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Da Redação
Publicado em 5 de dezembro de 2022 às 05:00
O ato de vandalismo que incendiou a estátua da Mãe Stella de Oxóssi neste domingo (04) gerou protestos de religiosos do candomblé. Para adeptos da religião, a depredação impacta a comunidade religiosa, mas também a população negra baiana. “Fere nossa identidade, nossa representatividade. Mãe Stella foi grande precursora do candomblé, sempre defendeu a bandeira”, afirma o presidente da Sociedade Cruz Santa do Ilê Axé Opô Afonjá, Emanuel Nascimento. >
Em nota oficial assinada pela ialorixá Ana Verônica Bispo Santos, a Sociedade Cruz Santa disse que tomará providências junto às autoridades para identificar e punir os responsáveis pelo crime. Lembrou que Mãe Stella defendia os princípios da liberdade religiosa - para todos os credos - e agradeceu a solidariedade dos “amigos e do povo de santo”. Mãe Stella foi uma das principais ialorixás do país e faleceu em 2018.>
Um boletim de ocorrência foi registrado pela Fundação Gregório de Mattos (FGM) na 12ª Delegacia, em Itapuã. O órgão, vinculado à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult), também solicitou à Companhia de Desenvolvimento Urbano de Salvador (Desal) a retirada da peça danificada para recuperação. A remoção acontecerá somente após perícia. Estátua foi inaugurada em 2019 e já sofreu duas depredações, ao todo, desde lançamento (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Em nota, a Rede de Mulheres de Axé do Brasil parabenizou a FGM por “rapidamente efetuar boletim de ocorrência junto ao órgão competente” e solicitou que sejam analisadas as câmeras de segurança da Avenida Mãe Stella de Oxóssi, para identificar e punir o autor pelo crime praticado. >
“O Estado é laico. Em Salvador existem símbolos, monumentos e logradouros enaltecendo religiões judaico-cristão. O monumento em homenagem a Mãe Stella de Oxóssi, é uma das poucas referências da religião do candomblé, como as estatuas do Dique do Tororó, onde reafirma-se nossa religião, que deve ser respeitada, e não apenas tolerada. Respeito sim, tolerância não”, protesta. >
A liberdade religiosa está prevista no artigo 5º da Constituição de 1988. O texto dispõe que todas as crenças são permitidas no país e cultos religiosos, locais de culto e liturgias devem ser protegidos e de livre exercício. Assim como o Estado deve proteger e garantir o livre exercício de todas elas. Apesar disso, não há lei federal que determine, especificamente, punições para quem desrespeitar a liberdade religiosa. A Lei nº 7.716/89 estabelece punição aos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, contudo, também não especifica condições e pena. >
Para Doté Amilton Costa, do Terreiro Do Curuzu, a depredação prova que o direito à liberdade religiosa é desrespeitado. “Se sabe que não vai dar em nada, as pessoas fazem o que querem. Enquanto [os direitos da Constituição] não forem cumpridos, vai ser sempre isso aí. As pessoas só fazem isso com coisas ligadas ao candomblé. O problema é religioso mesmo. Para isso acabar, precisamos dos nossos governantes”, declara.“Ali é apenas uma estátua. Stella está ali? Não. É apenas uma estátua. Por que tem que queimar, jogar pedra, vai adiantar o quê? Só vai sujar a obra do artista porque o espírito de Mãe Stella não está ali. É só maneira de homenagear. Assim como tem Cristo lá na Barra”, compara. Outros casos de intolerância religiosa na Bahia >
A estátua da Mãe Stella de Oxóssi não é a única que precisou de restauração. As esculturas dos orixás instaladas no Dique do Tororó foram restauradas e entregues em setembro. Isso porque, em 2019, a peça de Oxumaré foi degradada e teve um dos braços arrancados. Após a ação, a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) deu início à primeira restauração para recuperação da escultura. Desde 2021 o órgão realiza as restaurações de outras 11 obras que precisam ser revitalizadas - neste caso, não necessariamente por intolerância religiosa. As esculturas medem sete metros de altura e são representações de Oxalá, Iemanjá, Oxum, Ogum, Oxóssi, Xangô, Nanã e Iansã. Os outros quatro monumentos representam Oxumaré, Ossain, Logun-Edé e Ewá, possuem três metros e meio cada e ocupam a calçada de entorno do dique. Todas passaram por manutenção recente. >
Em julho, imagens de orixás foram roubadas ou danificadas na fazenda Santa Inês, em Brumado, no sudoeste da Bahia. Em fevereiro, integrantes do terreiro Logun Edé, em Eunápolis, no sul da Bahia, denunciaram que, por dois dias consecutivos, sofreram ataques de intolerância religiosa. Eles contam que no primeiro dia, evangélicos teriam ido até a região do terreiro para pregar e, no dia seguinte, o assentamento dedicado ao orixá Exu, que fica na entrada do local, foi depredado.*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo>