uma arma de brinquedo e porções de drogas no local.   Foto: Reprodução Psicóloga explica os impulsos da aglomeração De acordo com a psicóloga Priscilla Pardo, a redução do contato social, como estratégia para conter o contágio do coronavírus, representou uma drástica mudança no padrão de sociabilização, aumentando sentimentos como solidão, medo, tristeza e incertezas. Estes fatores poderiam explicar a insistência em realizar celebrações, mesmo diante do risco evidente. Para Pardo, o meio social é um fator providencial para a cultura humana, que sofre  com esta mudança repentina de convivência. 

“Considerando a necessidade de contato social, como a base primordial da existência humana, o impulso dos indivíduos por buscarem de forma recorrente satisfazer a necessidade de conexão e inserção em grupos sociais, conduziu os sujeitos a desenvolver um comportamento de maior adesão aos eventos sociais, minimizando as consequências decorrentes das aglomerações e o efeito relacionado ao aumento de casos por Covid”, esclarece.

*com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier