Casais gays mostram suas famílias e falam sobre paternidade

Direito reconhecido pelo STF desde 2011, a união estável permitiu que casais LGBTQI+ pudessem adotar nas mesmas condições que héteros

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  • Daniel Silveira

Publicado em 12 de agosto de 2018 às 11:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Renato Santana/Divulgação

Hoje é Dia dos Pais e algumas casas vão comemorar duplamente. É o caso das famílias Papy-Gusmão e Oliveira-Santiago, em que os filhos têm dois pais. Direito reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2011, a união estável permitiu que casais LGBTQI+ pudessem adotar nas mesmas condições que os héteros. “Não passamos por nenhuma dificuldade, fomos bem atendidos em tudo”, garante Roberto Gusmão, pai de Marcos e Mateus, gêmeos de 11 anos, e Cássio, de 17 anos. 

Segundo a advogada, professora, e mestre em Direito Privado pela Ufba Andrea Brito, não existe nada que impeça casais homoafetivos de adotarem. “Os cartórios estão cada vez mais preparados para esse procedimento. Preconceito pode ser denunciado como injúria e danos morais”, explica.

No Brasil, mais de 7 mil crianças aguardam por um lar no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em Salvador, de acordo com dados da 1ª Vara da Infância e Juventude, em quase dez anos, entre 2009 e 2018, cerca de 250 crianças e jovens foram adotados pelo CNA. Se continuar no mesmo ritmo, vai demorar quase 12 anos para que as 300 crianças que vivem em abrigos na capital baiana sejam adotadas. 

O primeiro passo para quem deseja adotar é procurar a Vara da Infância e Juventude e organizar a documentação solicitada. Em caso de aprovação do pedido, é preciso participar de cursos preparatórios. Depois, são aplicadas avaliações psicossociais. Se você for aprovado, chega, então, o momento de escolher o perfil da criança e entrar na fila. 

Para Bruno Rodrigues, psicólogo do grupo Nascidos do Coração (Nascor), que apoia pessoas que desejam adotar, o perfil é uma das fases mais delicadas. Fundado em 2012, o grupo realiza reuniões mensais na Escola Politécnica da Ufba. As datas são divulgadas no Instagram, @nascor_nascidos_do_coracao. “Criança  não é mercadoria, brinquedo que você seleciona. Adoção não é caridade, é um ato de amor. Pai não é pai adotivo, é pai e acabou”, comenta Bruno. 

Pra contar mais dessas vidas de pai e pai, entramos na sala de duas famílias que têm história pra contar. Conheça. O casal formado por Calos Papy (de azul) e Roberto Gusmão (de preto) adotou três irmãos no Macapá (Foto: Renato Santana/CORREIO) A grande família O gerente comercial Carlos Papy, 38, sempre quis ser pai. Casado com o professor de música Roberto Gusmão, 47, há 20 anos, precisou convencer o marido. “Eu já estava certo que ia ser tio, mas Carlos sonhava em ser pai”, lembra o músico. Em 2012, a proximidade com os sobrinhos começou a despertar conversas sobre uma possível paternidade. 

Dois anos e algumas visitas em abrigos depois, eles resolveram que era a hora. Foram, então, até a Vara da Infância e Juventude de Salvador para começar a burocracia. “Quando fizemos a primeira inscrição, queríamos crianças entre 3 e 5 anos”, conta Roberto. O ano era 2014 e apenas no final de 2015 o casal foi habilitado para a adoção. Depois disso, a qualquer hora eles poderiam receber a ligação contando que em algum lugar do país tinha uma criança com o perfil que esperavam.

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Surpresa Nesse momento, eles já tinham aumentado a faixa de idade, o que também expande as chances da adoção acontecer com mais brevidade. “Eu participava de grupos de busca ativa, que têm as ‘cegonhas’, pessoas ligadas a abrigos que mandam informações sobre as crianças”, rememora Carlos. Foi lá que os gêmeos de 11 anos, Marcos e Mateus, apareceram na vida de Carlos e Roberto. O casal, que estava se preparando para uma criança, entendeu rapidinho aquela história de que onde cabe um, cabem dois. “Eu sonhava em ser pai de gêmeos e quando vi a foto deles, falei: são meus filhos”, lembra Carlos. 

Antes de irem ao Amapá, terra natal dos meninos, os pais souberam que havia um outro irmão, Cássio, de 16 anos. A adoção do adolescente não era condição para efetuar a dos gêmeos, mas eles viajaram com o coração aberto. “Quando chegamos, o procuramos e foi difícil, porque naquele momento a gente estava levando os irmãos dele”, recorda Roberto. O casal diz que deixou claro que ele poderia manter relações com os irmãos se quisesse e que as portas da casa estariam sempre abertas. “Cássio só perguntou a data em que a gente ia embora. E disse que queria vir conosco”, conta. Foi mais que suficiente para o casal ampliar, mais uma vez, o espectro etário. E vieram os cinco para Salvador.  Os gêmeos Mateus e Marcos têm 11 anos e o mais velho, Cássio, 17; A adoção dos três meninos aconteceu em 2017 (Foto: Renato Santana/CORREIO) A paternidade Os filhos de Carlos e Roberto chegaram a Salvador em outubro de 2017 e, desde então, as coisas estão se ajustando em casa e entre os parentes e amigos. “Teve os que tiveram medo, os que estavam ansiosos...”, conta Roberto. Isso inclui mudanças na rotina. “Pra mim, ser pai é ter sono leve. Antes, eu dormia a noite inteira. Agora, se tem a menor faísca dentro de casa, eu levanto louco! É impressionante”, diz Carlos. “Eu pensava só em mim, agora eu tenho gente para lembrar. Estou em processo de me encontrar, eu vivo a vida deles e estou me ajustando para ser eu mesmo e dar conta de tudo que eles precisam”, conta Roberto, que completa: “E eles cuidam de mim também. Eu não sabia o que era isso, ter alguém que se preocupa”. 

E como qualquer pai que se preze, os dois têm lá suas preocupações. “A minha é vê-los encaminhados”, comenta Roberto. E com relação ao medo de que os filhos possam sofrer preconceito por ter dois pais, ele são papo reto. “Eu fico preocupado, sim, mas não tem constrangimento. É capaz de meus filhos terem um índice de tolerância muito maior para essas coisas”, afirma Carlos. “Eles têm orgulho da gente”, completa Roberto. Bernardo é filho biológico de Vinicius Santiago (esquerda), mas também tem o sobrenome de Jeferson Oliveira, marido de Vinicius que também topou a paternidade (Foto: Renato Santana/CORREIO) Trio ternura Os cabeleireiros Vinicius da Silva Oliveira Santiago, 40, e Jeferson dos Santos Santiago Oliveira, 30, estão juntos há cerca de quatro anos. E sonhavam em ser pais desde que começaram a namorar. “Eu tinha inveja de meus irmãos. O caçula tinha cinco filhos e eu nenhum. Sempre quis”, pontua Vinicius. 

Há quase um ano e meio, o casal passou por uma crise, que causou uma breve separação. Nesse período, Vinicius ficou com uma amiga, Daiana. Bastou um único encontro para que ela engravidasse. “Bernardo (de 10 meses) veio para nossa vida de uma maneira inusitada”, lembra Vinicius. 

Assim que Jeferson e Vinicius se reconciliaram, receberam a notícia da gravidez. A discussão entre os dois foi apenas uma: “Ele me perguntou se era o que eu queria. Eu disse que sim e ele abraçou”, lembra Vinicius. “Eu já tenho 40 anos, quero brincar de futebol com meu filho”, comenta. 

Os dois voltaram, então, a morar juntos e passaram a acompanhar a gestação da amiga. “Ele ficava louco. Daiana não podia sentir uma dor que ele ficava nervoso”, relembra Jeferson. Eles assistiram juntos ao parto, que foi realizado por uma médica cliente do casal. “O primeiro cheiro que Bernardo sentiu foi o de Jeferson”, lembra Vinicius. Ele conta que, logo depois da primeira amamentação, o bebê já foi direto para o colo do pai. Bernardo veio para a vida dos dois depois que Vinicius se envolveu com uma amiga. Ela engravidou e, depois de uma conversa entre os três ficou decidido que o menino ficaria com o casal (Foto: Renato Santana/CORREIO) A paternidade Os dois aprenderam a ser pais no susto, mas não demonstram falta de habilidade. “Descobri o quanto é importante. Não imaginava que um filho pudesse transformar tanto a vida. É impressionante, mágico, lindo!”, comenta Vinicius. “Cada dia é um aprendizado, a gente se emociona, vai aprendendo a ser mais responsável...”, aponta Jeferson. Ele conta que chega a esquecer de sí, colocando os interesses de Bernardo na frente. “A gente tem mais tempo para ele, esquece o que é nosso, é tudo para ele”, afirma. “A gente abre mão de nossas vidas porque a vontade de ficar com ele é maior”, concorda Vinicius.

Os pais dividem a tarefa de cuidar do salão, que mantêm juntos, e do filho, contando com a ajuda da mãe de Vinicius e da irmã de Jeferson. Mas, quando estão com o garoto, é sempre o pequeno a pessoa mais importante da casa. Cada etapa desse momento é uma descoberta diferente. “Até o cocô dele que eu limpo é divertido”, diz Vinicius. “Dormir e acordar de cinco em cinco minutos, o cheiro da baba, da golfada, eu acho sensacional”, completa Jeferson.

Enquanto o menino engatinha no meio da sala, os dois sonham grande. “Quero deixar Bernardo livre para fazer e ser o que quiser, que seja educado e que conheça o mundo”, pontua Vinicius. Os dois só têm um medo:  ver alguém sendo preconceituoso com o menino. “Não sei qual seria minha reação”, diz Jeferson. “Vou preparar ele, conversar e dizer que ele tem sorte de ter dois pais”, afirma. E para isso, há um escudo poderoso que acompanha Bernardo desde a barriga da mãe: o amor dos pais e dos parentes e amigos.Siga o Bazar nas redes sociais e saiba das novidades de gastronomia, turismo, moda, beleza, decoração e pets: